Este belo texto meu amigo do Rio, Victor Passos mandou, de um ex-colega seu no Jornal do Brasil.
É triste ver com uma decisão de uma entidade que não tem canais de comunicação com a sociedade, o STF, tendo à frente um gilmar desses, que se pretende onipotente, desqualifica milhares de profissionais de uma profissão já tão sacrificada e difícil.
O exemplo citado do entrevistado comendo camarão é , como se diz, emblemático.
Eu faço parte de uma geração que lutou pela dignidade profisisonal, pela ética e pelos direitos trabalhistas. Mas na modernidade líquida em que estamos atolados, estas parecem palavras sem sentido .
Na geléia geral que se forma em torno da celeuma da profissão, há de tudo: anticorporativistas, solidamente assentados em seus diplomas e em suas corporações, atiram pedras nos jornalistas que defendem sua formação. Acreditam que agora qualquer um pode chegar às redações e ter à disposição colunas de opinião, grandes reportagens, fama e sucesso. Acreditam tambem que isso tem a ver com a liberdade de imprensa - leiam abaixo o belo artigo de Janio de Freitas esclarecendo a liberdade das más razões - e agora navegaremos felizes em mares de rosas.
Nos bastidores desse longo processo, que chega a mais de 30 anos, entretanto, interesses poderosos se colocaram.
Na grande crise da imprensa escrita , este golpe será sentido não apenas por jornalistas de carreira e diplomados, mas por leitores e pela sociedade em geral, que vão se dando conta, aliás, e ainda bem, do que significa o chamado quarto poder.
Desregulamentação-- a palavra chave do neoliberalismo que teve em Margareth Tatcher sua mais perfeita tradução , aquela senhora que dizia : "não há mais Estado, apenas familias e empresas -- desbaratou os trabalhadores em todo o mundo. Embora o velho Estado tenha sido a válvula de salvação da mais recente crise do capitalismo.
Mas as políticas mundiais e seus lideres estão desacreditados, os trabalhadores desunidos, fragmentados. As lideranças sindicais estão igualmente desacreditadas, o vale-tudo vai tomando conta.
Embora eu seja otimista, e creia que a Historia nunca pára, sei que é lenta. Mas que as coisas mudam, disso não tenho dúvidas, e muitas vezes para melhor. Espero.
João Batista de Abreu
Jornalista com diploma
Nesses 55 anos de estrada, confesso que vivi. Profissional e afetivamente. Mas que me perdoe Pablo Neruda, nunca aprendi a cozinhar. Sei apenas de cozinha de jornal. Aquele trivial simples, como fazer títulos e linhas de apoio, legenda e texto-legenda, chamada, macaca e outros adereços. Aprendi a botar tempero na matéria alheia, numa época em que o copidesque do Jornal do Brasil estava repleto de gurmês de fino trato. E eu, apenas um aprendiz de cozinheiro.
Nesses 35 anos de janela, compreendi que a paisagem nos oferece várias lições e que nos cabe assimilá-las ou não. A universidade se apresenta como um balcão de ofertas. Uma oferta democrática porque permite a aprendizes conhecer, experimentar, refletir, enfim preparar receitas que, espera-se, algum dia serão destinadas à sociedade. No espaço da sala de aula pode-se sim ensinar técnicas jornalísticas. Se não acreditasse nisso, preferiria pedir demissão.
Quando um poder supremo desmerece uma profissão desqualifica também sua formação. Ignora o longo tempo de dedicação de jovens que buscam nos bancos escolares ascensão social e a perspectiva de encontrar um lugar digno na sociedade, sem depender de favores, práticas de nepotismo ou arranjos partidários.
Talvez seja essa possibilidade que incomode tanto. Silenciosamente, a universidade pode contribuir para dotar cidadãos das mais variadas origens sociais de uma reflexão crítica, sem qual ele não exerceria qualquer profissão de nível superior na sua plenitude.
Como repórter, aprendi que a maioria dos jornalistas não costuma ser convidada para banquetes e aqueles que o são correm o risco de pagar uma conta alta na carreira. Certa vez, ao entrevistar um empresário durante um coquetel para o qual eu não fora convidado, arranquei-lhe algumas respostas enquanto ele degustava tranquilamente um camarão, sem ao menos ter a educação de oferecer ao entrevistador. Interpretei aquela atitude como um recado, que marcava a distinção do lugar social entre os dois personagens.
Os filmes de Buñuel ensinam como as refeições representam um lugar de exclusão e inclusão na sociedade burguesa. A constatação nos ajuda a entender a metáfora do ministro onipotente. Novamente a demarcação entre os que sentam à mesa do banquete e os que preparam a comida. Sem diploma, e portanto sem os benefícios econômicos que dele advêm, o que se deseja é que fiquemos sempre condenados a preparar a comida alheia, especialmente a dos comensais de banquetes.
Aos jovens cozinheiros, candidatos a chefes de cozinha, fica a advertência. Não confundam o lugar do jornalista com os dos representantes da Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP), principal articuladora do lobby que derrubou a obrigatoriedade do diploma. Ho Chi Minh – cozinheiro da colonial Marinha francesa –, nos mostrou que é possível um pequeno Davi de olhos puxados sair vitorioso na luta contra Golias. A nossa luta é a do feijão com arroz contra o supreme de frango.
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