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domingo, janeiro 09, 2011
Carta a um amigo, sobre as mudanças na capital, por Liu Sai Yam
Entonces, às novidades 2011, Luís Liu Hermê nessa prosa de observatório: aqui na terra não tão mais nem jogando futebol, e uma novidade (velhidade, na verdade), caríssimo Hermê-san, que imagino que deverá ter dar a mesma pontada que nos dá e vamos te dizer só de sadismo: o Belas Artes vai fechar. Kaput, babau, adiós pampa mía. Zezé uma vez na vida fez algo que valeu uma prenda e deu orgulho à família (dentre incontáveis decepções); uma medalhinha chinfrim onde vinha escrito “Honra ao Mérito”; no primário(?), de alguma redação boboca sobre assunto “importante” (tudo era importante nos tempos que não voltam mais...) e foi de busão monobloco fretado com monte de cdf pro cine Trianon (avô do Belas Artes) levar um lero com... quem? Guarda Carlos, o Vigilante Rodoviário, quaquá! e seu (dele) Rin-Tin-Tin nacionalizado, o Bala. O importante é que emoções vivemos, non? Aí o vigilante chega pra zezé e “Parabéns, muito prazer, etc.”, e uma fessôra: “Faz uma pergunta pro Sr. Carlos”; e zezé formula a brilhante (metafísica, Nunes...) indagação: “Seu revólver atira de verdade?”. E o cara faz hehehe, passa a mão na cabeleira de zezé e se contém em não dar um tiro na cara de zezé pra provar que a bagaça atirava de verdade. Dúvida renitente, pô, até agora é enigma...
Consolação com Paulista, mano Hermê, em frente ao Riviera e Ponto Quatro, esquina mítica onde ocorreram comícios bebaços, derrubada da ditadura a cada noite, artistas de todas as artes e estilos, estranhamentos entre hippies aliens e maoístas hard core, o primeiro cara a sair andando pelado na Consolação (strike, moda em 1973), rompimentos amorosos em altos barracos e com direito a porrada na cara (mulher emancipada apanhava, sim, e também batia pra caraio), e aqueles (eram dois, a Sala 1 e a Sala 2) cartazões na fachada anunciando “O Ano Passado em Marienbad” e “Z”. Depois (antes) vieram “Morte em Veneza”, “Cria Cuervos”, “Via Láctea”, “Gritos e Sussurros”... em cópias decentes, visíveis e legíveis pros afeitos em cineclubes clandestinos dos finais dos 60’ (zezé até hoje não sabe qual a faccia do Alexander Nevski, simplesmente porque a cara do russo nas cópias 16 mm era sempre um borrão surrealista) se sentarem e se deleitarem (entendendo tuuuuudo e explicando tuuuuudo pra gatinha do lado que tava era entendendo porra nenhuma de porque Liv Ulman falava sem parar, de frente e de perfil).
Depois viraram 5 salas, irmão do Sol Nascente, onde até a última fila era fila do gargarejo e tu xingava o projecionista e ele respondia da cabine te mandando pro lugar de sempre. Depois virou cine HSBC, ainda com direito a alguns Resnais, Viscontis, um “Exército Brancaleone” caido de Marte e depois filmes mais digestivos, menos políticos, de acordo com a lenta e impiedosa transformação por que foi passando a Paulista com a Consolação, que de freak foi ficando chic. Depois, HSBC, o potentado Hong Kong Shangai Banking Co. achou que gastava demais bancando telinhas de sombras chinesas pruns poucos vadios e tirou o time de campo, partindo pra entretenimento profissa via Lei Rouanet e parcerias com blockbusters off ou in-Broadway (não nos peça pra explicar a diferença..., só sabemos que ambas aceitam Visa, Master, Diners, qualquer merda assim).
Aí vem a draga, a necessidade do espaço prum shopping (que tá faltando, viu?) com estacionamento, armários de walkie-talkie (é esse o nome ainda?) na porta, vallet na porta, praça de alimentação, jogos eletrônicos, butiques e franz cafés e livrarias cultas e toda a parafernália reunindo 500 negócios em uníssono pra neguinho não precisar sujar o sapato nas calçadas limpas da kassabilândia assética e segura. Vive la civilization!
Quando voltares, vens preparado, brother, trazei vossos cartões, obedecei à fila e carimbai o ticket de estacionamento. Preparai-vos pros fried potatos e pocket lunchs orgânicos, nenhuma coxinha sebenta à vista, nenhum quebra gelo em copo americano, nenhum balcão de fórmica pra encostar a pança, nenhum umbral pra ficar olhando as saias. Nem esperai topar com Paulo Autran na fila da bilheteria, enquanto o manguaça atrás dele o homenageia na maior familiaridade: “Sou teu fã, Juca de Oliveira!”, quaquá!, brasileiras e brasileiros, zezé viu!
Já não veremos mais; e alguma coisa acontece em nuestro corazón...
Saludos, caríssimo, ainda estaremos aqui, enquanto não nos tocarem pra fora.
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