domingo, fevereiro 28, 2010
Iza: um poema
Maria Luiza Soares Fernandes, amiga de uma vida inteira, texto primoroso, em prosa ou em poesia, já falei sobre Iza aqui, está na lista de assuntos.
Las Bocas Rojas
Lá fora, a noite chegando
A cor desmaia
O negro invade
O perfume intenso
Eu me enrolo na capa
Me desenrolo na lapa
Eu quero só ver a noite
Ah! Meu fugidio cavalheiro
Que canta entre vilões
Que anda entre as visões
De uma tardezinha fina!
Eu nada quero
Além dos nervos, das veias
Do sangue correndo morno
Pelo sistema do corpo.
Este cavaleiro das damas
Respira a espuma dos sonhos
No jardim da taverna
E desaparece no bar
Junto ao ruído da cidade
Sigo andando
Amando a dama da noite
Doce, delicada, pequenina, branquinha
Sumindo
Subindo
Eu vi, sem medo
A flor que se faz licor
Ou pelo cheiro, ou pelo gosto
O composto de água, treva e riso
Aniquila em teu peito
O sentimento vulgar
Sugado no floripôndio (*)
Em cachos presos aos galhos
Flor da noite
Dama só
Olho caído
No bar.
(*) Floripôndio, árvore de flores brancas e estranhas que encantou Iza no Peru.
sexta-feira, fevereiro 26, 2010
André Breton
Do Manifesto Surrealista- 1924
"Não é o medo da loucura que nos vai obrigar a hastear a meio-pau a bandeira da imaginação."
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"Só o que me exalta ainda é a única palavra, liberdade. Eu a considero apropriada para manter, indefinidamente, o velho fanatismo humano. Atende, sem dúvida, à minha única aspiração legítima. Entre tantos infortúnios por nós herdados, deve-se admitir que a maior liberdade de espírito nos foi concedida. Devemos cuidar de não fazer mau uso dela.
Reduzir a imaginação à servidão, fosse mesmo o caso de ganhar o que vulgarmente se chama a felicidade, é rejeitar o que haja, no fundo de si, de suprema justiça.
Só a imaginação me dá contas do que pode ser, e é bastante para suspender por um instante a interdição terrível; é bastante também para que eu me entregue a ela, sem receio de me enganar ( como se fosse possível enganar-se mais ainda ).
Onde começa ela a ficar nociva, e onde se detém a confiança do espírito? Para o espírito, a possibilidade de errar não é, antes, a contingência do bem?
quarta-feira, fevereiro 24, 2010
terça-feira, fevereiro 23, 2010
O fascismo não passará?
De um artigo de Umberto Eco sobre o Ur-Fascismo, citado em Carta Maior e lembrado por Luiza.
Eco termina o artigo com esta poesia de Franco Fortini:
Sulla spalletta del ponte
Le teste degli impiccati
Nell'acqua della fonte
La bava degli impiccati
Sul lastrico del mercato
Le unghie dei fucilati
Sull'erba secca del prato
I denti dei fucilati
Mordere l'aria mordere i sassi
La nostra carne non à più d'uomini
Mordere l'aria mordere i sassi
Il nostro cuore non à più d'uomini.
Ma noi s'è letto negli occhi dei morti
E sulla terra faremo libertà
Ma l'hanno stretta i pugni dei morti
La giustizia che si farà.
(Na amurada da ponte/ A cabeça dos enforcados/Na água da fonte/ A baba dos enforcados/No calçamento do mercado/As unhas dos fuzilados/Sobre a grama seca do prado/Os dentes dos fuzilados/Morder o ar morder as pedras/ Nossa carne não é mais de homens/Morder o ar morder as pedras/Nosso coração não é mais de homens/ Mas lemos nos olhos dos mortos/ E sobre a terra a liberdade havemos de fazer/ Mas estreitaram-na nos punhos os mortos/A justiça que se há de fazer.)”
sábado, fevereiro 20, 2010
Glauber Rocha e Luiz Carlos Maciel: plataforma da utopia
Glauber se foi com 42 anos.
Luiz Carlos Maciel (Porto Alegre, 15 de março de 1938) é um escritor, jornalista e roteirista brasileiro.
quinta-feira, fevereiro 18, 2010
Amigos, anjos e a web
Do filme de Win Wenders, Asas do Desejo
Quando comecei a construir esta Babel, não imaginava como seria.
Fui ver a data do primeiro post, é de 26 de março de 2006, quase quatro anos. E só meu deu alegrias. Se o dia está difícil, se o mundo não gira bem, se a vida engana, eu me refugio na torre, com meus amigos. Os que conheço, os que não conheço, mas passam por aqui, às vezes dão alô, às vezes comentam, sempre visitam.
Música, poemas, pensamentos, notícia aqui, outra ali,descalabro lá, Babel é do mundo, pertencemos à Babel.
Silenciosa, como são todos os blogs, se não acionamos os sons.
Noite alta, às vezes -- até já escrevi um poema sobre isso -- eu sei que meus amigos estão comigo, os do mundo, os daqui. É só clicar no blog deles.
E me conforta, como há pouco. Passei no Atire do Dramaturgo, do Mario Bortolotto, que nem conheço pessoalmente. E lá está ele, se recuperando dos três tiros, estreando uma peça, postando poesia.Poesia, minha gente! Poesia! Tão necessária.
E falando em poesia, meu sempre querido e primeiro site em que entrei, Jornal de Poesia, abrigo seguro da lusofonia poética.
Meu amigo Tide Hellmeister, que disse que foi, mas volta já, também está aqui, com a bela expô Brava Gente. E o Jesus Carlos, bravo repórter fotográfico, com seu Fotografia, Cachaça e Política, entrando pelos desvãos da cidade que não saem nos jornalões.
E o Pedrão? Pedro Martinelli, companheiro da melhor redação que trabalhei, amigo de tantos anos, contando, comentando e mostrando belezas do recôndito do país, e também suas mazelas: o que fizeram da Amazônia. E as comidas, e a arte de fotografar, pé na estrada.
O Edu, no É Tudo Política, solerte repórter, que tem como lema : “Jamais faltará assunto a um repórter que se disponha a sujar os sapatos na poeira e na lama, onde muitas vezes se esconde a notícia”. E que vai ter grandes novidades em breve, parabéns Edu!
O Chiroque, lá do Peru, militante eterno da causa da educação, que conheci aqui em Sampa, quando menina. Arkan, na França, escritor e professor, amigo também de tantas estradas.
O Gregório Macedo, fino amigo do Piauí, ligado nas artes gráficas. O poeta Eric Ponty, lá de São João Del Rey, militante da métrica em tempos não tão precisos. Jô Fevereiro, mestre do traço, colega de colégio, olha só, nosso Cedom de eternas saudades. E o De cara no muro, do Alf, sempre com dicas de coisas boas. Alf, que tenta me convencer que o Mal venceu...
Ah, e o Pictura Pixel, do Claudio Versiani, grande fotógrafo do mundo, lá na adorável Barcelona?
São alguns , esses que linko aí abaixo, que visito sempre. E sem esquecer do seu Cloaca News, que atingiu hoje 1 milhão de acessos (!!!), com a importante e necessária missão de “desmascarar a máfia midiática que infesta nosso país”.
Amigos virtuais ou não, são todos velhos amigos.
Pedrão Martinelli tem uma seção no seu blog chamada “Esses anjos da guarda”, em que nos mostra rostos dos brasileiros. Acho que serve bem para o que sinto em relação ao convívio com os (as) queridos (as) amigos (as) aqui desta Babel. Amigos, o sal da Terra. E da Torre.
Sim, eu sou uma sentimental.
quarta-feira, fevereiro 17, 2010
Guitarra y vos
Que viva la ciencia,Que viva la poesia!Que viva siento mi lenguaCuando tu lengua está sobre la lengua mía!El agua esta en el barro,El barro en el ladrillo,El ladrillo está en la paredY en la pared tu fotografia.
Es cierto que no hay arte sin emoción,Y que no hay precisión sin artesania.Como tampoco hay guitarras sin tecnología.Tecnología del nylon para las primas,Tecnología del metal para el clavijero.La prensa, la gubia y el barniz:Las herramientas de un carpintero.
El cantautor y su computadora,El pastor y su afeitadora,El despertador que ya está anunciando la aurora,Y en el telescopio se demora la última estrella.La maquina la hace el hombre...Y es lo que el hombre hace con ella.
El arado, la rueda, el molino,La mesa en que apoyo el vaso de vino,Las curvas de la montaña rusa,La semicorchea y hasta la semifusa,El té, los ordenadores y los espejos,Los lentes para ver de cerca y de lejos,La cucha del perro, la mantequilla,La yerba, el mate y la bombilla.
Estás conmigo,Estamos cantando a la sombra de nuestra parra.Una canción que dice que uno sólo conserva lo que no amarra.Y sin tenerte, te tengo a vos y tengo a mi guitarra.
Hay tantas cosasYo sólo preciso dos:Mi guitarra y vosMi guitarra y vos.
Hay cines,Hay trenes,Hay cacerolas,Hay fórmulas hasta para describir la espiral de una caracola,Hay más: hay tráfico,Créditos,Cláusulas,Salas vip,Hay cápsulas hipnóticas y tomografias computarizadas,Hay condiciones para la constitución de una sociedad limitada,Hay biberones y hay obúses,Hay tabúes,Hay besos,Hay hambre y hay sobrepeso,Hay curas de sueño y tisanas,Hay drogas de diseño y perros adictos a las drogas en las aduanas.
Hay manos capaces de fabricar herramientasCon las que se hacen máquinas para hacer ordenadoresQue a su vez diseñan máquinas que hacen herramientasPara que las use la mano.
Hay escritas infinitas palabras:Zen, gol, bang, rap, Dios, fin...
Hay tantas cosasYo sólo preciso dos:Mi guitarra y vosMi guitarra y vos.
A risada do bispo Tutu
terça-feira, fevereiro 16, 2010
Mestre Ono
Leio que o mestre está com 84 anos. Assisti,depois, a algumas apresentações de Aikidô no Bunkyo, na Liberdade.Não é nada do que se está acostumado a ver em artes marciais orientais comercializadas por aí. É muito mais.
Mestres como este, sejam de que linhagem e /ou filosofia forem, são sempre sorridentes. Têm a alegria de viver.
domingo, fevereiro 14, 2010
É Lira da Vila, outra vez, mas com Kassab no pé
Os blocos de São Paulo estão voltando, e o Lira da Vila está aí, há dois anos, na Vila Buarque. Ponto de reunião, Bar do Raí, esquina da General Jardim com Dr .Vila Nova, na Vila Buarque. Uma vez por mês, o Lira promove, no buteco, uma apresentação de música popular. Até Paulo Vanzolini já esteve por lá.
sábado, fevereiro 13, 2010
sexta-feira, fevereiro 12, 2010
É hoje e amanhã
Pessoal,
Fantasias arrumadas,
Camisetas passadas,
Marchinhas ensaiadas,
Chamados os pais, avós, filhos e netos,
Avisados os vizinhos e os amigos,
Ou nada disso!
Venham e
Tragam toda a alegria e cordialidade que puderem!
Dias: 12 e 13 de fevereiro
Concentração: a partir da 17h
Saída: às 19h
Local: Lanchonete Amélia (bar do Raí)
Rua Dr. Vila Nova, 86,
Esquina com a Rua General Jardim
Vila Buarque
São Paulo
quinta-feira, fevereiro 11, 2010
quarta-feira, fevereiro 10, 2010
Não deu no jornal:TV Brasil responde a Serra
Nenhum outro reporter perguntou, talvez nao considerassem notícia.
Serra preferiu comentar sobre seu encontro com Madonna no carnaval.
A emissora respondeu.
terça-feira, fevereiro 09, 2010
Periferia Luta, Parque Cocaia, São Paulo
Periferia Luta from cocaialuta on Vimeo.
Na periferia de São Paulo, diversas comunidades sofrem os abusos promovidos pelo Estado e grandes empresas. O vídeo denuncia situações trágicas e mostra a luta nessas quebradas. Por Vozes da Trincheira, Centro de Mídia Independente e Passa Palavra
Moradores alagados são atacados com gás pimenta pela polícia em SP
Cerca de 230 moradores de bairros da Zona Leste de São Paulo foram atingidos, hoje, por gás pimenta, lançado por policiais militares, na frente da sede da prefeitura, centro de São Paulo. Os moradores protestavam pela falta de medidas contra os dois meses de alagamento. Eles reivindicavam moradias e uma solução para as inundações. O Jardim Romano, por exemplo, está alagado desde dezembro de 2009.
A recepção é a mesma que o governo Maluf dava aos movimentos populares.
segunda-feira, fevereiro 08, 2010
Legal alien in New York
"I dont drink coffee, I take tea my dear"
(Poesia minha meio antiga)
Coração torto
O meu nome não é brasileiro
e o desespero tão profundo
sequer transparece na face
A minha raça é estrangeira
e o que me comove pode ser
mais forte do que o que me move
Eu reverencio a estranheza
domingo, fevereiro 07, 2010
Tinhorão, 82 anos
sábado, fevereiro 06, 2010
Sábado na Pinacoteca:Antonio Candido homenageia amigo
Retrospectiva Desenho de Mão, de Arnaldo Pedroso d'Horta (1914-1973) , com curadoria de sua filha Vera d’Horta. São 118 obras, entre gravuras, ilustrações, pinturas e documentos pessoais. Jornalista e crítico de arte, encontrou seu caminho desenhando, no conjunto Esqueletos de Animais, anatomias de insetos e aves, embora não tivesse formação de zoólogo.
Daí que ele conheceu o zoólogoo e sambista Paulo Vanzolini, e até viajou de barco com ele lá pelo Pará.
Recebeu o prêmio de Melhor Desenhista Nacional na 2a Bienal de São Paulo, em 1954. No mesmo ano, foi também o primeiro brasileiro a ser premiado na Bienal de Veneza.
Hoje, na abertura da expô, reuniram-se Antonio Candido, Vera, Renina Katz, o maravilhoso multimidia portugês Fernando Lemos, -pintor, poeta, fotógrafo, desenhista- e o pintor pernambucano José Claudio da Silva numa mesa-redonda, após um documentário sobre Arnaldo, do qual participaram.
O professor Candido lembrou de quando militaram juntos na fundação do Partido Socialista, em SP. Na época, quem não era do Partidão era considerado trotsquista, " e esse era um grande xingamento", disse. "As pessoas achavam que trotsquista era sinonimo de ladrão, etc". Eles nunca foram trotsquistas, aliás.
Que Arnaldo era muito calado, sério, bom organizador, mas às vezes muito mal humorado, e o partido era pequeno, mas tinha grande repercussão. Que o jornalista e artista era acima de tudo um homem íntegro.
"Não entendo de arte, portanto nao vou falar , apenas que uma vez ele me presenteou com um retrato meu de que gosto muito, a barba preta, parece um luto" Realmente é um belissimo retrato.
Mas integridade era a marca desses amigos, juntos pela vida: Candido, Paulo Emilio Sales Gomes, Decio de Almeida Prado, entre outros, que participaram - Candido criou, Decio dirigiu- do Suplemento Literário do Estadão, desde 1956, um paradigma dos cadernos culturais, sobre o qual falo no meu livro aí do lado.
Arnaldo Pedroso D'Horta era um dos refinados ilustradores. Fiz um capitulo só para eles, Aldemir Martins, Renina Katz, Odilea Toscano, Rita Rosenmayer, Di, Portinari, tantos...
Lembraram muitas historias, rimos muito e especialmente com o pernambucano que nao parava de falar.Vanzolini , sentadinho, falou pouco.
Mas disse que um dia Arnaldo comentou algo sobre uma música de Capoeira, que Vanzolini nao tinha nenhuma, e no dia seguinte o cientista/compositor mostrou:
Capoeira do Arnaldo. Sabiam disso?
O pernambucano contou que, na viagem de pesquisa de barco para o Pará, na época da guerrillha do Araguaia, eles eram sempre barrados. Começaram a ser vigiados por um policial chamado Felizardo. Um dia, Vanzolini perguntou: "Seu Felizardo , é verdade que o senhor durante muito tempo matou um homem por dia?"
"Ainda não consegui me livrar desse vício", respondeu.
Esqueci de dizer que o professor Candido abriu assim:"Falo de um tempo e de uma cidade que não existem mais".
(Meu coração chora, porque a minha também já não reconheço, só em dias assim,luminosos,tão raros.)
Não percam Arnaldo Pedroso d'Horta, muito linda exposição.
sexta-feira, fevereiro 05, 2010
quinta-feira, fevereiro 04, 2010
Meneghetti, o gato dos telhados, por Mouzar Benedito
Livro novo do grande Mouzar Benedito saindo do forno: Meneghetti
o gato dos telhados. Na nova obra Mouzar, grande contador de causos, apresenta as peripécias de Gino Amleto Meneghetti, um dos mais encantadores gatunos da desvairada.
(*Pisa, 1 de julho de 1878 — +São Paulo, 23 de maio de 1976, morreu com 98 anos!)
Trecho:
Meneghetti era isso: uma lenda, até então viva. Seu nome virou sinônimo de ladrão em boa parte do Brasil. Na minha infância no sul de Minas, por exemplo, eu me lembro que, para xingar alguém de ladrão, chamava-se a pessoa de Meneghetti ou de Sete Dedos. Eram os ladrões mais famosos da história de São Paulo. Os dois chegaram a conviver na prisão, numa das passagens de Meneghetti. Sete Dedos era um mulato bem falante, que tinha mesmo apenas sete dedos. Era famoso também. Mas aqui na Pauliceia, embora Meneghetti e Sete Dedos fossem sinônimos de ladrão, os dois xingamentos tinham sentidos diferentes. Chamar alguém de Sete Dedos equivalia a xingá-lo de ladrão. Mas de Meneghetti era diferente. Era ladrão, mas não um ladrão ruim. Era esperto, humano, adepto da não violência, anarquista, contestador da sociedade capitalista, da burguesia e da aristocracia... Enfim, um herói popular. Um sujeito que fazia com a burguesia o que muita gente tinha vontade de fazer: roubá-la e gozá-la. O mesmo em relação à polícia, que ele provocava pelos jornais. Era uma polícia violenta e extremamente preconceituosa contra imigrantes pobres, como a maioria dos italianos. Meneghetti, enfim, “era isso”, “era aquilo”... Parecia uma figura da literatura, resultado da imaginação de um escritor policial e incorporado ao imaginário popular.
quarta-feira, fevereiro 03, 2010
A melhor profissão do mundo, por García Márquez
"Não haviam sido instituídas as reuniões de pauta, mas às cinco da tarde, sem convocação oficial, todo mundo fazia uma pausa para descansar das tensões do dia e confluía num lugar qualquer da redação para tomar café. Era uma tertúlia aberta em que se discutiam a quente os temas de cada seção e se davam os toques finais na edição do dia seguinte. Os que não aprendiam naquelas cátedras ambulantes e apaixonadas de vinte e quatro horas diárias, ou os que se aborreciam de tanto falar da mesma coisa, era porque queriam ou acreditavam ser jornalistas, mas na realidade não o eram."
"O jornal cabia então em três grandes seções: notícias, crônicas e reportagens, e notas editoriais. A seção mais delicada e de grande prestígio era a editorial. O cargo mais desvalido era o de repórter, que tinha ao mesmo tempo a conotação de aprendiz e de ajudante de pedreiro. O tempo e a profissão mesma demonstraram que o sistema nervoso do jornalismo circula na realidade em sentido contrário. Dou fé: aos 19 anos, sendo o pior dos estudantes de direito, comecei minha carreira como redator de notas editoriais e fui subindo pouco a pouco e com muito trabalho pelos degraus das diferentes seções, até o nível máximo de repórter raso.
A prática da profissão, ela própria, impunha a necessidade de se formar uma base cultural, e o ambiente de trabalho se encarregava de incentivar essa formação. A leitura era um vício profissional. Os autodidatas costumam ser ávidos e rápidos, e os daquele tempo o fomos de sobra para seguir abrindo caminho na vida para a melhor profissão do mundo - como nós a chamávamos. Alberto Lleras Camargo, que foi sempre jornalista e duas vezes presidente da Colômbia, não tinha sequer o curso secundário.
A criação posterior de escolas de jornalismo foi uma reação escolástica contra o fato consumado de que o ofício carecia de respaldo acadêmico. Agora as escolas existem não apenas para a imprensa escrita como para todos os meios inventados e por inventar. Mas em sua expansão varreram até o nome humilde que o ofício teve desde suas origens no século XV, e que agora não é mais jornalismo, mas Ciências da Comunicação ou Comunicação Social.
O resultado não é, em geral, alentador. Os jovens que saem desiludidos das escolas, com a vida pela frente, parecem desvinculados da realidade e de seus problemas vitais, e um afã de protagonismo prima sobre a vocação e as aptidões naturais. E em especial sobre as duas condições mais importantes: a criatividade e a prática.
Em sua maioria, os formados chegam com deficiências flagrantes, têm graves problemas de gramática e ortografia, e dificuldades para uma compreensão reflexiva dos textos. Alguns se gabam de poder ler de trás para frente um documento secreto no gabinete de um ministro, de gravar diálogos fortuitos sem prevenir o interlocutor, ou de usar como notícia uma conversa que de antemão se combinara confidencial.
Leia mais
terça-feira, fevereiro 02, 2010
Dois de fevereiro, dia de Iemanjá, Odó Iyá !
Do meu amigo Jorge, jornalista e editor que viveu em Portugal:
Beth,
É de um poeta português muito conhecido, que escreveu o poema depois de ter tido uns problemas cardíacos. Ele não conhecia nada do sincretismo brasileiro, e ficou espantado depois que a Maria Bethânia gravou o poema.
Se não estou errado, é de 1998.
Mas lê só para veres como é belíssimo, não foi no dia 2 de fevereiro, mas todo dia é dia de poesia.
*Senhora das Tempestades* _de Manuel Alegre
Senhora das tempestades e dos mistérios originais
quando tu chegas a terra treme do lado esquerdo
trazes o terramoto a assombração as conjunções fatais
e as vozes negras da noite Senhora do meu espanto e do meu medo.
Senhora das marés vivas e das praias batidas pelo vento
há uma lua do avesso quando chegas
crepúsculos carregados de presságios e o lamento
dos que morrem nos naufrágios Senhora das vozes negras.
Senhora do vento norte com teu manto de sal e espuma
nasce uma estrela cadente de chegares
e há um poema escrito em página nenhuma
quando caminhas sobre as águas Senhora dos sete mares.
Conjugação de fogo e luz e no entanto eclipse
trazes a linha magnética da minha vida Senhora da minha morte
teu nome escreve-se na areia e é uma palavra que só Deus disse
quando tu chegas começa a música Senhora do vento norte.
Escreverei para ti o poema mais triste
Senhora dos cabelos de alga onde se escondem as divindades
quando me tocas há um país que não existe
e um anjo poisa-me nos ombros Senhora das Tempestades.
Senhora do sol do sul com que me cegas
a terra toda treme nos meus músculos
consonância dissonância Senhoras das vozes negras
coroada de todos os crepúsculos.
Senhora da vida que passa e do sentido trágico
do rio das vogais Senhora da litúrgia
sibilação das consoantes com seu absurdo mágico
de que não fica senão a breve música.
Senhora do poema e da oculta fórmula da escrita
alquimia de sons Senhora do vento norte
que trazes a palavra nunca dita
Senhora da minha vida Senhora da minha morte.
Senhora dos pés de cabra e dos parágrafos proibidos
que te disfarças de metáfora e de soprar marítimo
Senhora que me dóis em todos os sentidos
como um ritmo só ritmo como um ritmo.
Batem as sílabas da noite na oclusão das coronárias
Senhora da circulação que mata e ressuscita
trazes o mar a chuva as procelárias
batem as sílabas da noite e és tu a voz que dita.
Batem os sons os signos os sinais
trazes a festa e a despedida Senhora dos instantes
fica o sentido trágico do rio das vogais
o mágico passar das consoantes.
Senhora nua deitada sobre o branco
com tua rosa-dos-ventos e teu cruzeiro do sul
nascem faunos com tridentes no teu flanco
Senhora de branco deitada no azul.
Senhora das águas transbordantes no cais de súbito vazio
Senhora dos navegantes com teu astrolábio e tua errância
teu rosto de sereia à proa de um navio
tudo em ti é partida tudo em ti é distância.
Senhora da hora solitária do entardecer
ninguém sabe se chegas como graça ou como estigma
onde tu moras começa o acontecer
tudo em ti é surpresa Senhora do grande enigma.
Tudo em ti é perder Senhora quantas vezes
Setembro te levou para as metrópoles excessivas
batem as sílabas do tempo no rolar dos meses
tudo em ti é retorno Senhora das marés vivas.
Senhora do vento com teu cavalo cor de acaso
tua ternura e teu chicote sobre a tristeza e a agonia
galopas no meu sangue com teu cateter chamado Pégaso
e vais de vaso em vaso Senhora da arritmia.
Tudo em ti é magia e tensão extrema
Senhora dos teoremas e dos relâmpagos marinhos
batem as sílabas da noite no coração do poema
Senhora das tempestades e dos líquidos caminhos.
Tudo em ti é milagre Senhora da energia
quando tu chegas a terra treme e dançam as divindades
batem as sílabas da noite e tudo é uma alquimia
ao som do nome que só Deus sabe Senhoras das tempestades.
(Senhora das tempestades, Publicações Dom Quixote,Lisboa, 1998 P. 25.
Manuel Alegre,1936. Manuel de Melo Duarte Alegre nasceu em 1936 em Águeda. Estudou na Faculdade de Direito de Coimbra onde fundou o CITAC (Centro de Iniciação Teatral da Academia de Coimbra) e participou no TEUC (Teatro de Estudantes da Universidade de Coimbra). Voz inconformada e inconformista destacou-se em vários géneros literários mas é na poesia que o seu nome é bem conhecido.
Bengaladas bem dadas
No filme Tomates verdes fritos, a maravilhosa atriz passa pelo mesmo problema. Duas garotas dizem que ela é velha e entram no supermercado. Ela diz: "mas o meu seguro é maior do que o de vocês.Towandaaaaa"!
E bate várias vezes no carro das peruas.
"Aconteceu há alguns dias: estava saindo da vaga de idosos de um shopping de São Paulo quando um carro estacionou numa vaga de deficientes e dele sairam dois alegres jovens de cerca de 17 ou 18 anos. Parei perto e perguntei se não tinham vergonha de ocupar vagas de deficientes. Um deles riu na minha cara depois de me chamar de velha, acrescentando adjetivos impróprios para publicação. Não esperei para reagir. Saí do meu carro com a minha bengala - estou usando bengala provisoriamente, enquanto me refaço de uma cirurgia para colocação de prótese no joelho - e dei uma bengalada no que estava mais próximo de mim, enquanto o outro fugia. Refeita do aborrecimento, com o coração saindo pela boca de tanta raiva - o que certamente faz mal aos meus 78 anos! -, comecei a pensar e desejaria repartir minhas reflexões com os leitores do Estadão. Rapazes como esses - que ocupam vagas de deficientes físicos e xingam uma velhinha indefesa (reconheço que nem tanto, afinal, eu tinha a minha bengala...), certamente, se eleitos para qualquer cargo - vereador, deputado, senador ou presidente -, farão exatamente aquilo que temos visto: receberão gordos pacotes de dinheiro sem sequer se levantarem do sofá, enfiarão dinheiro na cueca, no bolso, na bolsa, nas meias, e tudo com a maior naturalidade do mundo! É de pequeno que se torce o pepino. Se a educação não começa em casa, dentro da família, não é mais tarde - lá na Assembleia ou no Congresso - que irão se corrigir. Farão o que aprenderam - ou o que não aprenderam - em casa. Só há um caminho certo para o combate à corrupção e à safadeza e esse começa numa educaçãozinha básica em casa, com introdução de valores éticos e cívicos. Como não é isso que tem acontecido neste país, preparemo-nos para uma desgraça total. Quase ninguém educa os filhos como deveria. São preparados para vencer a todo custo, doa a quem doer. O negócio é tentar enricar. Há casos até em que os filhos são elogiados pelos pais como verdadeiros "Ronaldinhos". Dá no que dá. Finalmente, acho que não vou mais abandonar minha bengala, mesmo quando a prótese não me exigir isso. Se essa gentinha não recebe educação em casa, certamente receberá minhas bengaladas. Neste caso acertei no ombro, da próxima vez prometo acertar na cabeça."
Regina Helena de Paiva Ramos