sexta-feira, janeiro 09, 2009

A árvore que chove

O Parque da Água Branca é um lugar incrível nesta São Paulo. Lá eu vou quase diariamente caminhar, há anos.

Na entrada, esses dias de sol, de muito calor, reparei, ao passar debaixo da enorme, bela árvore de Pau Ferro (Caesalpinia Ferrea), que ela chovia. Isso mesmo.

Só ela chovia.

Daí perguntei para o seu Manoel, dono da barraquinha de doces logo depois dela: “Mas o que é que está acontecendo aqui?”.

Ele me explicou que:

um prédio, daqueles de 5 suítes, suíte master, estilo neoclássico e o escambau, ali do lado, faz um tempinho desviou as fontes de água do parque. Primeiro secou um lago que dá para a av.Francisco Matarazzo, entraram com processo na Justiça, não sei o que deu.

Consertado esse laguinho, a coisa descambou no outro com peixes ornamentais e cada bagre enorme. Chamado Lago Preto.

Esse eu vi fim do ano, as águas baixando, e eu pensei que estavam limpando.

Agora está cercado para reforma.

Bom, mas contou o seu Manoel que essa água que escapou do Lago Preto naturalmente foi pra algum lugar, desceu por baixo da terra e chegou até a árvore de Pau Ferro.

“Essa árvore não aceita água na raiz, então ela chupa e devolve lá de cima. Eu sei porque sou de Alagoas, e uma vez lá plantaram eucalipto- outra arvore que não pode com água na raiz- nas margens do rio São Francisco. Então o rio foi baixando...”

Diz mais o seu Manoel: que chamaram um biólogo no parque e ele disse que era um fungo na árvore. Fungo nada, e eu acredito mais é no alagoano. Diz que a raiz é imensa.

E agora?

Sei que há uma movimentação de reformas no Parque, tubos e conexões, deve ser relativa a esse problema.

E até quando o Pau Ferro vai chover seu Manoel? Ele acredita que mais uns três ou quatro meses, até a água secar.

O Pau Ferro deve ter uns 15 metros de altura, é planta terapêutica, o caule é usado para problemas gástricos, a casca para curar asma e bronquite.

Pois é, nem as árvores podem ter sossego nessa cidade cheia de prédios neoclássicos com cinco quartos de 2m x 2 m e vista para o Parque.



No jornal baiano A Tarde


Receita de um vencedor

Simone Ribeiro

Jornalista e editora-coordenadora de conteúdos semanais de A TARDE

6/12/2008


Se todos fossem iguais a você também poderia ser o título do estudo que a pesquisadora Elizabeth Lorenzotti lançou no ano passado, pela Imprensa Oficial, resgatando a história do extinto suplemento literário do jornal O Estado de São Paulo. Suplemento literário. Que falta ele faz!, o nome como foi publicado, conta as origens daquele que talvez seja o avô dos últimos sobreviventes do gênero no País - motivo suficiente para leitura tanto de quem faz quanto de quem os consome. Mas existe um outro: os 90 anos de Antonio Candido. O decano da crítica literária foi a pessoa encarregada de criar o projeto editorial do caderno, que circulou entre 1956 e 1974.

O "plano" de edição, reproduzido na íntegra - em letras que, para os mais velhos, vão fazer "ressuscitar" o ruído de uma máquina de datilografar - é, sem medo de errar, uma das melhores coisas do livro. Didático, denso e minucioso, ele não se perde numa linguagem erudita e deixa claro que a proposta é se dirigir tanto ao leitor comum quanto ao culto. Sem distinções. Ali é possível conhecer desde a sua estrutura até os níveis de remuneração dos colaboradores. No anexo, mais uma aula de quem entendia do riscado, com as especificações de cada seção, sugestão para os quatro primeiros números e perspectivas de desenvolvimento.

Em nenhum momento, as orientações de Antonio Candido soam impositivas ou avessas às forças que cercam uma redação de jornal e uma empresa privada de linha conservadora, mesmo em se tratando de um produto fronteiriço com a arte.

Vale lembrar que foi a crítica do professor da USP e militante socialista, feita ao diretor Julio de Mesquita Filho, à edição comemorativa dos 400 anos da Cidade de São Paulo, o estopim do suplemento literário do jornal O Estado de São Paulo. Era o começo de uma guinada no jornalismo cultural brasileiro.



CRÍTICAS - Excesso de publicidade, páginas inteiras de anúncios com uma parte menor reservada à colaboração, foram alguns dos defeitos que Antonio Candido viu e não gostou. O desafio estava lançado, e o mestre foi convidado a bolar um impresso melhor. No dia 6 de outubro de 1956, a edição inaugural do suplemento literário chegava às bancas. Na capa, um perfil longilíneo de mulher nua, assinado por Karl Plattner. Uma diagramação ousada, sem dúvida, afinal, ilustração rivalizando com o texto, sempre soberano, era algo impensável.

Candido criou, mas foi o crítico teatral e professor Décio de Almeida Prado quem, durante dez anos (de 1956 a 1966), cuidou de semanalmente colocar o suplemento na rua. Como editor gráfico, foi escolhido o italiano Ítalo Bianchi. Paulo Emílio Salles Gomes era o homem que falava de cinema; Lourival Gomes Machado e Sábato Magaldi ficaram, respectivamente, com as áreas de artes plásticas e teatro. Candido e Wilson Martins abocanharam a literatura.

O lançamento de Grande sertão: veredas, de Guimarães Rosa, pela livraria e editora José Olympio; a vinda dos filósofos Jean-Paul Sartre e Simone de Beauvoir ao Brasil; a genialidade de Charles Chaplin; e os 40 anos da Semana de Arte Moderna foram alguns dos temas importantes que o suplemento abordou em edições especiais. Críticas ao teatro de Dias Gomes, José Celso Martinez e Nelson Rodrigues, comentários de filmes, obras de música erudita e popular e até um caderno especial dedicado à Bossa Nova, em 1966, também ajudaram a escrever essa história.

A híbrida constelação a que o suplemento abriu suas portas diz muito do sucesso que alcançou. Os poetas concretos encontraram abrigo em suas páginas tanto quanto os poetas ligados à tradição. Em 30 de julho de 1966, já famoso como artista de festivais, Chico Buarque publicava nele o primeiro conto: Ulisses. O mesmo vale ser dito sobre os pintores e desenhistas: um mosaico de tendências. Manuel Bandeira, Carlos Drummond de Andrade, Sérgio Buarque de Holanda, Portinari, Aldemir Martins, Frans Krajcberg, Marcelo Grassmann, Renina Katz, Hansen Bahia, dentre outros, formavam o glorioso time de colaboradores. A confortável situação de independência de que desfrutava perante a direção do jornal - para propor temas e articulistas - e perante a publicidade foi outro trunfo.

Reconhecer semelhanças com o que ainda hoje se pratica em matéria de cadernos culturais no País não é mera coincidência. O suplemento de O Estado de São Paulo, como assinala a pesquisadora Elizabeth Lorenzotti logo na introdução, serviu de modelo a todos os seus congêneres. Em três palavras - crítica, análise e reflexão - poderia-se resumir o objetivo da publicação. Sua despedida, como era de se prever, veio com a adoção de uma maneira de se fazer jornalismo mais frenética e imediatista, incompatível com aqueles velhos tempos, fortemente influenciada pela imprensa norte-americana, e com os novos ventos que sopravam no Brasil e no mundo.

Com Suplemento literário, que falta ele faz!, a pesquisadora Elizabeth Lorenzotti propõe tanto um olhar para o passado quanto para o futuro do jornalismo cultural. Afinal, qual o lugar da crítica, hoje, na imprensa brasileira? Como despertar o público para ler, ver ou ouvir uma obra sem a necessária provocação intelectual? "O espaço de debate nos jornais ficou menor", afirmou Décio de Almeida Prado, em entrevista à revista Veja, em 1997, e não há como negá-lo.