domingo, fevereiro 22, 2009

Lira da Vila: sassaricando no carnaval em Sampa

Márcio Périgo

Ainda é um homem bonito, daqueles que não se sabe a idade. Negro de barba, tocando pandeiro e puxando samba, afinado, boa voz, na mesa do bar no carnaval da Vila Buarque, em São Paulo. Vai sair o bloco Lira da Vila.

É um sem-teto, me dizem.

“Vai-Vai entra na avenida às 5 da manhâ, êta! Alô bateriaaaa!”, ele grita.

Era da Vai-Vai, sabe lá o que aconteceu com ele.

E canta a linda música de Geraldo Filme o inesquecível sambista paulistano, um dos fundadores da escola:

“Siêncio no Bixiga:

Silêncio, o sambista está dormindo

Ele foi, mas foi sorrindo

A notícia chegou quando anoiteceu

Escola, eu peço o silêncio de um minuto

O Bixiga está de luto

O apito de Pato N'água emudeceu

Partiu não tem placa de bronze não fica na História

Sambista de rua morre sem glória

Depois de tanta alegria que ele nos deu

E assim

O fato se repete de novo

Sambista de rua, artista do povo

E foi mais que foi sem dizer adeus”

E Adoniran, Cartola e tanta música boa.Conta o Jorge: "Uma vez alguém disse pro Cartola que ele tinha inventado uma rima errada, não me lembro qual. E ele respondeu: "Mas como se essa palavra eu tirei do padre?" Sabe quem era o padre? O Antonio Vieira".

E dá-lhe samba e também as tradicionais do carnaval "Eu mato, eu mato, quem roubou minha cueca pra fazer pano de prato".

Do lado aparece uma requebrante figura magra, branco-neve, de colar de havaiana e não sai mais. De onde surgiu esse?

Pelo segundo ano sai o bloco Lira da Vila, camiseta branca com uma lira azul no meio e a letra do enredo nas costas.

Todo mundo é do bairro? Não, tem gente de Pinheiros, do centro, de vários lugares. Na sexta, juntou famílias com carrinhos de bebês e doidos das mais variadas tribos, cantando marchinha, acompanhando um carrinho puxado manualmente, e pra quê mais?

Aqui não tem axé nem pagode ruim, dizem orgulhosos. E enquanto no sábado, o bloco não sai, será que sai, ora garoa, ora faz sol, vai chegando gente com a camiseta, um fantasiado de cigano, outro, um finlandês de terno preto e chapéu idem, com dois copos de bebida diferente em cada mão. Um japonês, outro pernambucano, Marciano, dono da livraria Metido a Sebo, que além de toda hora pacientemente abrir o estabelecimento pras moças fazerem xixi, traz de lá sua garrafinha de cachaça das boas e serve a todos.

Passa o caminhão de lixo, o batuque tá animado, os garis executam sua ágil coreografia e não deixam de sambar um pouquinho, tão rápida passagem.

Dos prédios, na sexta, me contam, jogavam confete e aplaudiam, “ e a gente pensava que os vizinhos iam reclamar do barulho”.

Estão lá, felizes, o dono do boteco da esquina da Dr.Vila Nova com General Jardim se abasteceu dessa vez, na sexta faltou cerveja.

Ali do lado, a Biblioteca Monteiro Lobato, que reúne sempre o pessoal da Sosaci, a associação em defesa do saci. A programação musical de lá ainda se mistura um pouco com o batuque do bar, e o temível jornalista José Ramos Tinhorão reclama: “nem no carnaval esse pessoal toca música brasileira!”

Tinhorão, jornalista polêmico do Jornal do Brasil dos anos 70 é um freqüentador assíduo do pedaço, pesquisador emérito brasileiro de cultura urbana, com 26 livros publicados. Acompanhou o bloco na sexta até as 23 horas, com seus 81 anos, e o pessoal continuou depois, até as 5 da matina.

Do antigo prédio do Estadão, na Major Quedinho, partiu ouro bloco, contam. E na Vila Madalena, tem uma pá deles.

Inclusive a Associação Etílico Musical da Vila, cuja eu conheci outro dia.

É assim, o que é bom não morre, é resgatado mais cedo ou mais tarde.

“Misto de exibicionismo e de chamariz para o turismo sexual, Carnaval não é. A música. Samba não é”, diz Janio de Freitas no jornal de domingo, procurando um nome para a antiga e desaparecida festividade. E tem razão.

Mas fora esta,montada para o comércio e para a mídia, a outra sobrevive, na Bahia, em Pernambuco, Minas Gerais, norte, sul e centro –oeste, nos interiores, nas cidadezinhas, e até em alguns bairros de Sampa.

Porque

Sa –sa –sa-ricando, todo mundo leva a vida no arame.

Sa-sa–saricando, o brotinho, a viúva e a madame

Sentaram no ovo de Colombo

Foi um assombro sassaricando

Quem não tem seu sassarico
Sassarica mesmo só
Porque sem sassaricar
Essa vida é um nó...