Casa de Assis - 2
Cotidiano nos anos de chumbo
Eu e Jaqueline, ex-Jurandir
Foto Narciso (Peixe)
Concurso de miss, concurso de esculturas na areia, etc. e tal era a tônica das pautas naqueles anos de chumbo. Faits divers , como este do ex-Jurandir, voz grossisima, um dos pioneiros do metier, eu acho.
Além disso tudo, tinha o que se chamava "matérias 500", as recomendadas, até hoje ninguém sabe de onde saíram os 500, imagina-se que de algum jabá histórico nessa quantia. Já vinha a pauta assinalada: 500.
Então dá-lhe almoço na Ordem dos Velhos Jornalistas, reunião disso e daquilo. Nada que tenha mudado muito hoje em dia, só não tem mais a explicitação, só que a coisa é bem pior.
E fora uma ou outra pauta que o Zé Eduardo, de sacanagem, passava. Imagine uma época em que você tinha tempo pra fazer pauta-trote.
Eu fiz uma dessas, inesquecível. Era pra entrevistar um inventor no Bom Retiro, o seu Natanael.
Inicialmente tudo bem, eu achando que era uma pauta normal, até que ele falou da grande invenção: o tanque de guerra lava- roupass!!!
Ficou horas falando e eu arrumando um jeito de ir embora, até que consegui. Mas ele me acompanhou por uns bons anos mandando cartas com as novas invenções, tenho todas aqui guardadas, um primor.
Quando cheguei na redação, furiosa, o Zé morreu de rir.
Algum jornalista hoje pode imaginar coisa igual?
Também ninguém imaginaria entrar na redação pra começar a trabalhar, lá pelas 2 da tarde, abrir a portinhola tipo far-west e deparar-se com o próprio: dois caras armados ensaiando um duelo. Que não aconteceu, claro, um mais tonto que o outro, acho que eram da turma da reportagem policial, só podiam ser.
(Mas na Casa de Assis, mesmo quem não era da reportagem policial andava armado.)
Voltando às pautas, o problema, claro, não era só dos Diários. Em plena ditadura, falar do que?
Quando fui para a a sucursal de O Globo, o mesmo karma me acompanhou: agora eram congressos de medicina. Um dia, fiquei revoltada e disse, em prantos, que não ia mais cobrir congresso de médico algum, daí se compadeceram e me livrei desse karma.
Fora o fato que, você sendo mulher, já limitava muito: éramos a jovem geração universitária que chegava. Na Casa de Assis, tinha jornalista que não me cumprimentava porque eu chegava alegremente vestida com a jaqueta de nylon da ECAUSP, direto da aula.
Pra que? Os velhos lobos do mar da imprensa farejavam perigo: mulheres, jornalistas, boa coisa não devem ser.
Daí que a ditadura achava a mesma coisa, e uma edição inteira do jornal Movimento sobre o trabalho da mulher, inclusive uma pesquisa nacional alentada, a primeira, sobre mulheres no jornalismo, para a qual eu e várias colegas colaboramos, foi inteirinha censurada.
Sim, porque a gente escrevia abóboras nos jornalões mas tinha a válvula de escape da imprensa alternativa, aí sim era coisa séria.
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