segunda-feira, maio 21, 2007

O Profeta e os tempos negros



En exibição imperdivel o documentário de Leopoldo Nunes e Reinaldo Volpato, O Profeta das Águas, no Pop Cine
Sala Maria Antonia
Rua Maria Antonia, 283
11. 3211.0069 www.popcine.org.br
Sessões de terça a domingo
16:00h, 18:00h, 20:00h, 22:00h

Sinopse

Um lugar: a cidade de Rubinéia, fronteira de São Paulo com Mato Grosso do Sul e Minas Gerais. Um tempo: os anos de chumbo da ditadura militar. Uma situação: a construção da hidrelétrica de Ilha Solteira, a maior do país, e a conseqüente expulsão da população local. Uma personagem emblemática: Aparecido Galdino Jacinto, o "Profeta das Águas", um líder religioso que em 1970 criou o Exército da Força Divina para impedir a construção da hidrelétrica, salvando o rio Paraná.

Forças militares reprimiram os fiéis com violência brutal. Os camponeses foram presos e torturados e o "Profeta das Águas" foi trazido para São Paulo pelas mãos do delegado Sérgio Paranhos Fleury, um dos mais notórios torturadores.

Iniciado em 1986, o documentário resgata a história desse personagem que ficou detido junto com os presos políticos no Dops e no DOI-Codi e depois foi internado no manicômio de Franco da Rocha. Hoje, Aparecido Galdino tem 80 anos de idade e continua a benzer quem o procura.

O Profeta das Águas, o filme, é também uma reflexão sobre a cultura do messianismo no interior do Brasil e a política repressiva no governo militar.


A realização começou em 1986 e foi concluída em finais de 2005. É uma produção da Taus, em co-produção com a TV Cultura e com a STV.O filme é creative commons com suporte final em digital e estará em breve disponível na internet .

Entrevista com o diretor Leopoldo Nunes


1. Como vc entrou em contato com o tema "O Profeta das Águas"?

Tudo se passa na minha cidade, Santa Fé do Sul, e em Rubinéia, que era um distrito, na margem esquerda do rio Paraná, em São Paulo, na divisa com Mato Grosso do Sul e com Minas Gerais. Eu cresci ouvindo relatos sobre Seu Aparecido, o Aparecidão, que encontrava-se preso no manicômio Judiciário de Franco da Rocha. Ele foi libertado em 1979, quinze dias antes da Anistia, e voltou para Santa Fé do Sul, com um emprego de jardineiro que conseguiu na prefeitura. Interessei-me por cinema no início da década de 1980, e quando decidi filmar, voltei às minhas raízes para conhecer esta história. Visitei Aparecido Galdino Jacintho pela primeira vez em 1985, no canteiro de mudas da prefeitura. Fiquei fascinado com o Profeta, sua pregação e sua história. Seu discurso era sagrado, humano e político ao mesmo tempo. Ele havia criado um exército de fiéis, o Exército da Força Divina, com farda e missão: pregar a palavra sagrada, combater os infiéis e impedir a construção da barragem de Ilha Solteira, que represaria o rio Paraná. Dizia que "tanto os homens como os peixes têm o direito de subir e descer o rio. O homem não tem permissão para interferir na obra divina". E comecei a gravá-lo, conhecer e registrar personagens, pesquisar em São Paulo e Franco da Rocha. Foram 19 anos de um lento trabalho.


2. Quais os principais assuntos abordados pelo filme?

A fé e a política são os eixos temáticos do filme, juntos com a psiquiatria repressiva e com a questão ambiental. Ilha Solteira foi construída para produzir 45% da energia do país. Em menos de 30 anos seu potencial representa menos de 1%. Vale a pena matar um rio? Tudo se passa no auge da repressão da ditadura militar, em contraste com o sonho do Brasil Grande, onde a questão energética é central, assim como a ocupação do Oeste. A luta pela terra, seu valor para quem nela trabalha, a questão da propriedade e da posse, eram questões de fundo, que deveriam ser reprimidas na raiz. A história acontece numa região onde a fronteira agrícola havia acabado de passar. Estou me referindo ao chão firme, a 700 kilômetros do litoral, no fundo de três estados, onde a justiça custou a chegar. Para a ditadura era necessário reprimir os fiéis exemplarmente, como se fossem troféu. É um filme sobre o povo brasileiro, seu abandono e sua resistência.


3. Por quê a opção estética pela oralidade, no filme? Quem são as pessoas que falam?

Não há registros da casa de culto do Seu Aparecido, do local onde ele recebia e tratava as pessoas. Existem relatos de que aos finais de semana ele e seus fiéis recebiam cerca de 800 pessoas, entre doentes, familiares e gente em busca de paz de espírito. Só existe documentação a partir do momento da sua prisão. No entanto, a maioria das pessoas encontra-se viva, inclusive ele. Seus seguidores, as testemunhas, os policiais que participaram da repressão, os jornalistas que acompanharam sua trajetória, colegas de prisão, advogados, enfim, um grande número de pessoas que viveu parte da história, e coube a mim juntar os cacos para construir a narrativa. Logo vi que tinha um extrato muito sofisticado de um Brasil quase perdido, na sintaxe, no modo caipira de falar, e na história, já que essas pessoas/personagens encontram-se na casa dos setenta anos. Eu não poderia fazer este filme se não fosse com as próprias pessoas que conheci. Decidi fazer um documentário relatado pelos próprios personagens, construído com uma estrutura de roteiro rigorosa, como uma ficção. Eu sabia, por ter feito anos de pesquisa, os papéis que cada um havia desempenhado e como entraria no filme.


4. Seu filme está chegando ao público através de um cinema de rua, digital, alternativo. O que significa isso?

Meu filme é registrado no creative commons, tem licença livre. Pra mim lançá-lo no Popcine, um cineclube, é a forma mais coerente com o seu propósito: pertencer às pessoas. Após este lançamento, iremos disponibilizá-lo na internet. Ele não possui cópia em película, apesar de boa parte ter sido captada em celulóide. Possui apenas matriz em vídeo digital. O cineclubismo está ressurgindo a partir de um acervo digitalizado ou produzido em digital, com o suporte DVD. Portando estou inscrevendo uma obra dentro de um novo paradigma, com licença livre e circuito digital. É opção dos autores. Queremos que o filme seja apropriado pelo movimento cineclubista, nas escolas, nas ruas, em todos os lugares. Disponibilizaremos cartazes, imagens, folders e informações na Internet, para facilitar o trabalho de programação. Quem sabe se ele não será uma obra importante no futuro?


5. Vc, como diretor, já participou de vários debates sobre o filme. O quê tem chamado a atenção das pessoas?

Fizemos uma sessão histórica no Cineclube ABD&C, no Rio de Janeiro, que funciona na Casa de Rui Barbosa. Foi organizada pelo Conselho Regional de Psicologia. Havia mais de 400 pessoas, principalmente servidores da saúde mental, psicólogos, psiquiatras, alunos de psicologia, professores e militantes da Luta Antimanicomial. O Aparecido Galdino foi um preso político, enquadrado na Lei de Segurança Nacional, que cumpriu pena em um manicômio judiciário. É um caso exemplar do uso da psiquiatria como repressão política durante a ditadura militar. Outra sessão histórica foi em Curitiba, durante um Encontro do MAB, o Movimento dos Atingidos por Barragem. Eu e o Reinaldo Volpato apresentamos e debatemos o filme com cerca de 1.000 pessoas, que identificaram nele o início da luta dos atingidos por barragem. E tem sido exibido em diversos eventos e festivais de cinema pelo país e no exterior.


6. Quais festivais o filme já participou e ganhou prêmios?

O filme ganhou o prêmio "Melhor Filme com o Tema Água" no 5º ECOCINE – Festival Internacional de Cinema Ambiental. Ganhou também o prêmio de "Melhor Longa Metragem" no 8º Festival Internacional de Cinema Ambiental de Goiás Velho, o FICA. E ainda 4 prêmios no Festival de Pacoti, no Ceará, entre eles o de Melhor Filme e o prêmio de público.


7. Vc já fez "O Profeta das Cores" e "O Profeta das Águas". Qual seu próximo projeto?

Os dois profetas conviveram durante sete anos no Manicômio de Franco da Rocha. O Profeta das Cores se inspirou no Profeta que conheceu no manicômio, o Aparecido Galdino, para criar seu nome artístico. Eu, por acaso, encontrei-me com os dois no caminho. E, em ambos os casos, fui atraído para realizar filmes. Talvez meu próximo filme seja também um documentário, sobre uma banda cover dos Beatles, formada apenas por japoneses, filhos de colonos da minha região. A banda chamava-se Gemini V.