domingo, novembro 07, 2010

Pelo telefone, com o professor Antonio Candido

Sempre penso nele, e de vez em quando fico mesmo com saudades e telefono. Ele sempre atende. E sempre esqueço de ligar um gravador, porque qualquer conversa descompromissada com Antonio Candido, essa reserva moral e intelectual do país, 92 anos, é tão rica que merece.
Comentamos sobre as eleições, e o professor disse que está contente com o resultado.
Disse que lamenta que seja o último de sua turma de amigos, o único a testemunhar esta grande mudança no país, os resultados da política do governo Lula de combate à miséria. "Sou realmente o último e lamento que meus amigos, mortos, que participaram da luta socialista (o professor foi um dos fundadores do Partidos Socialista em SP ) não tenham tido a oportunidade de viver isso".
Quando fez sua tese de doutorado Os parceiros do Rio Bonito, sobre o homem do campo, viajou certa vez para o Nordeste e lá esteve em uma região onde as pessoas passavam a vida inteira sem tocar em dinheiro: " O comerciante recebia mandioca e frango em troca, por exemplo, de um corte de tecido. E agora a Bolsa Familia, que muitos chamam de esmola , essa quantia que para muitos é pequena, o que são pouco mais de R$ 100? Com essa quantia se movimenta uma economia local, e em vez de trocas por mandioca e frango, o comerciante recebe dinheiro, pode fazer mais encomendas à industria, a indústria pode investir mais".
A distribuição de renda se faz sem revolução.
Para o professor, o Brasil hoje é como um trem. "Se a pessoa caminha a pé, ou de bicicleta, ou de automóvel, pode parar no caminho lá de Aguaí para visitar um amigo, ir a Espirito Santo do Pinhal...Mas se estiver em um trem, não pode se desviar do caminho. O Brasil agora é como um trem que não pode sair dos trilhos".

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Comentei com o professor a onda de preconceito contra nordestinos pós eleição. Ele se lembrou de ter ficado impressionado com uma declaração de Leonel Brizola, certa vez, na Fiesp ( Federação das Indústrias do Estado de São Paulo). "Perguntaram a ele como se sentia em São Paulo e ele respondeu: Não me sinto na capital de São Paulo, mas na capital econômica do Brasil, construída pelo esforço de todos". E quem construiu São Paulo, senão tantos nordestinos? E quem construiu Brasília?
Disse que, quando veio de Poços de Caldas (MG) pra São Paulo, em 1936, pouco mais de três anos após a revolução paulista, sentiu preconceito contra mineiros e gaúchos. Disse também que, se para alguma coisa serve sua carreira ( modestíssimo o professor), ela também se deve à sua migração de Minas para São Paulo. O professor, como tantos de nós, também é um migrante.

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No meu mural, desde 2008 está pregado um trecho de seu discurso ao receber o prêmio Intelectual do Ano, no dia 20 de agosto. Eu sempre me refiro a ele nesta Babel e vou citar mais uma vez. Contei ao professor que ele está lá, no meu mural, porque sempre leio, para não perder a esperança.Ele dá sua risadinha.
Eu me despeço agradecendo, porque sempre que falo com o professor, fico feliz por poder ouvir homem de ideias tão límpidas, tão lúcidas, e de vida tão cheia de coerência. E me emociono, como agora. O professor não dá mais entrevistas, mas isto não é uma entrevista e sei que não ficará bravo.Eu precisava contar esse papo para os amigos desta Babel.

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Devo ser de fato tão antiquado, que venho sendo definido em algumas instâncias como "ilustrado", devidamente entre aspas, e como alguém preso a uma visão de tipo teleológico da história e do pensamento. Devo esclarecer que, ao contrário do que se poderia pensar, considero esta restrição um elogio. Ela quer dizer que me mantenho fiel à tradição do humanismo ocidental definida a partir do século XVIII, segundo a qual o homem é um ser capaz de aperfeiçoamento, e que a sociedade pode e deve definir metas para melhorar as condições sociais e econômicas, tendo como horizonte a conquista do máximo possível de igualdade social e econômica e de harmonia nas relações. O tempo presente parece duvidar e mesmo negar essa possibilidade, e há em geral pouca fé nas utopias. Mas o que importa não é que os alvos ideais sejam ou não atingíveis concretamente na sua sonhada integridade. O essencial é que nos disponhamos a agir como se pudéssemos alcançá-los, porque isso pode impedir ou ao menos atenuar o afloramento do que há de pior em nós e em nossa sociedade. E é o que favorece a introdução, mesmo parcial, mesmo insatisfatória, de medidas humanizadoras em meio a recuos e malogros. Do contrário, poderíamos cair nas concepções negativistas, segundo as quais a existência é uma agitação aleatória em meio a trevas sem alvorada.