Recebi de um amigo essa incrível memória da grande cantora paulistana do Brás- e com sotaque- Isaura Garcia ( com S mesmo, saiu o nome da pobre errado no próprio disco:
"Uma história engraçada (um pouco forte, não recomendada aos mais pudicos) que ilustra a vida da lendária Isaurinha Garcia. Contada por Hermínio Bello de Carvalho em "Sessão Passatempo" (Relume Dumará). "Tinha comemorado bodas de prata de separação do único marido oficial, o tecladista Walter Wanderley: cuecas prum lado e camisolas pro outro há 25 anos, e ela, ainda assim, inconsolável. Dele, lembranças inapagáveis: as porradas, os discos e a filha que fizeram juntos, as separações motivadas por uma ciumeira descomunal, o sexo destemperado a qualquer hora do dia (gabava-lhe o instrumento fálico, de proporções inusitadas, e cuja rigidez ela atribuía aos poderes afrodisíacos da carne seca com jerimum, especialidade que, para lembrar suas origens nordestinas, ela sempre providenciava nostalgicamente à mesa), duas tentativas de suicídio, ela sozinha largada na vida e apegada a um conhaque miserável que lhe corroía a voz e, ao mesmo tempo, a fazia parecer cada vez mais Giulietta Massina nascida no Brás. Quando subia ao palco, valha-me Deus, liquidificava nossos corações com seu estilo único, que a Elis me confessou adorar. Eis que ouço a notícia da morte súbita de Walter nos Estados Unidos, onde instalara suas neuras e a indiscutível genialidade e de onde também, segundo ela, telefonava de vez em quando rogando de joelhos a reconciliação. Consolá-la, como? (Luíz Sérgio Bilheri Nogueira lembra do dia em que lhe fugiu um de seus gatos, ela conversando e a toda hora fazendo miau, indo até o bueiro da rua miando que nem desesperada, ficando de quatro, a bunda apontada pro céu, "vem cá, seu gato filho da puta, que a mamãe está sofrendo.") Lembro também de Isaura hospedada em minha casa, da uma hora corrida de choro convulso pela manhã, pranto cronometrado e infalível, eu afagando seus cabelos louros, ouvindo-a monocordicamente declarar que queria morrer, que iria se suicidar, que isso e aquilo. Amava o puto, como o amava! Dizia jamais querê-lo de volta, iria escalpelá-lo se aparecesse de repente. E agora? Me encorajo e telefono pra ela: "Warte morreu, nego", Isaura chora desbragadamente, digo as coisas convencionais de sempre, do tipo "ele descansou" (mas pensando na esbórnia que já deveria estar preparando no bar lá de cima), que ela se acalmasse, tudo ia passar etc. e tal, e ela se comporta como viúva, deve estar de negro do sutiã à calcinha rendada e, claro, de óculos escuros (que tantas vezes usou para camuflar os hematomas que ele lhe causou). Ah, que o amava tanto, que se arrependia de não tê-lo recebido de volta, que isso e aquilo, mas sobretudo: - Ah, Hermínio, ele tinha uma piroca tão bonita"