O jornal eletrônico gaúcho Sul21- é uma nova iniciativa com foco na "discussão sobre questões relevantes para o desenvolvimento da sociedade no Século 21, especialmente política e cultura, através de um olhar crítico e da resignificação das mídias tradicionais".
Tem colunistas e matérias interessantes e sempre dou um pulo lá. Hoje a manchete é sobre o trabalho da mulher na construção civil, e os preconceitos:
O presidente Luis Inácio Lula da Silva declarou esta semana: “a mulher pode fazer qualquer coisa que o homem faça". A afirmação ocorreu durante formatura de mais 1,5 beneficiados com o programa federal Próximo Passo, do qual 77% eram mulheres. O presidente referia-se no discurso às profissões de pedreiro, azulejista e outras tarefas que exigem força braçal.
Conheça a história da pedreira Cláudia Mendes, exemplo da capacidade das mulheres na área da Construção Civil, e as possibilidades que se abrem no setor.
Cinquenta quilos de argamassa roldana abaixo e 25 quilos nas costas, escada acima. E mais 44 pás de massa até a betoneira, dois blocos de concreto nos ombros e o forte sol do verão de 2008. As árduas tarefas fizeram parte da rotina da pedreira Cláudia Mendes durante três meses, quando foi contratada pela Prefeitura de Gravataí para construir uma das obras do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), daquela região."
Eu, que sempre fui uma militante feminista, fiquei pensando se realmente as mulheres podem fazer tudo o que os homens fazem, como disse o presidente.
"25 quilos nas costas, escada acima. E mais 44 pás de massa até a betoneira, dois blocos de concreto nos ombros e o forte sol do verão??"
Muitas mulheres têm bastante força, mas nunca teremos os mesmos músculos dos homens e a mesma estrutura física. Fiquei pensando no estrago que esse peso todo provocará nas colunas, nos delicados úteros e ovários.
Sim, eu sei, muitas mulheres pelo mundo estão sujeitas a trabalhos estafantes. Mas, no caso específico,realmente não sei se é realmente uma conquista o espaço na construção civil.
Vejam o que diz o diretor da empresa de engenharia Goldsztein Cyrela, Ricardo Sessegolo. Para ele, a contratação de mulheres é algo cada vez mais comum e faz parte de uma segunda mudança de paradigma na história do país. “Há 20 anos os canteiros de obras eram vistos como locais insalubres e sujos. Hoje eles são considerados como chão de fábrica."
Não sei de onde o engenheiro tirou essa conclusão. É só acompanhar o trabalho dos operários do prédio em construção ao lado da sua casa. Entre lá dentro, espie. E leia o clássico livro do arquiteto e hoje artista plástico reconhecido internacionalmente, o ex-preso político Sérgio Ferro, "O canteiro e o desenho".
Na definição dele, em uma entrevista:
A tese central de O Canteiro e O Desenho vem de Marx – e da visão da
miséria dos canteiros. É bastante simples: como tudo sob o Capital, Arquitetura é
mercadoria que o serve – e isto fornece o essencial do seu contorno entre nós. Se é
mercadoria, procura sobretudo a mais-valia que alimenta o lucro. Para que haja mais valia,há forçosamente exploração do trabalho, sua mutilação e submissão às
autoridades representantes do capital.
Na maioria esmagadora dos casos, a arquitetura faz parte destes representantes. Pouco importa a ideologia do arquiteto: nas condições « normais » de produção, ele serve ao capital (ou aos estados ditos socialistas – que o [Robert] Kurz já demonstrou serem variantes do capital). Segue uma série de conseqüências: irracionalidade do projeto (a simplicidade da construção exige injeções de boas doses de mistificação para justificar a « necessidade » da dominação) ; desaparecimento de qualquer vestígio de arte (que fruto exclusivo de trabalho livre) – e, no pólo operário, miséria, salários baixíssimos, doenças, acidentes, desqualificação, etc. E a conseqüência positiva a tirar ainda: só uma arquitetura do trabalho livre (incluindo o trabalho do arquiteto) merecerá respeito. "
No início da década de 1980 ajudei os operários da Oposição da Construção Civil de São Paulo a fazerem suas publicações. Naquela época existiam oposições sindicais combativas. Estive em vários canteiros e eles me contaram suas histórias e estatísticas de acidente de trabalho e de exploração. Não ganharam as eleições nunca, os pelegos bem relacionados com os empresários continuaram, e assim deve ser até hoje.Nada mudou, apenas as fachadas.
Isto posto, que condições de trabalho as mulheres - o novo contigente de mão-de-obra para servir as necessidades do capitalismo -- enfrentarão na construção civil?Em breve as barreiras cairão, e elas serão plenamente integradas, como em tantos setores da vida econômica. Não porque os empresários do setor sejam adeptos da igualdade de gêneros, mas porque elas serão interessantes para o capital, com seus salários menores que os dos homens, por exemplo.
Não há informações na matéria sobre as condições de trabalho dos operários desta empresa, se são registrados em carteira, qual sua jornada, se recebem pagamento de horas extras, qual o índice de acidentes do trabalho, que assistência os trabalhadores mutilados recebem, etc.
O que aguardará as moças na construção civil?
A liberação feminina tem sido uma faca de dois gumes para nós todas. Com suas duplas e triplas jornadas, com a responsabilidade da maioria das brasileiras assumirem a chefia da família, com as precárias condições de trabalho, e com a economia informal, que oprime a todos, de todos os gêneros. Com os preconceitos que até hoje enfrentamos no cotidiano.
A estrada é sem volta, e deveria ser esta uma história de conquistas, mas nem sempre: ainda é uma história que nos pesa nos ombros e nos dobra a coluna, como os 25 quilos nas costas, escada acima, e mais 44 pás de massa até a betoneira, dois blocos de concreto nos ombros sob o forte sol do verão que a pedreira Cláudia Mendes enfrentou.
Oparários da oposição sindical da construção civil nos anos 80.
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