Se dançássemos a vida, como nossos mais remotos ancestrais, eu te digo, Bernardo.
Se dançássemos até o que não tem solução, talvez, quem sabe, nos tornássemos mais fortes e mais sábios.
Talvez nos tornásemos mais belos, diz Bernardo.
Este é um trecho do conto Valsa para Bernardo, dedicado ao heterônimo de Pessoa, que escrevi inspirada pelo que Ivaldo dizia nas suas aulas, que frequentei durante sete anos, na Escola de Reeducação do Movimento.
Lá aprendi a andar, a pisar sem torcer mais os tornozelos, a conhecer as cadeias musculares, a bater palmas e a bater pés. A percurtir os ossos. A definir os movimentos. A escovar a pele para ativar a circulação e retirar células mortas.
Principalmente, a entender a função do centro do nosso corpo, o quadril. Aprender a organização motora. Porque perdemos, perdemos o que conquistamos na aurora da humanidade.
Mas como este é um aprendizado que exige treinamento diário, e como o mundo nos leva, vou perdendo. O importante é que esses ensinamentos estão aqui dentro, e é só lembrar e dizer: atenção- que a posição natural se manifesta. ( E depois fui por outros caminhos, sempre parecidos com o do mestre paulistano e cheguei ao Tai Chi Chuan, onde permaneço e encontrei outro mestre, este chinês, Liu Pai Lin. Que já se foi mas deixou seus ensinamentos plantados em todo o país e até fora daqui.)
Enquanto os belos bailarinos clássicos querem desafiar a gravidade, aprendi na Escola de Reeducação do Movimento que as danças orientais e étnicas têm o princípio do movimento sempre com os pés bem plantados no chão.
Eu cheguei lá com a coluna travada e alguns meses depois participava de um espetáculo dos cidadãos dançantes: Entre duas Portas, no Sesc Pompéia. Não passei por momentos mais felizes do que aqueles, de ensaios intensos com muita, muita gente, e de pisar num palco, com tantos cidadãos comuns como eu, e de todas as idades. Por que todos nós podemos nos expressar pela dança, assim como podemos cantar e fazer tantas artes.
O mundo moderno separou a arte da vida. Em Bali, todas as pessoas dançam. Não é uma profissão.
A arte existe para nos salvar. A mim, pelo menos, é o que salva.
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