sábado, maio 09, 2009



Greves 1979


Por Branca Ferrari




Foto Jesus Carlos

Piquete da polícia militar no portão do Estadão




















Branca Ferrari, valorosa gaúcha, fazia parte da diretoria do Sindicato dos Jornalistas na gestão David de Moraes, era membro do Conselho que aprovava propostas de sindicalização.Também foi juíza classista, durante dois anos representou o Sindicato como vogal dos empregados na Justiça do Trabalho. Segundo ela conta, “cargo bem desmoralizado na época por causa dos sindicatos pelegos. Acho que atuei corretamente na função. O advogado Walter Uzzo deve se lembrar disso porque, aparecia de vez em quando na Junta da JT em que eu trabalhava. É uma longa e kafkiana história de como fui escolhida como suplente na chapa para Vogal no Sindicato o titular, mais tarde, abdicou, e depois como, surpreendentemente, o Sindicato foi escolhido e chamado pelo Tribunal Regional do Trabalho a enviar o seu vogal eleito para a 28 Junta. E aí eu acabei indo parar na Justiça do Trabalho onde nunca entrara na vida. É uma conversa para boteco, porque é hilária. Mas foi uma experiência e tanto naquele período. O que não se fazia pelo Sindicato, não é mesmo?”

Esta prática que a Branca relata era inédita no mundo trabalhista: não existia eleição para vogal, a pelegada indicava quem queria e o trabalhador nunca era bem representado nas contendas. Branca fez um excelente trabalho, pois é boa de briga, íntegra e coerente com suas idéias, que continuam as mesmas.

Acho que hoje as coisas, infelizmente, devem ter voltado ao que era antes. O Sindicato dos Jornalistas, na gestão Davi de Moraes, inovou também nesse quesito.



Greves 1979


Aquele foi o ano. Jamais será esquecido. Será? Greves varreram o país de Norte a Sul no rastilho de pólvora aceso pelos metalúrgicos do ABC paulista, abrindo caminho na marra para a democracia que viria pouco tempo depois. Cerca de 3,3 milhões de trabalhadores cruzaram os braços em 1979. Até os coveiros fizeram greve. É. Acredite.

E jornalistas de São Paulo, claro.

Pouco antes dos jornalistas de São Paulo decretarem sua greve, um fato importante ocorreu no Sindicato da Rua Rego Freitas, sede de históricos eventos em prol do progresso e da democracia, naquele período. Reunira-se ali um grupo de representantes de vários sindicatos, entre os quais o nosso, para escrever uma carta aberta aos metalúrgicos do ABC então em greve. A mão de chumbo da repressão descera com todo o seu peso sobre os sindicatos da região e sobre seus dirigentes, entre os quais, Lula. Mas os grevistas continuavam ocupando as ruas esperando orientações para o movimento. Para mantê-los informados e mobilizados, o comando de greve decidira ler em público uma carta aberta para que os grevistas continuassem firmes. Naturalmente, recaiu sobre o Sindicato dos Jornalistas a tarefa de providenciar a reunião para isso. E lá se encontraram na Rego Freitas, ao redor da mesa da diretoria, umas 20 pessoas. Parte delas jornalistas. Os debates sobre o que dizer na carta se arrastavam, uns sugeriam uma coisa, outros coisa contrária e por aí afora. De repente, o dirigente sindical Arnaldo, que representava os metalúrgicos e se mantivera quieto até então, tranquilamente pediu a palavra e, como sugestão de texto, começou a ditar uma carta objetiva, direta, combativa. E curta. Foi o texto aprovado.

Aquele episódio, que testemunhei por mero acaso, me deixou pensativa. Se jornalistas não conseguiam a necessária objetividade e unanimidade para sugerir uma carta combativa dirigida a grevistas num momento de grande tensão, conseguiriam eles fazer uma greve? Teriam o necessário desprendimento para isso? O necessário afastamento de seus compromissos com os patrões, vistos sempre como compreensivos, como amigos, quase como colegas? Jornalista nunca se sentiu um trabalhador explorado como os demais assalariados. Sempre se viu como parte de uma elite privilegiada, mesmo se assalariado, que sempre é um ser humano explorado, temos de reconhecer.

Bom, a greve foi decretada. Profissionais que trabalhavam em jornais, revistas, rádios, TVs fizeram a sua greve com combatividade e desprendimento. Durou pouco, é verdade. E não levou nada por uma série de razões. Inclusive, por total inexperiência neste tipo de ação de reivindicação direta de direitos que implica riscos para quem trabalha. Porém, os jornalistas comprometidos com o mundo do trabalho e não com a elite da mídia estavam lá, liderados pelo David de Moraes, então presidente do Sindicato.

A greve foi isso: um divisor entre os que viviam de salário nas redações e tinham clareza disso sem ilusões e os que viviam de salários nas redações, mas achavam que partilhavam da mesa farta dos patrões sem outra vantagem que o mero afago que eles costumam fazer na cabeça de seus cães fiéis. O Sindicato dos Jornalistas, hoje, infelizmente, se alinhou a esta categoria de profissionais.

Um comentário:

Silvanete disse...

É isso aí, Branca. Com um comentário curto e extremamente lúcido, você mexeu na ferida ainda não cicatrizada. Ainda bem... Sem contar o texto, um verdadeiro primor. Muito bem escrito, com pitadas de sarcasmo como pano de fundo. Valeu e muito.