O programa humorístico CQC, da TV Bandeirantes, exibiu em 31 de novembro uma peça sobre a pré-estréia do filme Lula, o filho do Brasil em São Bernardo do Campo (SP). Um dos “homens de preto”, Oscar Filho, (na foto, o segundo a partir da direita) apresentado no site do programa como ator e humorista, pergunta a dois espectadores se eles conhecem Lula.
--Não só conhecemos como estivemos presos com ele, responderam.
--Ah é? E na cadeia, quem fazia a mulherzinha? Pergunta o solerte ator desempenhando o papel de repórter.
Entre os jornalistas, acotovelados, esperando uma brecha para entrevistar o presidente, pergunta a um câmera, apontando para o que parece ser uma persiana: “Você está louco para o Lula por a cabecinha, né?”
Na segunda-feira após a semana em que a Folha de S. Paulo havia publicado artigo de Cesar Benjamin denunciando um não comprovado ato de assédio sexual de Lula a um preso, é sintomática a pauta do programa na pré-estréia do filme sobre a vida do presidente.
Na mesa, Rafinha Bastos, ao lado do apresentador e responsável pelo programa, Marcelo Tas, e de Marco Luque, comenta algo a respeito de uma matéria com estudantes bebendo no bar, entrevistados sobre a prova do Enem, com questões alusivas ao governo, consideradas propaganda e que estão sendo julgadas nas instâncias do MEC. Cito de memória:
“Eles estão enchendo a cara, seguindo o exemplo do presidente”.
Não só o CQC usa o humor para caluniar. Jornalões da imprensa escrita contam com caricaturistas e cartunistas executando o mesmo serviço sujo. Pois é admissível, por exemplo, que se retrate o presidente lendo um jornal de cabeça para baixo, com um copo de bebida ao lado, e borbulhas saindo de sua boca?
Há um abismo de diferenças entre a irreverência inteligente e a má intenção declarada, o preconceito. Irreverente era o personagem criado por Tas nos anos 80, Ernesto Varela, enfrentando com humor e picardia políticos como Paulo Maluf. Hoje, Tas é mais um dos que engrossam o coro dos descontentes com Lula- o que é um direito inalienável. Claro, democracia é assim. Está lançando até um livro com frases do presidente. No dia 23 de novembro ele comentou no blog:
Nunca Antes na História Deste País , meu livrinho que comenta a epopéia do "cumpanhero" Lula em forma de frases e novas profissões assumidas pelo ex-metalúrgico no poder, entrou esta semana na lista dos 10 livros mais vendidos da revista Veja. Está na quarta posição (veja o top 10 acima), exatamente à frente de um livro sobre canções de Chico Buarque, da biografia de Erasmo Carlos e do livro de Ana Maria Braga.
(Bem, a lista dos dez mais de Veja não é exatamente objetiva, como se pode verificar na denúncia do jornalista Luis Nassif , dentro de seu Dossiê Veja, sobre a seção Os mais vendidos: http://luis.nassif.googlepages.com/osmaisvendidos)
Criticar é ótimo, só não é democrática a crítica que não parte da discordância política, mas do viés de classe. A falta de um dedo, perdido em acidente de trabalho braçal, a falta de educação formal, a origem proletária são indesculpáveis neste presidente, mesmo reconhecido internacionalmente, mesmo com alta popularidade.
Uma trajetória que só tem a orgulhar o país, mesmo aos que discordam politicamente. Um da senzala chegar ao poder é inadmissível para os da casa grande. Até aí, entende-se. Entretanto, também para os que nem a habitam,nem habitarão, mas desejam...
Muitas intervenções do programa são engraçadas, inteligentes. Mas o resto não escapa do estereótipo esclerosado do que se entende por humor na televisão: agressão e preconceito. E, como se apresenta também como um resumo das notícias, sofre do pior defeito do jornalismo, a manipulação.
Pesquisando sobre o programa, deparei com um artigo de um repórter policial do grupo Globo, Jorge Antonio de Barros, a quem não conheço. Em agosto deste ano repercutiu na internet o vídeo “O dia da caça” que o repórter tentou fazer com um dos homens de preto, Rafael Bastos, colocado no youtube, que acabou removido do site do Google devido "à reivindicação de direitos autorais da Rafinha Productions”.
Bastos não gostou nada da entrevista nos mesmos moldes em que atua o CQC e o vídeo foi censurado, depois recolocado no youtube por outro usuário e atualmente é exibido no Yahoo. Ninguém entendeu a censura por direitos autorais, já que o vídeo foi feito por um repórter e editado por ele.
Em seu blog, Marcelo Tas, afirma: “A combinação de jornalismo com humor é muito poderosa."
É verdade. E em alguns casos, quando o humor é mal intencionado, e o jornalismo manipulador, muito perigosa, como neste, em que se contribui para engrossar um caldo de cultura que despolitiza a política, tentando tornar “cômica” a explicitação de preconceitos.
O vídeo censurado chama-se O Dia da Caça: