terça-feira, fevereiro 12, 2008

Um suplemento literário

JB ONLINE

[ 26/01/2008 ] 02:01


Elizabeth Lorenzotti. Suplemento literário: que falta ele faz!. Do artístico ao jornalístico: vida e morte de um caderno cultural. São Paulo: Imprensa Oficial, 2007.)

Criado em 1956, o Suplemento Literário d´O Estado de S. Paulo singularizou-se desde logo pela rigorosa estruturação orgânica, meticulosamente planejada por Antonio Candido. O plano previa o rodapé de crítica literária, a cargo de quem escreve estas mal traçadas linhas, mais um número variável de resenhas, de cujos autores se esperavam artigos curtos, tratando dos livros como críticos "em que haja uma certa informação sobre o conteúdo e uma análise crítica brevemente traçada".

Além do rodapé, o núcleo intelectual seria reservado às letras estrangeiras, às nacionais, as dos estados e à literatura brasileira. Quanto às estrangeiras, haveria duas partes: um artigo crítico de 3 a 4 laudas em média e uma série de pequenas notas informativas as mesmas observações aplicando-se às letras dos estados. Inovação importante referia-se à literatura brasileira: "O Diretor deverá combinar com os escritores constantes da lista os temas de seus artigos, podendo inclusive sugeri-los. Os artigos podem ir do tipo crítico-apreciativo ao tipo erudito-informativo, contanto que sejam de natureza a despertar interesse pela nossa literatura passada".

No que se refere às literaturas estrangeiras os 16 ou 17 sábados do ano seriam preenchidos da seguinte maneira: 4 com literatura alemã; 3 com a portuguesa; 2 com a argentina e a mexicana, mais um alternadamente com a espanhola, síria-libanesa, israelita, russa, suiça e japonesa. Assim, o Suplemento determinava superar o paroquialismo e o localismo, reunindo um plantel de colaboradores: para as letras francesas, Brito Broca; para as italianas, Lauro Escorel; para as argentinas, Norberto Frontini; para as portuguesas, Adolfo Casais Monteiro; para as alemãs, Anatol Rosenfeld, e assim por diante, lista preliminar modificada segundo as necessidades.

Para a literatura dos estados, previam-se convites a Osman Lins (Recife), Afonso Ávila (Belo Horizonte), Wilson Chagas (Porto Alegre) e assim por diante, enquanto para os artigos, diagamos, mais históricos ou eruditos sobre a literatura brasileira estavam previstos nomes como José Aderaldo Castelo, Antonio Soares Amora, Edgard Cavalheiro, Lúcia Miguel-Pereira, Augusto Meyer, Eduardo Frieiro, Moysés Velhinho e outros, sem prejuízo das desistências e de novos colaboradores que surgissem. O mesmo critério seria aplicado às resenhas (literatura, filosofia, sociologia, economia, etc..), ao setor artístico e à parte variável.

Plano apresentado como provisório, advertia o autor, não pretendendo ser rígido nem definitivo, mas que, "uma vez aceito, e enquanto não for modificado por este modo, as normas estabelecidas devem ser observadas, para ser possível um funcionamento satisfatório". O projeto estatuía ainda a independência "como organização e matéria, do jornal quotidiano, pautando-se por normas próprias, salvaguardados, naturalmente, os princípios gerais da Empresa". E ainda: "Empenhado em manter uma atmosfera de objetividade e largueza intelectual, rejeitará os preconceitos literários e artísticos bem como a formação de 'cliques'. Neste sentido, para evitar equívocos, não publicará resenhas e artigos sobre livros de diretores e redatores, tanto seus quanto do jornal" - regra aplicável ao autor do projeto que o organizou a convite dos diretores do jornal e expressamente aprovado por eles (Júlio de Mesquista Neto e Ruy Mesquita).

Dirigido por Décio de Almeida Prado e enquanto o dirigia, o Suplemento foi certamente o melhor de nossa imprensa. Os Mesquita, observa Antonio Candido, "sempre foram contra a esquerda", o que não os impedia, acrescento eu, de empregar numerosos redatores tidos por esquerdistas, além de convidarem o citado Candido, aprovando-lhe o projeto sem restrições. Eram, na minha estimativa, liberais republicanos pelo modelo clássico, aceitando divergências ideológicas, embora combatendo-as. Sabe-se que o "dr. Júlio", como era chamado Júlio de Mesquita Filho, conversou certa vez com Décio de Almeida Prado a respeito de um colaborador conhecido como comunista, recebendo esta resposta: "não sei se é comunista (...) mas é um grande crítico. Mas se o senhor achar necessário que ele não colabore mais, eu aceito e nesse caso apresento minha demissão". O incidente terminou aí.

Isso dava a idéia da grandeza de Julio Mesquita Filho ( palavra empregada por Antonio Candido), demonstrada em mais de uma circunstância.Com a saída de Décio de Almeida Prado, começou o declínio gradativo até o seu desaparecimento em 1974,