segunda-feira, março 23, 2009

Sexo, paixões e cinema

Perdas e Danos-1992
Ultimo Tango em Paris- 1972


“A beleza de um corpo nu só o sentem as raças vestidas. O pudor vale sobretudo para a sensualidade como o obstáculo para a energia”.

A frase é de Fernando Pessoa, na pele de Bernardo Soares, no Livro do Desassossego, um dos meus de cabeceira.

Pensei nela sobre um post que li hoje sobre sexo no cinema, nesta vasta teia mundial.

As pessoas falavam sobre a banalização, e isso acontece no cinema, na TV, em qualquer mídia da imagem.

Então, citaram alguns filmes onde essas cenas não estão lá apenas para preencher espaços obrigatórios em função de $$$$.

Como O Império dos Sentidos, de Nagisa Oshima (1976) , O Piano (1993) da neozelandesa Jane Campion. E me lembrei de outros: O Último Tango em Paris (1972), de Bertolucci, e Perdas e Danos (Damage,1992), de Louis Malle. Além de outro de Bertolucci, La Luna (1979).

Todos tratam de relações destrutivas, de paixão sem limites, de carne e de alma.

Procurei o blog do Luiz Carlos Merten, do Estadão, que considero um crítico sério e competente, e li lá, sobre O Último Tango:

“No começo dos anos 70, não foi só a ditadura militar brasileira que se assustou com a cena da manteiga. Fui procurar nos arquivos do 'Estado' e encontrei uma reportagem de 1976, dia 5 de fevereiro, procedente de Roma, dizendo que as cópias do filme haviam sido inceradas no dia anterior, por uma decisão inapelável do Tribunal Superior de Justiça da Itália, que considerou a obra de Bertolucci perniciosa. Apenas três cópias foram salvas e depositadas na Cinemateca Nacional Italiana para documentar 'a evolução técnica e artística da cinematografia no país'. Em 1976, a Itália estava em guerra contra o terrorismo e a Máfia, mas - incrível! - o sexo parecia mais assustador do que a violência”.

No Último Tango,Marlon Brando e a desconhecida Maria Schneider.Em Damage, Jeremy Irons e Juliette Binoche. Em La Luna, Jill Clayburgh e Matthew Barry . Em O Império dos Sentidos, Elko Matsuda (Sada) e Kitisan (Tatsuya Fuji).

Volto ao Merten:

“Oshima havia sido um dos alvos preferidos da censura dos militares. A abordagem de sexo e morte de ‘O Império dos Sentidos’ provocou um terremoto nas casernas. Havia coisa pior por vir, mas o País estava mudando quando Oshima adentrou justamente as casernas. ‘Furyo –(1983) Merry Christmas Mr. Lawrence’ oferece uma súmula do trabalho do diretor. Aparentemente, é um filme de guerra, que se passa num campo de concentração japonês na ilha de Java, em 1942. A guerra e a violência são intrínsecos ao filme, mas os temas são outros. O sexo como elemento de destruição, os rituais que aproximam/separam duas culturas. Oshima fala de Oriente e Ocidente, de Japão e Inglaterra. Tudo gira em torno da conceitualização da morte. Para os ingleses, importa a vida. Para os japoneses, a vida só importa como preparação para a morte, à qual dará sentido. O filme possui basicamente quatro personagens. Ruichi Sakamoto, como o militar que comanda o campo, e Takeshi Kitano, seu auxiliar. No outro extremo, David Bowie, como o comandante inglês, e Bill Conti, como Mr. Lawrence, o único que fala japonês e, portanto, vira intérprete. Mais do que o idioma, Lawrence vira uma peça decisiva porque ele entende a cabeça de Yonoi, o personagem de Sakamoto. Lembro-me, e espero não estar mentindo, que na época Oshima ressaltava que o homossexualismo não era, mas havia virado um tabu na sociedade japonesa a partir da era Meiji, quando o Japão se militarizou. Uma das primeiras coisas que os militares fizeram foi reprimir esse lado da sexualidade. O livro em que ele se baseou para fazer ’Furyo’, literalmente ‘Prisioneiro de Guerra’, não faz nenhuma referência a homossexualismo, mas Oshima transformou a relação entre os personagens numa ligação homossexual. Sakamoto e Bowie são deuses que vivem sua história de confronto e paixão sob o olhar de homens comuns, seus comandados, e que são divididos pela guerra. Toda a arquitetura dramática converge para esse beijo que David Bowie dá em Sakamoto, quando ele ameaça matar o chefe dos prisioneiros ingleses e que é uma coisa tão devastadora que destabiliza o herói japonês, implodindo todo um ritual de representação do poder montado entre ambos”.

Filmes viscerais, assisti a todos, em suas diversas épocas. Revi alguns.

Assitimos ao Tango em uma sessão na casa de amigos que voltavam da França e trouxeram escondido na bagagem. Jamais me esqueci do filme, de Brando, de Schneider, da belíssima trilha sonora de Gato Barbieri. E, claro, não tinha pra vender. Anos mais tarde, ao passar pelo aeroporto de Recife, ouvi aquela maravilha no ar e comprei. Um LP, tenho até hoje.

Saí de todas essas sessões algo diferente do que havia entrado.

Não eram as cenas de sexo o motor de minha perturbação, mas a reflexão sobre a dor da existência, das paixões nunca saciadas, porque paixões.

Isto é cinema.