Do site Cronópios
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6/10/2008 17:09:00
Que falta ele faz!
Por Branca Ferrari Há 52 anos, em outubro de 1956, nascia o Suplemento Literário do jornal “O Estado de S. Paulo”, um dos projetos mais ousados já desenvolvidos no país em prol da literatura e da arte. Entre seus criadores e realizadores estavam intelectuais do porte de Antonio Candido, Décio de Almeida Prado, Wilson Martins, Paulo Emílio Salles. Entre os colaboradores, Carlos Drummond de Andrade, João Cabral de Melo Netto, Mario Pedrosa, Sérgio Buarque de Holanda, Lêdo Ivo. O resgate histórico desta experiência cultural inigualável foi feito pela jornalista Elizabeth Lorenzotti em seu livro “Suplemento Literário – Que falta ele faz!”, lançado pela Imprensa Oficial do Estado de São Paulo. Com a acuidade do bom jornalista, a autora percorre a extraordinária trajetória do Suplemento Literário, desde sua concepção e desenvolvimento ao seu desaparecimento, recheando-a com entrevistas feitas com muitos dos personagens que participaram deste projeto. “O Suplemento nascia com a natureza artística”, diz Lorenzotti, mantendo absoluta independência e autonomia em relação à direção de redação do jornal diário. E durante sua existência jamais abandonaria a meta traçada por seus criadores, o de ser uma espécie de revista de cultura, livre de preconceitos literários e artísticos. O farto material pesquisado pela autora comprova isso. O único critério exigido para aparecer no Suplemento era a qualidade literária e artística das obras. Não havia preconceito em relação ao novo, “maldito”, ou engajado politicamente. Suas páginas seriam abertas a bons poetas e escritores, consagrados ou novos no mercado. Ali seriam publicados, ao lado de Drummond, Bandeira, Vinicius, Murilo Mendes, Osman Lins, Guimarães Rosa, jovens como Lygia Fagundes Telles, Dalton Trevisan, João Antônio, Delmiro Gonçalves, Thiago de Mello, Geir Campos, Jamil Haddad e concretistas como os irmãos Campos e Décio Pignatari numa época em que eram vistos como uma espécie de moleques irresponsáveis. Elizabeth resgatou alguns textos surpreendentes do Suplemento para o leitor de seu livro. Entre eles, um conto inédito de Guimarães Rosa, “Fita Verde no Cabelo”; uma original ficção de Lêdo Ivo sobre Rimbaud em visita à biblioteca municipal de Charleville, “O Consulente Indesejável”; um conto inédito de 1966, “Ulisses”, de nosso grande compositor, cantor e agora escritor, Chico Buarque de Holanda. Chama a atenção, também, para o lamento de Wilson Martins e de Edgard Cavalheiro sobre o panorama literário da época. Dizia entre outras coisas o primeiro: “... porque se há pouco papel, existem ainda menos leitores; só é leitor, pelo menos no Brasil, os que foram realmente mordidos pelo vício da leitura; a expansão do livro em públicos mais largos, além de continuar no terreno das coisas ideais, não pode ser paga pelo preço ruinoso representado por uma queda no nível das obras editadas...”. Já o segundo observava: ...“não é fácil, por exemplo, para o autor nacional ainda inédito encontrar quem lhe publique as primícias poéticas; livros de contos ou ensaios só excepcionalmente são editados...”. Cinqüenta anos passados e com todo o extraordinário progresso tecnológico assimilado, o quadro literário do país lamentavelmente não mudou muito. “Suplemento Literário – Que falta ele faz!”, de Elizabeth Lorenzotti, é um dos livros indispensáveis para os que se preocupam com a produção cultural brasileira. Ele não só provoca reflexão sobre a ousadia deste projeto como sobre a ausência em nossa época de alguma coisa semelhante para estimular e fazer avançar a literatura e arte em nossos dias.
Branca Ferrari é jornalista com passagens por jornais da capital como o Estado, Diário do Comércio; por revistas especializadas da Ed. Abril e da área médica; por editoras (Marco Zero, Best Seller, Azul, Canudos), onde atuou em projetos especiais, preparação de texto, tradução; por assessorias de imprensa; pela Rádio 9 de Julho na produção de programa sobre Direitos Humanos. Atualmente desenvolve projetos pessoais. E-mail: brferrari@uol.com.br |