Do Abrapalavra, do jornalista e escritor Ronaldo Antonelli:
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"Procurou-me uma sobrinha, na casa dos vinte anos e estudante de comunicações, perguntando pelo porão de casa, local amplo e aproveitável que uso como sala de trabalho: queria saber se lá havia ainda “aquelas estantes com livros”.
Dono de alguns milhares de livros que acumulei durante a vida, respondi que naturalmente ainda estavam lá – até pela dificuldade de sua remoção, sempre presente numa eventual perspectiva de mudança. Ela me explicou que desejava fazer uma filmagem, para um documentário que produzia como trabalho de faculdade.
Visitando o local, a sobrinha concluiu que era ideal para suas necessidades de apresentar um ambiente de “coisas antigas”, de acervo bibliográfico antiquado para introduzir a matéria sobre histórias fantásticas e de terror que constituía o tema de seu trabalho.
E veio a equipe, composta de vários jovens com tralha de equipamentos, que se mostraram admirados com a quantidade de livros e a aparência anacrônica do acervo. Com alguma discreta indagação, apurei que o que reputavam antiquado era a mera existência dos livros, reunidos em tal quantidade.
Sua matéria falava nas lendas medievais, tal como coletadas pelos irmãos Grimm, e sua busca de ambientação entre estantes vetustas tinha começado por bibliotecas públicas e sebos, mas seus pedidos tinham esbarrado na burocracia dos funcionários e na má-vontade dos comerciantes. Foi então que minha sobrinha se lembrou do porão de seu livresco tio.
Os membros da equipe fizeram seu trabalho e se foram, agradecendo-me pelo empréstimo do local. Fiquei pensando na idéia que tantos jovens atuais parecem fazer dos livros. Lembrei-me de que minha sobrinha dispõe, em sua casa, de um quarto exclusivo, com seu computador e aparelhos de áudio e vídeo, onde uns poucos livros se alojam em sua escrivaninha – aqueles estritamente utilizados no dia-a-dia escolar.
Pensei nos quartos e casas de outros jovens, incluídos amigos de meu filho mais novo, e a memória não me revelou quadro diferente. Depois me recordei de um instalador de redes, estudante de informática de nível superior, que ao visitar o porão de casa também se intrigou diante dos livros... sugerindo que “hoje o Google e a Wikipedia substituíram tudo isso, não?” Tentei argumentar que nem de longe se poderia supor tal substituição, mas logo percebi a árdua tarefa que teria pela frente.
Tremi à idéia de que estaríamos (“estaríamos” quem, cara-pálida?) repassando aos jovens a noção de que as volumosas massas de livros de papel das bibliotecas seriam “antiquadas”, ultrapassadas e... inúteis, talvez, diante das modernas tecnologias de armazenamento de textos – e, pior que isso, diante das atuais necessidades de seu uso, já não absorvido, exaustivo e mnemônico, porém imagético, salteado e acessável via cliques ou outras formas de solicitação técnica.
À idéia, enfim, de que a própria cultura se estaria rapidamente reduzindo a um recurso secundário, confinada a nichos museológicos e a cargo de especialistas excêntricos. A um exótico tema de documentário para um TCC – trabalho de conclusão de curso... quem sabe, por isso mesmo, premiado pela originalidade!
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