Tinha mais de 70, conheci quando eu tinha 19 e era uma estagiária num jornal de noticias policiais(!). Ficamos para sempre amigos, vi sua filha nascer, travamos grandes batalhas na área sindical dos jornalistas. Sempre otimista, sempre íntegro, um homem de princípios, coisa rara, coerente, até o fim acreditando na mesma causa da justiça social e da liberdade.
Operário, jornalista, diretor de teatro em Santos, da geração de Plinio Marcos, seu amigo.
Sentirei sua falta.
Reproduzo aqui um depoimento que divulgou em 2007 por meio de sua filha,Bartira. Essa historia, ele já havia me contado, há alguns anos, na casa do querido, saudoso Tide Hellmeister, perto da redação citada.
"DELEGACIA CAMUFLADA"
Quando começou a queima de carros da "Folha de São Paulo" como reação ao apoio à repressão policial em São Paulo, a "Empresa" criou, junto à portaria na Alameda Barão de Limeira, uma Delegacia policial "camuflada", é claro, e com o aval dos donos da Empresa, porque, ao contrário, isso não ocorreria. A Delegacia era integrada por policiais civis lotados na Secretaria de Segurança Pública e comandada pelo delegado Bin, um ex-delegado aposentado do DEOPS, que morava no prédio ao lado das "Folhas". Assim, ficava sempre à disposição dos seus superiores na Empresa...
A Delegacia era bem disfarçada e seus policiais não se envoviam em questões de rotina. Os funcionários da Portaria também não se envolviam nas quesstões policiais e não se misturavam ou se ajudavam... Por determinação superior, eram dois trabalhos diferentes e que nada tinham em comum. Os empregados da Portaria não gostavam de ser confundidos com os policiais. Tinham muito medo que pudesse acontecer alguma coisa com eles por causa da sua proximidade com os policiais durante o trabalho, pois ficavam todos na bem espaçosa Portaria-Delegacia. Sempre um mínimo de três policiais trabalhavam noite e dia. Tinham muito trabalho vigiando, igualmente, funcionários e não funcionários para impedir qualquer ação contra a Empresa. Mas tudo era feito com muito cuidado, discrição e "sem dar bandeira"...
Quem não fosse da Empresa não percebia a presença dos policiais. Com o passar dos anos e pelo fato de nada de mais grave ter acontecido, os funcionários acabaram se acostumando com os policiais e passaram a encará-los como normais e naturais. Essa Delegacia existiu, pelo menos, até depois da Greve dos Jornalistas de 1979, quando esses policiais tiveram grande atividade fiscalizando os grevistas e os entregando aos seus chefes. Várias demissões em todos os jornais aconteceram. Esses policiais estavam diretamente ligados aos órgãos de repressão. A Delegacia tinha a ficha de todos os funcionários e vigiava, discretamente, à distância, todos os que eram suspeitos de serem de "esquerda". Os funcionários daqueles dias, sabiam da existência da Delegacia, da presença dos policiais e os temiam, daí, talvez, as poucas ocorrências que se têm notícia. Era considerada uma Delegacia "preventiva" e tinha o aval oficial da Secretaria de Segurança Pública. Sempre se fez muito silencio sobre essa Delegacia, mas os mais antigos sabem que de fato isso ocorreu e as maiores testemunhas são os próprios jornalistas que cobriam a área policial.
Filha! É claro que os atuais responsáveis pela Empresa não vão confirmar a minha narrativa e muito menos os detalhes... Possivelmente, terão desculpas e explicações para cada fato por mim narrado. Mas, tenho a consciência tranqüila de que tudo é a mais pura verdade, podendo, é claro, ter me enganado num ou noutro detalhe, mas, em linhas gerais e no seu todo, é tudo verdade, mesmo...
Filha, é isso aí!
Fui demitido da Folha da Tarde, como secretário-gráfico, porque fiz a greve de 1979. Também, ao mesmo tempo, de "A Gazeta", onde editava a pagina de "Internacional". Além da Greve, eu era muito visado por ser anistiado político, por ter sido no SJPESP delegado à FENAJ na gestão Audálio Dantas e por ter sido o criador e fundador em 1974 do MFS - Movimento de Fortalecimento do Sindicato.
Vivi e sou testemunha do que narro acima...
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