terça-feira, junho 17, 2008

O sentido das coisas

(A Zona a Vida e a Morte)

Wesley Duke Lee é um dos maiores artistas contemporâneos. Eu o entrevistei anos atrás e ficamos mais de três horas conversando sobre tudo -- arte, politica, Brasil, inconsciente, Index, etc.-- aqui não tem coffee break, ele disse....... Apaixonante, polêmico, brilhantissimo, grande talento.

A entrevista foi para um catálogo do Tide Hellmeister, numa exposição, e ele pediu pra entrevistar vários amigos artistas.

Ano passado, com a edição do livro sobre o Suplemento Literario, nossas vidas se cruzaram novamente, ele foi um dos autores que ilustraram o Suplemento nos anos 60 e pedi para meu amigo Argeu ir lá buscar a autorização de reprodução com ele.

Argeu não estranhou nada.

Ontem, por acaso, leio que saiu numa Veja SP uma matéria sobre ele. Fui atrás e descobri esse texto da jornalista que o fez, Gisele Kato, no seu blog.

Não pude crer quando ela diz que ele está com Alzheimer avançado.
E me lembrei imediatamente : na sua casa/estúdio em Santo Amaro ( o único artista que sempre morou lá nesse bairro tão sem glamour e nunca mudou: tem raízes) , anos atrás, havia uma mesa cheia de pequenos objetos , que nunca foram limpos- para mostrar a passagem do tempo, ele me disse.
Havia também um mural com muitas fotos, e ele disse que eram para ajudar a lembrar....
Grande Wesley Duke Lee.

O texto de Gisele Kato:

"Foi ele quem protagonizou, em 1963, o primeiro happenning na cidade. Pregou seus desenhos nas paredes do antigo João Sebastião Bar, na Vila Buarque. Colocou música alta, jogou penas coloridas pelo ar e distribuiu lanternas para que as pessoas pudessem observar melhor suas obras. Conseguiu reunir tanta gente que baixou até polícia por lá. Mas ele não se importou. Só assim conseguiu divulgar um trabalho considerado obsceno pelas galerias um tanto caretas da época.Wesley Duke Lee sacudiu o circuito das artes plásticas ao longo de uma carreira de 50 anos. Questionador, polêmico e sedutor, ele esteve sempre um pouco na contramão do sistema, o que, talvez, explique o silêncio da crítica e do mercado com relação à sua trajetória. Wesley não se mexeu segundo as regras de ninguém. Inventou seu próprio jogo. O amigo Nelson Leirner, que com ele chegou a fundar em 1966 a Rex Gallery, me disse: "Ele encarnou o "duque" do nome".O Duke agora sofre de Mal de Alzheimer em estágio avançado. Eu fui à sua casa, na avenida João Dias, numa manhã recente. Ele pouco fala. Alterna momentos de lucidez com outros em que se sente perdido entre as próprias coisas. Dois gatinhos lhe fazem companhia. Meu objetivo era tentar conversar sobre a última série de pinturas feita pelo artista, intitulada O Filiarcado, de 1999. As telas estão agora expostas na galeria Ricardo Camargo.Desliguei o gravador logo que entrei. Não conseguiria um depoimento. Mas poderia aproveitar a visita para observar o máximo possível. Wesley morou em Santo Amaro desde sempre. Cada canto do endereço parece sussurrar uma história ou incorpora de fato sua personalidade. Há, por exemplo, um macaco de pelúcia pendurado no lustre da sala. Sobre as mesas, espalha-se uma quantidade sem fim de pequenos objetos, troféus, bibelôs, peças de playmobil, pincéis, tintas, bonequinhos de plástico.Lá sempre funcionou como ateliê também. A iluminação se dá com refletores de teatro. O pé direito alto acolhe peças de arte grandes. Dele e de amigos. Num cabide, os vários chapéus denunciam o estilo de se vestir do dono. Wesley adorava passear pela cidade em seu carro MP conversível. Baixava a capota e mostrava cada dia um chapéu diferente. Hoje é Claudio Tozzi quem mantém o tal automóvel 76 na garagem, pintado inclusive com um tom de verde inglês sugerido pelo antigo proprietário.Conceição, a enfermeira que cuida de Wesley, explica que até o começo do ano ele dormia num tatame. Pode-se mesmo ver muitas referências japonesas pela casa. Lembro então que o primeiro gesto de reconhecimento que ele teve como artista veio justamente do Japão - um prêmio na Bienal de Tóquio de 1965. No jardim, um lago com carpas completa o clima zen.Não fiquei muito por lá. O tempo de um café. Na saída, ele me pediu um abraço. Acho que sem saber direito quem eu era. Entrei no carro com a certeza de que deixava para trás um momento especial. Desses que só acontecem muito de vez em quando. E que têm o poder de nos recordar do sentido das coisas."


Wesley Duke Lee. Ricardo Camargo Galeria. Rua Frei Galvão, 121, Jardim Paulistano, 3031-3879. Segunda a sexta, 10h às 19h; sábado, 10h às 14h. Até 14de junho.