sexta-feira, agosto 17, 2007

Rio, 40





A escada que vai dar no Cantagalo
O consolo aos deprimidos. Calçadões.
A praia especial para os cachorros.
A esmola fácil ao falso mendigo.
A orientação das pedras, as pulseiras.
Os estrangeiros. Tapetes vermelhos.
As alças dos vagões sujos da Central.
As quinze facadas. As ciclovias
ao pôr do sol. Peixe à belle méunière.
Os bares da barra. Pizza em pedaços.
Os sons ainda distantes do carnaval.
Os solenes rituais do cotidiano.
A carta e a carteira. o farol e o sinal.
Os velhos casarios. A graça de Deus.
O templo nos altos de Santa Tereza.
O estorvo e o trevo do arcado poeta.
A elegância delgada do sambista.
A algaravia. O sol na tua cabeça.
As manchetes nos quiosques de revistas.
Os invólucros dos corpos. As barcaças.
Os olhares esgarçados das meninas.
O negro gato enroscado sob a mesa.
A estrela na porta. A tua presença.
Os tiros na madrugada. As risadas.
A tornozeleira indiana, as cartas.
As padarias que não vendem cigarros.
Os matadores. A visão do templário.
Os bolos sempre embatumados dos bares.
O chute na pedra. O homem da espada.
O tratado de métrica abandonado.
Os primitivos à venda numa praça.
As marcas dos trilhos de bondes extintos.
O sol nas barracas de Copacabana.
As finas paredes dos apartamentos.
A folia incessante sob os trópicos.
A roda da fortuna, as linhas das mãos.
As impávidas causas. Multidumbres.
A sinistra cegueira. A alma antiga
dessas mulheres. Os desencontros.
A thing of beauty is a joy forever

Um jornalista como poucos

Morreu ontem um dos melhores jornalistas do país, aos 89.
Ninguém melhor do que Joel Silveira para retratar o momento presente, de "cansadinhos" na Praça da Sé.
Ele que descreveu a elite paulistana na grande reportagem "A milésima segunda noite da Avenida Paulista", em 1943, e tantas outras pérolas. Imagino o que sua pena faria com dórias, madames, advogados corporativos, CEO revoltado...
Trabalhando para o Diário da Noite, de Chateaubriand, que tinha rixas com o conde Matarazzo, acabou reportando o casamento de um casal de seus operários, na periferia, no mesmo dia em que se casava a filha do conde.
Em outra reportagem sobre o high society lê-se:
"Comento com Fifi a vida mundana de São Paulo, e ela me diz na sua vozinha:
-Está adorável!Nunca tivemos uma vida social tão intensa.
É que os motores das fábricas estão trabalhando muito.Já não há horas vagas nos domínios dos Matarazzo e dos Crespi. Os enormes portões da Moóca não se fecham: expulsam, de manhã cedo, uma turma de gente cansada e cinzenta, engolem mais gente que se cansará durante o dia. Os relatórios, sempre exatos, nos contam coisas muito importantes. Dizem, por exemplo, que os lucros de Matarazzo no ano passado foram de 700 milhões de cruzeiros. É muito dinheiro e com ele os Matarazzo podem fazer grandes e belas coisas. Algum dia (quem sabe?) Matarazzo fará um refeitório ventilado e claro para seus operários. Fará também uma maternidade para as mulheres dos operários, não uma maternidade elegante e cara, a melhor da América do Sul, como aquela que ergueu lá para os lados da Avenida 9 de Julho; apenas uma maternidade sóbria, mas que seja de graça".
Algumas das melhores reportagens de Joel estão em "A milésima segunda noite na Avenida Paulista", Companhia das Letras, 2003.