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quinta-feira, fevereiro 22, 2007
Bira entrevista o grande amigo, o cartunista Éton
O Bira era garotinho, o Eton nem tanto, quando nos conhecemos nas lides da chamada imprensa sindical.Ele fez essa entrevista para o site biogorna.net.
Só falta eu achar uma charge do Eton e escanear, mas para isso preciso abrir um enorrrme baú.
Conheci o Éton em 1981, quando eu ainda engatinhava no mundo das charges. Ele era chargista do Sindicato dos Bancários de São Paulo e possuía um enorme talento no desenho e arte-final. Ótimo caricaturista, ele dominava como ninguém o bico-de-pena, sendo capaz de desenvolver complexas perspectivas para ambientar seus personagens sindicaleiros. Estudioso dedicado, ele usava muitas referências em seu trabalho diário e lia muito. Lembro de sua mochila cheia de cópias de artigos de jornal, matérias de conjuntura política e econômica. Ele publicava charges, ilustrações e vinhetas na Folha Bancária, informativo diário do sindicato, além dos boletins específicos por banco (Ita-Unido, BradESCRAVO, entre outros). Fazia dezenas de trabalhos ao mesmo tempo, frilas para outros sindicatos (como Marceneiros, Condutores, etc.) e ainda se dedicava à pintura a óleo, que segundo ele, renderia mais reconhecimento financeiro no futuro. Éton era um militante político de esquerda (tendo sido até preso no Dops – polícia política que torturou e matou inúmeros ativistas de esquerda), trabalhava nos Correios e foi demitido em uma greve da categoria, daí se dedicou às charges editoriais e ao cartum sindical.
O Éton foi o primeiro chargista em carne, osso e loucura (rs) que conheci. Ele me deu dicas preciosas de como montar um acervo de caricaturas, charges, fotos e ilustrações catalogadas e coladas em folhas de papel sulfite. Foi por seu intermédio que conheci o trabalho de comunicação sindical da Oboré (e profissionais como Laerte, P. Caruso, Fausto, Ohi e muitos outros). Ele me foi apresentado por meu primo Paulo Dantas, que era da diretoria do sindicato na época. O Paulo também me cedeu pilhas de jornais Movimento, Opinião, revistas Visão e Veja, que eu farta e loucamente recortei. E assim, conheci um pouco da história do Pasquim, da imprensa alternativa e dos anos de chumbo da censura. Minhas primeiras charges foram do ex-presidente Figueiredo, Delfim, Maluf... Fizemos alguns trabalhos juntos. Eu o convidei para desenhar Os Trapalhões quando eu colaborava com o gibi. Ele não se acertou muito com o estilo que era bem mais quadrado do que o traço pessoal que Éton já possuía. Ilustramos um jornal Sindiluta todo com charges, sem quase nenhum texto, editado pelo jornalista Valdeci Verdelho para o Sindicato dos Químicos (onde ele cobriu férias minhas). Produzimos dois gibis: Tramas da Comunicação (Edições Paulinas) e o Manual dos Direitos do Preso (Pastoral Carcerária de São Paulo da PUC), além de charges e cartuns para o jornal Luta Sindical da Oposição Metalúrgica de São Paulo, editado por um italiano genial chamado Vito Gianotti. Éton devia produzir cerca de 15 charges por dia e usava técnicas de aguada com remédios azul-violeta.
Era capaz de perder pincéis enfiados em seus cabelos e limpar nanquim e aquarela na própria calça. Depois de umas brigas em casa, começou a usar um avental. Edson Dias é uma pessoa brilhante. Depois de quase 20 anos, voltei a encontrá-lo, já no mundo virtual e resolvi iniciar este bate-papo (que acabou se tornando uma bela entrevista) com Magnólia (pseudônimo que usava para evitar ser processado quando fazia charges em jornais sem jornalista responsável), um exemplo de artista e humanista. Um ser preocupado com o bem-estar do planeta e das criaturas que vivem nele. Quero agradecer de coração pela amizade e disponibilidade que demonstrou!
Quem somos? De onde viemos?
Acho que somos partículas atômicas, a humanidade através da ciência tenta descobrir de onde viemos, mas acaba cometendo uma gafe quando fala do famoso Big Bang, pois acaba por fazer um círculo vicioso, afinal se a ciência é contra o Criacionismo, acaba caindo nele quando fala no tal Big Bang. Achando sempre que teve um começo. Lembre-se, começo meio e fim são dados de um problema humano. E, a princípio, o universo não seria infinito? Eterno? Como agora procuram encontrar respostas no Big Bang? Como você vê, a própria ciência humana está só engatinhando em encontrar estas respostas. Eu encontrei algumas. Não sei se chega ser suficiente para eu determinar meus rumos, mas até aqui têm me ajudado, procuro acreditar em que só o amor constrói. Pouca coisa, não??? Mas pra mim, o que a gente busca tão longe, às vezes está tão perto...
Qual sua formação?
Atualmente, sou formado em Pedagogia. Desenhei minha vida toda, como profissional uns 30 anos. E no momento detesto ouvir a palavra Deus! Acho que sei mentir sozinho, toda vez que eu lembro da Bíblia, religioso, eu só me lembro de mentiras... Cresci com elas. Acho que nunca é tarde para mudar... Por isto hoje sou materialista! Acredito em tudo que se possa provar e explicar... de preferência sem mentiras! Nem preconceitos! A começar por: Por que o salvador do mundo tinha que vir dos judeus, de uma virgem? Será que a virgindade é uma virtude? Para os homens não é, para que impor tal coisa às mulheres? Viu aonde eu quero chegar??? Tudo que começa com uma mentira, termina mal!
O quanto isso foi e é importante na sua carreira?
Muitas mulheres que entraram na minha vida me transformaram, me deram um pedacinho delas, isto contribuiu para construção de meu espírito, minha personalidade, meus sentimentos. Tive amigos também que são responsáveis pelo crescimento político e profissional que eu alcancei. Devo muito a estes amigos! Um deles é o padre Xavier... o outro é uma mulher importante na minha vida, irmã Anete, que já se foi!
Quais artistas te influenciaram?
Laerte e Henfil sem dúvida contribuíram muito para meu desenvolvimento profissional. Mas os gibis vieram primeiro: Capitão América, Pato Donald, Super-Homem, e não podia esquecer dos mocinhos do Bang-bang e do Tarzan.
Como você se iniciou na carreira?
Iniciei minha carreira profissional na FNT Frente Nacional do Trabalho. Mas, na escola (mais propriamente no Ginásio) eu já ilustrava apostilas para o teatro da qual fazia parte. Uma peça que precisei ilustrar foi sobre o Pequeno Príncipe. Tive que datilografar todo o livro e copiar a ilustração. Lembro que o padre da paróquia onde eu morava pediu-me que pintasse as obras do Aleijadinho com tinta a óleo na igreja inteirinha, e eu fiquei contente que por muitos anos a capela ficou assim ilustrada.
Em que publicações você já colaborou?
Bira, eu colaborava de 1968 até 1985 com o Jornal da FNT (Federação Nacional do Transporte), depois fui para a Oboré, ilustrar vários jornaizinhos de sindicato; trabalhei na revista Alô Mundo, periódico internacional (distribuído em várias paróquias auxiliando no trabalho da catequese), fazia lá várias Histórias em Quadrinhos. Depois do Sindicato dos Bancários, fui convidado para ir à Gazeta de Pinheiros, mas fazia free-lancer para os movimentos sociais, é lógico. Você aliás, junto comigo, ilustrou uma cartilha para a Pastoral Carcerária, eu lembro que nós tínhamos um prazo para entregar, e no meio do trabalho você viaja para o Rio de Janeiro, e eu fiquei com a pulga atrás da orelha, e um monte de trabalho para fazer sozinho. Fiquei puto da vida com você. Depois fui ilustrador no Sindicato dos Condutores. Mais tarde tive tendinite e o médico me aconselhou mudar de profissão. Passei a trabalhar como voluntário na comunidade com educação de jovens. Depois voltei pro Correio a partir de um processo que movi contra o governo, pois fui preso político, em 1975, na mesma cela do Wlado (jornalista Wladimir Herzog). Quer dizer, antes dele entrar, eu sai da cela. No dia seguinte ele foi jogado lá (onde seria torturado e assassinado), enquanto eu era transferido para o Dops. (Nota do Bira: O Éton esqueceu das dezenas de Sindicatos, Oposições Sindicais, Centrais de Educação Popular – como Centro Pastoral Vergueiro e Sedes Sapientiae - e revistas que ilustrou. Se guardasse tudo o que publicou criaria uma biblioteca. E, puxa, realmente fiz essa viagem de supetão ao Rio. Desculpe por esta, Éton!)
Como era o seu dia de trabalho no Sindicato dos Bancários de São Paulo?
No sindicato tinha muito improviso, e isso era legal, pois a gente tinha oportunidade de criar, ir às ruas com os diretores. Os acontecimentos políticos também vinham ao encontro de um espírito aventureiro como é o nosso quando somos jovens, e eu era muito feliz naquela época, pois sabia que estava contribuindo com alguma coisa importante! Foi o melhor lugar que eu lembro ter trabalhado na minha vida, pois era muita gente doida, que nem eu, trabalhando junto. Os diretores estavam no auge da agitação. Eu também, com muita criatividade. Quando a repressão baixou e fechou o sindicato, editamos a Folha Bancária durante um ano, na clandestinidade. O tempo veio a dividir a diretoria. Eu acabei me identificando com uns, e os outros, magoados, tomaram o poder e me demitiram. (Nota do Bira: A intervenção no Sindicato dos Bancários aconteceu no começo da década de 1980, quando Greve ainda era caso de polícia e sindicalista era visto como baderneiro e criminoso)
Cite algumas realizações de sua vida profissional.
Trabalhar para formação de jovens, e edificação das mentes, sempre foi um objetivo conquistado que me fez muito feliz. Olha Bira, eu até hoje estou tendo realizações, a melhor dela foi a ajuda do pessoal aqui de casa para entregar trabalhos. Dora, minha mulher é uma excelente cozinheira. A coitada virou designer, diagramadora e até artística gráfica, para a gente entregar trabalhos urgentes. E a principal realização foi a criação do Jornal Demolidor, que eu e ela tocamos em Osasco. O jornal chegou ter uma tiragem de 20 mil exemplares, eu era o redator, e ela era “tudo”. Foi uma tremenda piração, durou quase 15 anos e durante um bom tempo trouxe o pão de cada dia aqui em casa. E ele aconteceu ocasionalmente, não foi planejado. Era colorido, bonito mesmo e alguns profissionais que colaboraram conosco vivem deste trabalho em outros lugares atualmente.
Como estava o mercado de quadrinhos no Brasil quando você começou?
Como você sabe, amigo, o mercado sempre esteve abarrotado pelo lixo estrangeiro. E a gente vivia na marginalidade, matando um leão por dia! Porém foi com esse material que aprendemos o nosso ABC no desenho. É uma péssima influência, amigo, pois eu tive grandes dificuldades para me libertar disso. Me deixou mal com os movimentos populares, pois as pessoas nestas organizações são muito críticas e eu só desenhava trabalhadores como super-heróis, fortões, com cara de americanos... Uma verdadeira tragédia. Mas, se a gente tivesse oportunidade de proporcionar, através de curso superior, um aperfeiçoamento aos nossos quadrinhistas e cartunistas, nossa juventude seria melhor assistida, você não acha? (Nota do Bira: Para alegria do Éton, já existem cursos universitários de HQ)
Já se meteu em confusão por causa de alguma charge? Já enfrentou gerente de empresa metido a valente? Já teve alguma charge com reação negativa por parte dos leitores?
Eu sabia que minhas charges tinham um efeito fulminante, e eu caprichava, pois já tinha idéia do que é um chefe, e o assédio moral que eles praticam no local de trabalho, pois já estive lá. Portanto nunca poupei energia para caprichar no meu trabalho. Lembro que os judeus me ligaram várias vezes, pois quando ilustrava política internacional, tinha que centrar o pau nos israelenses que oprimiam os palestinos. Já fui ameaçado por sionistas, por ilustrar o assalto que Israel fazia, e a ocupação violenta dele aos territórios dos seus vizinhos! Chefetes nunca gostaram das minhas charges, já que a publicação delas (com a caricatura dos mesmos) provocava grande rebuliço, quando não a demissão do próprio. (Nota do Bira: Lembro de uma charge de um gerente que era o terror de uma agência bancária. Quando ele morreu, o Éton o desenhou chegando ao inferno, sendo recebido por Lúcifer. Apesar de ser um tirano e ameaçar todo mundo, a reação dos bancários foi negativa, chegando até a ligarem reclamando no Depto. de Imprensa)
Você acha que o livro do Laerte de Ilustração Sindical, editado pela Oboré, foi positivo ou negativo? Especifique sua resposta para cada segmento: para nossa categoria, para os sindicalistas que nos contratavam e para os leitores.
Para os sindicalistas foi uma benção, justamente aqueles que não podemos atender, e que não podem contratar ilustrador. A aceitação pelos sindicalistas, desta cartilha, sem dúvida foi positiva. Agora entram outros componentes nesta história! Há a parte profissional, pois tem sindicalista que enriquece nos sindicatos, rouba, mas não deixa a gente trabalhar. Eles não contratam ilustrador para poder economizar, mas por outro lado desviam altas somas dos sindicatos para as contas deles. Quer dizer que estes vão usar a cartilha do Laerte, para ficarem mais ricos! Os jornalistas de texto é que deveriam ter consciência de classe quando surgiu esta cartilha, já que os dirigentes sindicais, sozinhos, não teriam iniciativa para adotá-la. O Laerte, Ziraldo, Mauricio de Sousa, pensam como empresários, e não como trabalhadores do traço. E como todo empresário, só enxergam a grana. Quem é chargista e vive disso, vê de forma mais crítica este trabalho do Laerte. Ele se defende é claro, pois para o capitalista, não existem regras nem ética. E há também jornalistas de textos, que para boicotar nosso trabalho, tiram fotos, como não sabem desenhar, eles usam a cartilha do Laerte, com intuito de prejudicar a gente mesmo, e eu acho que há a traíragem mesmo, falta de espírito de conjunto. Estes individualistas fizeram escola, e na faculdade eles ensinam a traíragem, que eles aprenderam. Eu nunca vi um deles chamar um cartunista para dar palestra nas aulas de jornalismo sindical. Há gente ruim mesmo, em todas as categorias. Assim como o Laerte, que só pensou nele quando elaborou esta cartilha. Falta consciência coorporativa nesta galera que se torna estrela.
Gostaria que você falasse o que esses jornalistas representaram para você: Valdeci Verdelho, Beth Lorenzotti (ambos passaram pela Folha Bancária) e Sérgio Gomes (Oboré).
Valdeci Verdelho foi como um irmão mais velho. Ensinou-me tudo que sei sobre jornalismo.Beth Lorenzotti foi um pouco além disso: uma amiga, muito querida, que me mostrou o que significa “fidelidade” nesta amizade. Aquilo que a gente guarda para toda a vida. É uma pessoa muito inteligente, carinhosa e com um senso crítico espetacular. Sérgio Gomes foi mais que um irmão mais velho, uma pessoa pra se chamar de pai. Foi meu padrinho de casamento, e eu me orgulho disso. É um profissional perseverante, militante, e me ensinou muito. Alguém que é muito prático e não só teórico. Demostrou muita confiança em mim e isso contribuiu para eu me sentir mais seguro.
Você já se negou a fazer algum trabalho?
Escrúpulo, às vezes, custa caro. Como dizia Clara Nunes, não adianta estar no mais alto degrau da fama, com a moral toda enterrada na lama. Certa vez o Juca Chaves me mandou uma cartilha. Eu estava operando no zero, e disse à minha mulher: “Dora; venha ver a desgraça que um amigo quer que eu desenhe”. A Dora viu a cartilha, que eu tive até vergonha de mostrar! Falava contra a criança, contra a mulher, contra o trabalhador, tudo que eu considero sagrado, e eu disse a ela: “É, mulher... nós vamos comer pão com farinha, mas não vou ilustrar esta porcaria não. Eu tenho vergonha na cara, lutei minha vida toda contra estes falsos valores, são piadas sujas e preconceituosas”. Bem, eu não acredito em Deus, mas foi como se uma porta estivesse fechando e de repente, outra se abriu. O telefone toca, era a CGTB (Central Geral dos Trabalhadores Brasileiros), pedindo para eu fazer uma cartilha contra a AIDS, e iriam pagar o dobro quase. Então, como você vê, o lucro não pode sacrificar nossa ética, nossa moral. Me recusei a desenhar propaganda e marketing, e coisas inescrupulosas quando mais precisava de trabalho. Porém o pouco que consegui, me orgulha. Talvez por isso tenha caminhado na obscuridade.
Você fez free-lancer para Oboré? Como foi a relação com eles?
Só posso falar bem do tempo passado lá! Foram pessoas muito simpáticas. A única crítica, é que eram mais um grupo partidário do que uma empresa, e exerciam muita patrulha, em cima de mim. Mas também era um movimento. Um partido. Onde as pessoas se ajudavam, e eu tive a felicidade de aprender muito ali. Trabalhar ao lado dos melhores cartunistas que o Brasil já produziu, é lógico que isto muito me envaidece. E foi uma grande escola.
Como você viu a confusão gerada pelas charges de Maomé? Existe um limite para a liberdade de expressão?
Em primeiro lugar, os chargistas que fizeram aquilo não são inocentes. Segundo: é bom saber que Walt Disney foi agente da CIA e entregou ao McCartismo e ao serviço de inteligência americano seus próprios funcionários como espiões soviéticos. Como eu cheguei a ler em seu artigo, o cartunista não é um cometa, não existe sozinho, ele não pode ficar em cima do muro, tem que tomar partido, assim como o filósofo, o professor, o historiador, o jornalista. Os cartunistas das charges em questão compraram uma briga e se posicionaram do lado errado. Muito cômodo, a gente ficar do lado dos poderosos. Eu queria ver um cartunista, ou qualquer profissional ficar ao lado dos que sofrem, dos oprimidos, espoliados, dos injustiçados. Não basta ser bom... É preciso estar do lado certo. Se não, não adianta nada. De que adianta tanta ciência sem o amor? As charges de Maomé não contribuem para a convivência com as diferenças culturais, só acirrando a disputas, mundiais, cheias de interesses antagônicos. Então, nós que desenvolvemos este trabalho somos, no mínimo, jornalistas. Isto nos obriga a ler jornais, ler e tomar conhecimento do que rola pelo mundo, para podermos nos posicionar contra ou a favor. E você sabe que a charge pode ser (e é) utilizada pela mídia capitalista, para desmoralizar democracias e governos, tanto de direita como de esquerda. O profissional tem o desafio de ter ou não sua opinião. Mas você pode ser punido com o esquecimento ou o ostracismo, se escolher ter suas próprias opiniões quando aqueles que detêm o poder não são beneficiados com seu trabalho, com suas opiniões acerca dos acontecimentos. Van Gogh pagou caro por não comungar a opinião do “status quo” e hoje é conhecido como “louco”. Porém em seminário que dei em certa faculdade, expressei uma opinião diferente acerca da personalidade deste grande artista. Mudei o estigma que ronda este inocente. No entanto, cartunistas como estes “laranjas” vão lá e, servindo ao interesse dos paises ocidentais em guerra com os governos mulçumanos, fazem cartuns ofendendo Maomé. É, a meu ver, uma ofensa gratuita, Bira! Eles compraram uma briga e, lógico, devem arcar com as conseqüências. Quando o Bispo evangélico chutou a estátua de Nossa Senhora Aparecida, foi processado, e todo mundo achou certo! Pois é pimenta, no c... dos outros é refresco. Os cristãos falam que não adoram ídolos, mas ficaram todos doloridos quando a estátua foi chutada! Eu, pessoalmente, achei o episódio ilustrativo, pois prova que os cristãos são sim, idólatras.
Qual a importância das outras artes para a nossa profissão?
O preconceito não pode impedir o desenvolvimento do nosso trabalho. Li a opinião de uma artista no seu orkut. Se não me engano era a Michelle, que dizia não saber pintar no computador. É preciso assimilar o futuro, sem deixar de levar em conta o passado. Mas, o preconceito contra o novo, acaba impedindo o desenvolvimento completo de certos artistas! Eu acho que outras artes como fotografia e pintura digital, acrescentam, e muito, ao nosso trabalho. Acho que o preconceito às vezes impede a gente de ver mais longe. Existem artistas como o Chico Caruso, entre outros, que se recusam a se adaptar. Eu adoro fotografias, uso muitas imagens quando pinto paisagem a óleo ou guache. A reprodução gráfica é outro jeito de entender que nossa profissão necessita do bom trabalho de outros profissionais. Os que imprimem a nossa arte, por exemplo, ou os que a distribuem e vendem. O jornaleiro em sua banca de jornal vende e acaba tornando público nosso trabalho. Devemos muito a estes profissionais, até ao entregador de pizzas. Quando o trabalho passa da uma da manhã o remédio é matar a fome com guaraná e pizzas de calabresa, catupiri, ou mussarela.
Que conselhos você daria a quer começar a fazer charge ou HQ?
Já me perguntaram como fazer para acabar com a timidez. Eu respondi prontamente: Primeiro é preciso ter o que comunicar. É preciso se ter um bom motivo para iniciar um diálogo. Minha mãe dizia: “Quem fala muito dá bom dia a cavalo”. Acho que o cartum deve ser a mesma coisa, pois nasceu para criticar, para posicionar-se frente a qualquer coisa. Portanto, é preciso, ter um horizonte porque, para um barco sem rumo, qualquer vento é favorável. E para mim a essência do cartum e charge é a crítica. Meu conselho é: primeiro a ética, o cuidado com quem vai ser dirigido o trabalho, estudar bem o breefing, os dados e conteúdo. Pensar bem sobre as técnicas que serão utilizadas, volume de páginas do material, cores, pensar sobre que linguagem vamos utilizar, que tipo de clientela vai ser atingida com este trabalho, conhecer o assunto, pesquisa de material, podendo utilizar para isto Internet, livros antigos que fornecem imagens, dados históricos, definir imagem e perfil dos personagens. E, enfim, definir condições de pagamento, data e forma de entrega, etc.
O que você acha das revistas de Mangás e Super-heróis que tomam conta das bancas atualmente?
Aprendi com elas, copiando... embora tenha sido em um outro tempo. Novas épocas trazem valores diferentes. O mal de copiar é que a gente tem que ter um grande trabalho, para perder as influências adquiridas. E descobrir nosso próprio estilo. Porque muitas vezes estes desenhos estrangeiros trazem uma outra cultura que acaba se traindo quando a gente expõe o nosso trabalho a uma platéia mais crítica. A situação da HQ nacional é crítica e, por incrível que pareça, ainda encontramos defensores para o atual estado de coisas. São pessoas nefastas, que se contradizem quando tocamos em outros assuntos. Mas sempre se posicionam como uns “vende pátrias” e entreguistas! Diria que estas pessoas são a personificação do que a gente chama “o mal”. Acho que, no fundo, é material nocivo, do ponto de vista da proteção que eles têm lá contra nosso trabalho. E nós aqui não temos contra os deles. Pois eles distribuem suas tiras em Quadrinhos ao mundo inteiro, quase de graça. E a gente aqui não pode competir. E acho que é uma discussão até polêmica, mas que não podemos fugir dela. Como as cotas universitárias, são uma proteção à nossa juventude iniciante. Todos temos que nos proteger. Se não fosse assim, porque os burgueses não dormem com as portas de suas mansões abertas? Ou não deixam seus filhos andarem por aí sem seguranças?
Qual é a sua posição sobre a proposta de lei de incentivo aos Quadrinhos?
Essa lei de proteção é como a lei de cotas racial, atua apoiando algo maior. É como a Cesta-básica que o Lula distribui, ajuda e muito. Como você vai dar uma vara pra pescar se não existe nem a lagoa?
Você tem trabalhos na Internet? Por quê?
Não tenho trabalhos na Internet, pois tenho dedicado os últimos tempos à faculdade, que agora terminei. Mas admiro muito os trabalhos que tenho visto, principalmente os teus e do Marcio Baraldi. Vejo muita coisa boa neste campo, gostaria de ter mais tempo para conhecer, ainda não tive tempo nem possibilidade de desenvolver trabalho neste campo.
Para onde caminha a humanidade?
É interessante você me perguntar isto, neste momento em que acabei de ler o livro Moby Dick, a baleia assassina! Descobri os métodos horríveis utilizados pelo homem para matar este cetáceo durante séculos. Um mamífero como nós, mas tratado como peixe. Fiquei refletindo sobre o futuro que demos a estes animais. E aos búfalos que pastavam aos milhares nas pradarias, aos peixes dos nossos rios, aos golfinhos, aos nossos botos... aos nossos próprios rios? Então... que futuro demos a estas espécies? Nenhum? Pois esta é a punição que deixaremos para nossos filhos. Estes espécimes, criaturas como nós, lutam para ter um espaço nesta terra e nós os desapropriamos, nós os dizimamos. Não teremos futuro algum, e nada indica que daqui pra frente será diferente. A raça humana conseguiu extinguir outras espécies, e parece que o próximo passo é extinguir-se a si própria. Os índios, os negros e as minorias que o digam, a bola da vez agora, parece que são os mulçumanos. Acho que o destino da humanidade é o mesmo do planeta. E é fácil saber pra onde está indo, não precisa ser nenhum guru, profeta, ou ter bola de cristal. Se não, vejamos: poluímos nossos oceanos, começamos a matar nossas baleias em 1800, os métodos de lá pra cá foram sendo aperfeiçoadíssimos. E assim também aprendemos a matar e desrespeitar culturas diferentes. Atualmente desenvolvemos armas de destruição em massa, e as mesmas encontram-se na mão de países belicosos. O que podemos esperar do nosso futuro? Provavelmente nós estamos decidindo não ter um. Quando os Judeus disseram "Que o sangue dele caia sobre nós e sobre nossos filhos", é lógico que, a partir daí, já estavam eles próprios se condenando a um futuro sombrio. E foi o que aconteceu. Portanto, o futuro não pertence a Deus, muito pelo contrário. Está nas nossas mãos e aí que mora o perigo.
Considerações finais.
Pretendo fazer um ano e meio de Educação Artística, para dar aula nas escolas. Concluí o curso de Pedagogia e acho que esta especialização é o que me falta, gostaria de poder ensinar aquilo que fiz a vida inteira. Criar oportunidades para o desenvolvimento de outros artistas me deixaria feliz e acho que isto deve começar na escola. Sinto que aí é meu posto. Gostaria que a morte me pegasse neste “front”. Trabalhando com educação e o desenvolvimento do conhecimento.
domingo, fevereiro 04, 2007
Nem parece banco?
RENATO MEZAN
COLUNISTA DA FOLHA
Poucos parecem ter reparado numa notícia publicada logo antes do Natal: numa agência carioca do banco Itaú, o vigia matou com um tiro um cidadão que tentava passar pela porta giratória. Intimado a colocar na gaveta chaves e moedas, o senhor obedeceu, mas o detector de metais continuava a não permitir sua entrada. O guarda ordenou que tirasse o cinto, o que ele se recusou a fazer e foi alvejado como se se tratasse de um perigoso assaltante. Tragédia dupla: para a vítima que perdeu a vida e para o vigia, cujo gesto absurdo poderia ter sido evitado com um pouco de bom senso. Dirão alguns que se trata de um pobre coitado, que apenas "se excedeu" no cumprimento da sua obrigação. Não posso concordar: de um adulto, ainda mais portando uma arma, tem-se o direito de esperar alguma capacidade de avaliar uma situação e, diante dela, se comportar com sensatez. O banco provavelmente relutará até o último instante em assumir a responsabilidade pelo ocorrido em suas dependências, alegando todo tipo de "razões": que o serviço de vigilância é terceirizado, que precisa proteger seus clientes... E a morte de uma pessoa cujo único delito foi resistir a um regulamento cretino terá passado em brancas nuvens. É preciso refletir sobre o que significa essa tragédia. Ela é o ponto culminante, embora previsível, da truculência com que muitas instituições financeiras tratam quem as procura, inclusive e principalmente seus clientes. A escalada da prepotência, da arrogância e do desrespeito vem se acelerando e um dia teria de chegar, como chegou, ao assassinato. Imagem negativaA imagem do setor bancário é a tal ponto negativa que o Unibanco prefere apresentar-se como uma entidade que "nem parece banco". O imaginário que sustenta a publicidade é um dos meios mais interessantes para auscultar o mundo em que vivemos. Aqui estamos diante de um caso muito instrutivo, pois o anúncio não visa a associar a empresa a algo útil ou desejável, como os daquelas que não se envergonham do que oferecem. Lembre-se o leitor de slogans como "Se é Bayer, é bom", "Se a marca é Cica, bons produtos indica": ocorreria a esses fabricantes sugerir que seus produtos "nem parecem" aspirina ou massa de tomate? Mesmo hoje, para permanecer no exemplo da propaganda, a Toshiba faz exatamente o contrário do Unibanco: em vários de seus anúncios o vendedor tenta se passar por japonês, buscando capitalizar as conotações de seriedade e competência associadas àquele povo. E o ponto forte da campanha é a garantia de 50 meses, algo que somente uma firma convicta da qualidade do que faz pode oferecer. Voltemos aos bancos. A estupidez de um aparelho incapaz de distinguir uma metralhadora de uma obturação ou uma fivela de um punhal é apenas a ponta de um iceberg de arrogância e descaso, mas o resto dele é igualmente ofensivo. Um exemplo entre inúmeros: a mesquinharia patente nos talões de cheques. Alguns leitores se lembrarão daquelas folhas que vinham ao final deles, e que serviam para anotações diversas. "Esquecidos" de que pelas nossas contas não passam apenas depósitos e retiradas, mas CPMF [Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira], IOF [Imposto sobre Operação Financeira], débitos automáticos, DOC [Documento de Crédito] e assim por diante, os bancos reduziram ao mínimo as linhas dos canhotos e retiraram as tais folhas as quais não parecem causar prejuízo à contabilidade dos seus congêneres americanos e europeus, que continuam a fornecê-las aos seus clientes. Outro escárnio são os call-centers, dos quais o do Itaú é, em minha experiência, ao menos, o mais irritante, tanto pela demora quanto pela constante alteração dos passos necessários para obter tal ou qual informação. Ultimamente, o consulente é obrigado a ouvir o convite para adquirir um cartão de crédito, que "tem um Itaú de vantagens". Desrespeito cotidianoOutro detalhe revelador: jogando com a expressão "um caminhão de vantagens", o que o bordão transmite é a desproporção entre o veículo enorme e a pequenez do indivíduo postado à sua frente. Cochilo do publicitário, com certeza, mas que deixa transparecer algo efetivamente associável ao banco em questão -peso mastodôntico, falta de flexibilidade, dificuldade de manobra. O público deveria manifestar com mais veemência indignação com o desrespeito do qual -das sutilezas aqui evocadas ao assassinato de um inocente- é cotidianamente alvo por parte de certas instituições. É inadmissível que em nome da segurança (dos banqueiros) se permita que vigias despreparados, mas armados, humilhem e ameacem quem precisa dos serviços de uma agência. É inadmissível que o consulente seja empurrado de tecla em tecla como uma alma penada, que precise de chaveiros com senhas para utilizar um caixa automático (Unibanco), ou necessite carregar consigo um "cartão de segurança" sem o qual não pode efetuar uma simples transferência de conta para conta, se esta superar um valor irrisório (Itaú). É inadmissível que os caixas estejam situados nos pisos superiores, obrigando as pessoas a subir escadas para chegar aos guichês (como em inúmeras agências do Banco do Brasil, nisso copiado por diversos de seus congêneres). Em resumo: não há como não concordar com o personagem de Brecht [na "Ópera dos Três Vinténs"], questionado sobre se considera um crime assaltar um banco: "Pode ser, sim... mas com toda a certeza é um crime abrir um banco".
COLUNISTA DA FOLHA
Poucos parecem ter reparado numa notícia publicada logo antes do Natal: numa agência carioca do banco Itaú, o vigia matou com um tiro um cidadão que tentava passar pela porta giratória. Intimado a colocar na gaveta chaves e moedas, o senhor obedeceu, mas o detector de metais continuava a não permitir sua entrada. O guarda ordenou que tirasse o cinto, o que ele se recusou a fazer e foi alvejado como se se tratasse de um perigoso assaltante. Tragédia dupla: para a vítima que perdeu a vida e para o vigia, cujo gesto absurdo poderia ter sido evitado com um pouco de bom senso. Dirão alguns que se trata de um pobre coitado, que apenas "se excedeu" no cumprimento da sua obrigação. Não posso concordar: de um adulto, ainda mais portando uma arma, tem-se o direito de esperar alguma capacidade de avaliar uma situação e, diante dela, se comportar com sensatez. O banco provavelmente relutará até o último instante em assumir a responsabilidade pelo ocorrido em suas dependências, alegando todo tipo de "razões": que o serviço de vigilância é terceirizado, que precisa proteger seus clientes... E a morte de uma pessoa cujo único delito foi resistir a um regulamento cretino terá passado em brancas nuvens. É preciso refletir sobre o que significa essa tragédia. Ela é o ponto culminante, embora previsível, da truculência com que muitas instituições financeiras tratam quem as procura, inclusive e principalmente seus clientes. A escalada da prepotência, da arrogância e do desrespeito vem se acelerando e um dia teria de chegar, como chegou, ao assassinato. Imagem negativaA imagem do setor bancário é a tal ponto negativa que o Unibanco prefere apresentar-se como uma entidade que "nem parece banco". O imaginário que sustenta a publicidade é um dos meios mais interessantes para auscultar o mundo em que vivemos. Aqui estamos diante de um caso muito instrutivo, pois o anúncio não visa a associar a empresa a algo útil ou desejável, como os daquelas que não se envergonham do que oferecem. Lembre-se o leitor de slogans como "Se é Bayer, é bom", "Se a marca é Cica, bons produtos indica": ocorreria a esses fabricantes sugerir que seus produtos "nem parecem" aspirina ou massa de tomate? Mesmo hoje, para permanecer no exemplo da propaganda, a Toshiba faz exatamente o contrário do Unibanco: em vários de seus anúncios o vendedor tenta se passar por japonês, buscando capitalizar as conotações de seriedade e competência associadas àquele povo. E o ponto forte da campanha é a garantia de 50 meses, algo que somente uma firma convicta da qualidade do que faz pode oferecer. Voltemos aos bancos. A estupidez de um aparelho incapaz de distinguir uma metralhadora de uma obturação ou uma fivela de um punhal é apenas a ponta de um iceberg de arrogância e descaso, mas o resto dele é igualmente ofensivo. Um exemplo entre inúmeros: a mesquinharia patente nos talões de cheques. Alguns leitores se lembrarão daquelas folhas que vinham ao final deles, e que serviam para anotações diversas. "Esquecidos" de que pelas nossas contas não passam apenas depósitos e retiradas, mas CPMF [Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira], IOF [Imposto sobre Operação Financeira], débitos automáticos, DOC [Documento de Crédito] e assim por diante, os bancos reduziram ao mínimo as linhas dos canhotos e retiraram as tais folhas as quais não parecem causar prejuízo à contabilidade dos seus congêneres americanos e europeus, que continuam a fornecê-las aos seus clientes. Outro escárnio são os call-centers, dos quais o do Itaú é, em minha experiência, ao menos, o mais irritante, tanto pela demora quanto pela constante alteração dos passos necessários para obter tal ou qual informação. Ultimamente, o consulente é obrigado a ouvir o convite para adquirir um cartão de crédito, que "tem um Itaú de vantagens". Desrespeito cotidianoOutro detalhe revelador: jogando com a expressão "um caminhão de vantagens", o que o bordão transmite é a desproporção entre o veículo enorme e a pequenez do indivíduo postado à sua frente. Cochilo do publicitário, com certeza, mas que deixa transparecer algo efetivamente associável ao banco em questão -peso mastodôntico, falta de flexibilidade, dificuldade de manobra. O público deveria manifestar com mais veemência indignação com o desrespeito do qual -das sutilezas aqui evocadas ao assassinato de um inocente- é cotidianamente alvo por parte de certas instituições. É inadmissível que em nome da segurança (dos banqueiros) se permita que vigias despreparados, mas armados, humilhem e ameacem quem precisa dos serviços de uma agência. É inadmissível que o consulente seja empurrado de tecla em tecla como uma alma penada, que precise de chaveiros com senhas para utilizar um caixa automático (Unibanco), ou necessite carregar consigo um "cartão de segurança" sem o qual não pode efetuar uma simples transferência de conta para conta, se esta superar um valor irrisório (Itaú). É inadmissível que os caixas estejam situados nos pisos superiores, obrigando as pessoas a subir escadas para chegar aos guichês (como em inúmeras agências do Banco do Brasil, nisso copiado por diversos de seus congêneres). Em resumo: não há como não concordar com o personagem de Brecht [na "Ópera dos Três Vinténs"], questionado sobre se considera um crime assaltar um banco: "Pode ser, sim... mas com toda a certeza é um crime abrir um banco".
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