Orquestra do Quisisana Hotel, anos 50.
Meu pai é o careca magrinho, ao fundo, à direita. Sentado com as crianças, o grande ator Procópio Ferreira.
Meu pai e seus irmãos nasceram com a veia artística, herdada da italianada e da aculturação com o Brasil brasileiro, terra de samba e pandeiro. Oswaldo Lorenzotti, meu pai, tocava violão, compunha e cantava lindamente na rádio Cultura de Poços de Caldas (MG) e como crooner da Orquestra do Quisisana Hotel nos anos 50. Meu tio Emilio, em Varginha, na mocidade, tinha uma padaria e.....uma orquestra de padeiros. Eu os imagino todo santo dia encerrando o expediente e partindo pra música! Que lindo isso devia ser.
Zé Alberto, meu primo, também nasceu tocando : sanfona, violão, e era um ás da Jovem Guarda no interior de Minas.
Outro primo, Juemil, era professor,formou gerações em Poços de Caldas, e todo santo domingo colocava a partitura e tocava na sanfona tudo o que podíamos suportar ...
Filhos, primos, tias, tios, cantarolamos sempre pela vida. Estou falando dessa minha família musical depois de rever, banhada em lágrimas, o documentário de Win Wenders sobre o Buena Vista Social Club. A pesquisa do grande guitarrista Ry Cooder, que conseguiu reunir a velha guarda, a Vieja Trueba cubana, lançá-los ao mundo das celebrities depois de 70, 80, 90 anos de idade- além , é claro, do belo filme de Win Wenders- e ao menos desfrutarem do sucesso merecidissimo:Compay Segundo já tinha 90 e viveu mais 5: Ibrahim Ferrer tinhas 70 e poucos. Estão vivos Omara Portuondo e Eliade Ochoa.
Os velhos músicos maravilhosos cubanos estavam no desvio há anos. Ferrer conta que, desiludido, pensava em desistir. Até que foi encontrado por Coder, que viu nele uma espécie de Nat King Cole cubano.Mais ou menos o que aconteceu aqui com o Tomzé, que também foi redescoberto por um americano.
Tudo o que não aconteceu com meu pai, com meu primo Zé Alberto,que tiveram de desistir da música pra sobreviver. Não tem coisa mais triste que ver talentos assim podados. Meu pai virou funcionário de escritório, e durante muitos anos tocava violão e cantava sozinho, nas manhãs de domingo, em casa.Às vezes eu o acompanhava ocando...maracas.
Zé Alberto, que mora em Alfenas (MG) tem um pequeno comércio com a mulher e acaba de gravar um CD caseiro com as músicas preferidas pelo pessoal que freqüenta churrascarias...Seus olhos brilham quando fala nos seus tempos, nas suas canções e hoje, talvez, quem sabe, na possibilidade de cantar em algum lugar bom....
Lembrei muito deles em Havana, e ao rever este filme. Artistas populares, gente que aprendeu a tocar sozinha, de ouvido, e que amava isso. Povos musicais, temos isso em comum. Esse brilho nos olhos é o mesmo que vi no Ferrer, no Compay, na Omara, no baterista, no trompetista maravilhoso.
E nos olhos do Ry Cooder e de seu filho Joachim, jovem percussionista encantado com seus mestres cubanos.
Uns anônimos, outros por sorte, içados ao estrelato.Cooder diz que faz discos há mais de 35 anos e nunca sabe do que o público vai gostar. Sorte, talento, oportunidade, tudo isso junto e mais alguma coisa?