domingo, julho 04, 2010

Para que existe o poeta?

De uma entrevista com Roberto Piva:

FW - Num dos últimos poemas do Paranóia, você diz: "eu quero a destruição de tudo o que é frágil"...

RP - Mas sabemos que não é nada frágil aquilo cuja destruição eu desejo. A poesia é que é frágil, é uma forma de abrir brechas na realidade; como o Baudelaire, o Artaud, o Gottfried Benn e o Georg Trakl abriram. Mas não impediram Auschwitz. O poeta não existe para impedir essas coisas. O poeta existe para impedir que as pessoas parem de sonhar.
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Do jornalista e escritor Ronaldo Antonelli
O poeta existe para que algo não precise responder a pergunta "para quê?".

Caminhante, não há caminho: a morte de Piva


Reproduzo aqui o texto do ator e dramagurgo Mario Bortolotto sobre a morte de Piva, um de nossos maiores poetas, ontem em São Paulo.
E que, por viver em um país que nunca respeitou nem grandes poetas, nem idosos--em geral gente sem recursos, que nunca viveu em função de lucro-- sofreu um verdadeiro calvário em busca de internação, até ser acolhido no Incor, via alguns médicos que se comoveram.
Ao menos teve , quero crer, uma morte digna e sem dor, estava em coma induzido há algum tempo.
Viva Piva Forever!


O Texto de Bortolotto
Eu não conheci Roberto Piva. Mas eu vi Roberto Piva. Várias vezes. Lendo seus poemas nos mais variados lugares. Adentrando os eventos culturais cercado por seus "pivetes" (como eram conhecidos os garotos que andavam com ele e com os quais ele dividia suas iluminações). Piva era amigo de amigos meus (Bivar, Pinduca) e teve uma noite que eu fui até à Funarte com minha velha câmera VHS e registrei um bate-papo entre ele e o grande poeta Cláudio Willer. Quando morava em Londrina, já lia Roberto Piva. Eu já o considerava o maior poeta vivo do Brasil e ele tinha aquela aura de mito marginal, do cara que não se rende e que vai até as últimas consequencias em nome de sua arte, no caso, sua poesia, do cara que dizia "só acredito em poeta experimental com vida experimental". Nos últimos anos, Piva vinha definhando por conta de sua doença que era degenerativa. Nós, do lado de cá, ficavamos torcendo por sua recuperação, mas na verdade ninguém tinha muita esperança. Meses atrás, lá no Barco, organizaram uma leitura de poemas pra ajudar a pagar o tratamento dele no hospital. Dei minha pequena contribuição lendo um poema dele acompanhado pela gaita do meu amigo Flavinho Vajman ( http://www.youtube.com/watch?v=TRQYXoBl0M0 ) E esse é o mesmo poema que li anos atrás em Londrina no programa "Estação Blues" da Rádio Universidade FM.
E aqui o próprio lendo o poema "A Piedade": http://www.youtube.com/watch?v=P2Lhaedkh48
Enquanto estou terminando de postar esse texto, Piva deve estar sendo cremado no Cemitério de Vila Alpina (o mesmo em que cremaram recentemente o meu amigo Marcos Cesana). E ele já deve estar nesse momento atazanando a vida (ou seria pós-vida?) de uma porrada de anjos em algum boteco bacana lá no céu. Acompanhado é claro de sujeitos de boa procedência poética como Vinícius de Moraes, Wally Salomão e Itamar Assumpção.
Vá em paz, excepcional (não encontro uma expressão mais adequada) Poeta.


Os drinks desfilam diante dos amigos
embriagados no tapete
Saratoga Springs
Kummel Coquetel
minhas almas estão sendo enforcadas
com intestinos de esqueletos
meus livros flutuam horrivelmente
no parapeito meu melhor amigo
brinca de profeta
no meu cérebro oito mil vagalumes
balbuciam e morrem
(Roberto Piva)
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Música de Serrat sobre texto que mistura de versos de Machado y de Serrat.