terça-feira, agosto 24, 2010

A carta de Lúcio Flávio Pinto aos blogueiros

Do Vi o Mundo

O jornalista Lúcio Flávio Pinto, de Belém (PA), é ganhador dos principais prêmios de Jornalismo no Brasil. É um exemplo de ética, coragem, competência e dignidade para todos nós que atuamos na imprensa.
Por falar a verdade contra os poderosos do Pará, responde a vários processos. Desde que eles começaram, Lúcio Flávio procurou oito escritórios de advocacia de Belém. Nenhum aceitou defendê-lo.
A sua participação estava prevista no 1º Encontro Nacional de Blogueiros Progressistas. No entanto, não pode comparecer, pois na segunda-feira teve de apresentar agravo a um dos processos.
Para representá-lo, veio o filho Angelim Pinto. Em nome de Lúcio Flávio, leu esta mensagem aos participantes do encontro. Palmas da plateia interromperam-na várias vezes (Conceição Lemes).
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Muito me orgulho de ser amiga do Lúcio Flávio.(Elizabeth)

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A Carta

Caros amigos blogueiros. Sinto-me muito honrado pelo convite, que devo ao Azenha e à Conceição Lemes, para participar deste encontro. É uma iniciativa generosa e gentil para com um analfabeto digital, como eu. Garanto que sou capaz de ligar e desligar um computador, de enviar e receber mensagens. Não garanto nada a partir daí.
Como, então, estou aqui? Sou – digamos assim – um blogueiro avant la léttre. Não podendo ser um tigre, posto que sou Pinto, fui precursor na condição de blogueiro de papel – e no papel. Às vezes, por necessidade, também um tigre in fólios – e nada mais do que isso.
Em 1987, eu tinha 38 anos de idade e 22 de profissão e me vi diante de um dilema.
Numa vertente, a carreira profissional bem assentada em O Estado de S. Paulo, então com 16 anos de “casa”, e também no grupo Liberal, a maior corporação de comunicação do norte do país, no qual tinha 14 anos, com um rompimento pelo meio, quando tentaram me censurar, logo superado pelo restabelecimento da minha liberdade de expressão.
Na outra vertente, uma matéria pronta, importante, mas que não encontrava quem a quisesse publicar. Era o desvendamento do assassinato do ex-deputado estadual Paulo Fonteles, por morte de encomenda, executada na área metropolitana de Belém, o primeiro crime político em muitos anos na capital do Pará. O Estadão publicara todas as matérias que eu escrevera até então sobre o tema. Mas aquela, que arrematava três meses de dedicação quase exclusiva ao assunto, era, segundo o editor, longa demais.
Já O Liberal a considerava impublicável porque ela apontava como envolvidos ou coniventes com a organização criminosa alguns dos homens mais poderosos da terra, dois deles listados entre os mais ricos. Eram importantes anunciantes. Ao invés de me submeter, decidi ir em frente.
Aí, há 23 anos nascia o Jornal Pessoal, sem anunciantes, feito unicamente por mim, assemelhando-se aos blogs de hoje. Um blog impresso no papel, que exerceu na plenitude o direito de proclamar a verdade, sobretudo as mais incômodas aos poderosos.
Em janeiro de 2005, depois de muitas ameaças por conta desse compromisso, fui espancado por Ronaldo Maiorana, um dos donos do grupo do grupo Liberal, que na época era simplesmente o presidente da comissão em defesa da liberdade de imprensa da OAB do Pará. Eu estava almoçando ao lado de amigos em restaurante situado num parque público de Belém, quando agressor me atacou pelas costas, contando com a cobertura de dois policiais militares, que usava – e continua a usar – como seus seguranças particulares.
Qual a causa da brutalidade? Um artigo que publiquei dias antes sobre o império de comunicação do agressor. O texto não continha inverdades, não era ofensivo, nem invadia a privacidade dos personagens. Mas desagradava aos senhores da comunicação. Embora tendo a emissora de televisão de maior audiência do Estado, afiliada à Rede Globo, o jornal que ainda era o líder do segmento (já não é mais) e estações de rádio, não usaram seus veículos para me contraditar ou mesmo atacar com o produto que constitui seu negócio, a informação.
O que resultou dessa agressão? Da minha parte, a comunicação do fato à polícia, que enquadrou o criminoso na forma da lei. Mas o agressor fez acordo com o Ministério Público do Estado, entregou cestas básicas a instituições de caridade (uma delas ligada à família Maiorana) e permaneceu solto, com sua primariedade criminal intacta. Já o agressor, com a cumplicidade do irmão mais velho e mais poderoso, ajuizou contra mim 14 ações na justiça, nove delas penais, com base na Lei de Imprensa da ditadura militar, e cinco de indenização.
O objetivo era óbvio: inverter os pólos, fazendo-me passar da condição de vítima para a de réu. Em quatro das ações eu era acusado de ofender os irmãos e sua empresa por ter dito que fui espancado, quando, segundo eles, eu fui “apenas” agredido. Mais um dentre vários absurdos aviltantes, aos quais a justiça paraense se tem prestado – e não apenas aos Maiorana, já que me condenou por ter chamado de pirata fundiário o maior grileiro de terras do Pará e do universo, condição provada pela própria justiça, que demitiu por justa causa todos os funcionários do cartório imobiliário de Altamira, onde a fraude foi consumada, colocando ao alcance do grileiro pretensão sobre “apenas” cinco milhões de hectares.
Os poderosos, que tanto se incomodam com o que publico no Jornal Pessoal, descobriram a maneira de me atingir com eficiência. Já tentaram me desqualificar, já me ameaçaram de morte, já saíram para o debate público e não me abateram nem interromperam a trajetória do meu jornal. Porque em todos os momentos provei a verdade do que escrevi. Todos sabem que só publico o que posso provar. Com documentos, de preferência oficiais ou corporativos. Nunca fui desmentido sobre fatos, o essencial dos temas, inclusive quando os abordo pioneiramente, ou como o único a registrá-los. Não temo a divergência e a contradita. Desde então, os Maiorana já me processaram 19 vezes.
Nenhuma das sentenças que me foram impostas transitou em julgado porque tenho recorrido de todas elas e respondido a todas as movimentações processuais, sem perder prazo, sem deixar passar o recurso cabível, reagindo com peças substanciais. O que significa um trabalho enorme, profundamente desgastante.
Desde 1992, quando a família Maiorana propôs a primeira ação, procurei oito escritórios de advocacia de Belém. Nenhum aceitou. Os motivos apresentados foram vários, mas a razão verdadeira uma só: eles tinham medo de desagradar os poderosos Maiorana. Não queriam entrar no seu índex. Pretendiam continuar a brilhar em suas colunas sociais, merecer seus afagos e ficar à distância da sua eventual vendetta. Contei apenas com dois amigos, que se sucederam na minha defesa até o limite de suas resistências, de um tio, que morreu no exercício do meu patrocínio, e, agora, com uma prima, filha dele.
Apesar de tantas decisões contrárias, ainda sustento minha primariedade. Logo, não posso ser colocado atrás das grades, objeto maior do emprenho dos meus perseguidores. Eles recorrem ao seu cinto de mil utilidades para me isolar e me enfraquecer.
Não posso contar nem mesmo com o compromisso da Ordem dos Advogados do Brasil. Seu atual presidente nacional, o paraense Ophir Cavalcante Júnior, quando presidente estadual da entidade, firmou o entendimento de que sou perseguido e agredido não por exercer a liberdade de imprensa, o direito de dizer o que sei e o que penso, mas por “rixa familiar”.
No entanto, dos sete filhos de Romulo Maiorana, criador do império de comunicações, só três me atacam, com palavras e punhos. Dos meus sete irmãos, só eu estou na arena. Nunca falei da vida privada dos Maiorana. Só me refiro aos que, na família, têm atuação pública. E o que me interessa é o que fazem para a sociedade, inclusive no usufruto de concessão pública de canal de televisão e rádio. E fazem muito mal a ela, como tenho mostrado – e eles nunca contraditam.
Crêem que, me matando em vida, proibindo qualquer referência a mim e meus parentes, e silenciando sobre tudo que fazem contra mim na permissiva e conivente justiça local, a história dessa iniqüidade jamais será escrita porque o que não está nos seus veículos de comunicação não está no mundo. Não chegaria ao mundo porque o controlam, a ponto tal que tem sido vão meu esforço de fazer a Unesco, que tem parceria com a Associação Nacional de Jornais, incluir meu caso na relação nacional de violação da liberdade de imprensa.
O argumento? Não se trata de liberdade de imprensa e sim de “rixa familiar”. O grupo Liberal, por mera coincidência, é um dos seis financiadores do portal Unesco/ANJ.
Após os Maiorana, o dilúvio. A maior glória do Jornal Pessoal é nunca ter sido derrotado no terreno que importa à história: o da verdade. Enquanto for possível, as páginas do Jornal Pessoal continuarão a ser preenchidas com o que o jornalismo é capaz de apurar e divulgar, mesmo que, como um Prometeu de papel, o seu ventre seja todo extirpado pelos abutres.
Eles são fortes, mas, olhando em torno, vejo que há mais gente do outro lado, gente que escreve o que pensa, apura sobre o que vai escrever e não depende de ninguém para se expressar, mesmo em condição de solidão, de individualidade, como os blogueiros, que hoje, generosamente, me acolhem nesta cidade que fiz minha e que tanto amo, como se estivesse na minha querida Amazônia.
Para ir ao Jornal Pessoal, clique aqui

Sobre o I Encontro dos Blogueiros Progressistas

Por Luiz Carlos Azenha

A Conceição Oliveira, do Maria Frô, definiu bem: os blogueiros mais velhos devem ensinar aos mais novos como fazer política; e os mais novos devem ensinar tecnologia aos mais velhos. Foi a respeito de um momento que considero simbólico no debate final do Encontro Nacional de Blogueiros, quando aqueles que queriam incluir a palavra “mídia colaborativa” na carta foram derrotados pela grande maioria. Perderam duas vezes, por não terem conseguido explicar o que queriam dizer com isso. Talvez não tenham tido tempo de fazê-lo. Vou tentar explicar esse distanciamento entre as gerações, que ficou evidente.
Quando leio os portais da grande mídia e mesmo quando leio a Carta Maior, a Caros Amigos e a CartaCapital na internet (as três com conteúdo editorial excelente), percebo que todos estão ainda na internet do século 20. Na internet 1.0. Na internet verticalizada , em que os editores decidem e os leitores lêem. Sim, há caixas de comentários. E há espaço para os leitores se manifestarem, enviando fotos e informações, em alguns portais. Mas esses espaços ainda refletem, acima de tudo, a transposição da lógica da velha mídia para o espaço virtual. O leitor está ali, mas ainda é tratado como se fosse hierarquicamente inferior aos jornalistas, aos editores e aos especialistas.
Para não cometer uma injustiça, noto o excelente blog do Emir, do professor Emir Sader, que foi ao encontro dos blogueiros; e as mudanças que Celso Marcondes fez, melhorando muito o site da CartaCapital.
Noto, também, que a lógica da velha mídia é reproduzida por muitos blogueiros. Aliás, ela fazia sentido quando a internet começou a se transformar em um espaço para furar o bloqueio dos barões da mídia. Muitos blogueiros se tornaram, eles próprios, micro-barões da mídia, com poder de veto sobre os comentários e a condução da linha editorial do espaço. Fazia sentido, quando não existiam ainda as ferramentas da internet 2.0, da chamada mídia colaborativa ou horizontalizada.
Quais são essas ferramentas? O twitter e o formspring, os microblogs que permitem a você trocar informações com outros internautas; as redes sociais como o facebook e o orkut, em que você se integra a uma comunidade de internautas; e ferramentas como o twitpic, a twitcam e o ustream, que permitem a você enviar e receber imagens de internautas e transmitir vídeo ao vivo enquanto interage com os leitores. Há dezenas de outras, essas são apenas as mais conhecidas.
O que significam essas ferramentas? Basicamente, interação.
Qual a consequência do uso delas por um blogueiro, seja jornalista ou não? Fica implícito que ele desce do pedestal, se iguala aos leitores, passa a ser apenas o coordenador do espaço, que na verdade é tocado pelos interesses dos leitores e comentaristas.
A longo prazo, seria o fim do jornalismo industrial. Seria, não, será. Talvez eu não viva para testemunhar isso, mas o papel tradicional da mídia, assim chamada por pretender fazer a mediação entre os diversos atores sociais, receberá um estaca no coração cravada pela “mídia colaborativa”.
As razões para isso residem no fato de que há uma infinidade de leitores muito mais qualificados do que eu ou qualquer blogueiro para escrever sobre engenharia, medicina e informática. Para fazer humor ou opinar sobre política. Para tratar de questões éticas ou legais. E essas pessoas começam a participar da blogosfera, criando seus próprios espaços ou comentando nos já existentes.
Como demonstrei no Encontro Nacional de Blogueiros, onde apresentei a minha “mala de ferramentas” (câmeras, gravadores, cabos de conexão etc.), quando quero carrego comigo uma emissora de rádio, de TV e um jornal. Quanto Assis Chateaubriand gastou para formar seu império? E o Roberto Marinho? Guardadas as devidas proporções, as novas tecnologias de informação permitem a um blogueiro ter seu mini-império informativo com um investimento total de menos de 5 mil reais.
Qual é a diferença essencial entre ele, blogueiro, e o jornalista que trabalha em uma corporação? A liberdade para falar e escrever o que quiser, desde que se submeta de maneira elegante à chuva de críticas de seus próprios leitores, quando for o caso. Sim, porque os leitores deixam de ser apenas receptores de informação. Eles opinam, criticam, acrescentam e anunciam na caixa de comentários. Funcionam como abelhas em um processo de polinização. Trazem sugestões de textos, insights e informações que muitas vezes se transformam em posts, ou seja, os leitores se tornam co-responsáveis pelo espaço.
É justamente por isso que, como notou o Rodrigo Vianna, do Escrevinhador, talvez o foco do Segundo Encontro Nacional de Blogueiros deva ser na troca de informações entre os blogueiros sobre essas novas tecnologias. Fizemos alguns painéis que tiraram o fôlego do público, tantas eram as novidades sobre as quais falamos.
Já antevejo o passo seguinte: esses blogueiros, futuramente, poderão ser os professores dessas tecnologias em seus bairros, em escolas técnicas ou junto aos movimentos sociais.
Essas tecnologias, obviamente, são politicamente neutras, mas devem ser apropriadas para que um número cada vez maior de brasileiros possa produzir conteúdo informativo e participar direta e ativamente do trabalho de aprofundamento de nossa nascente democracia.