quarta-feira, maio 27, 2009


Continua linda
Paris e o Quartier Latin

sexta-feira, maio 22, 2009





É interessante o contraste da pedraiada e as florezinhas. Papoulas, aliás, nascem no mato aqui.






quinta-feira, maio 21, 2009

As paisagens de Marvão, ex- Ibn Maruan


Todas as casinhas são decoradas com vasinhos de flores

domingo, maio 17, 2009




















Da Vila de Marvão, fronteira com a Espanha

São 21 horas de domingo e toca o sino de uma das igrejas de Marvão.
Daqui do alto, mais de 8OO metros, se enxerga as terras do Alentejo e da Espanha.

Num belo livro sobre a Vila, editado por Domingos Bucho (Marvão Palavras e Olhares) diz Saramago:

"De Marvão ve-se a terra toda... Compreende-se que neste lugardo alto da torre de menagem do castelo de Marvão, o viajante murmure respeitosamente:
Que grande é o mundo!"

Primeira referência a Marvão em crônicas árabes, no século X: " O Monte de Amaia,conhecido hoje por Amaia de Ib n Maruán, é um monte alto e inexpugnável, a leste da cidade de Amaia-das-Ruínas, sobre o rio Sever."
Estou aqui, numa das casas da comunidade de 120 habitantes !
Silenciosa.
É a bela casa da professora Maria Luiza Vasconcelos (Marvão é a sua ilha no espaço, ela diz) , viúva de meu amigo, o grande poeta e jornalista português João Apolinário Teixeira Pinto, igualmente um grande crítico de teatro da Ultima Hora nos anos 60 e 70 e meu chefe de reportagem na sucursal de O Globo.
Sobre a casa, ele escreveu: "Olho-a e sinto a alegria de dizer: é a minha casa, o meu lar. Mais: é o meu sonho de fugir do Mundo quase realizado".
Foi este poeta quem primeiro fez uma apreciação dos meus poemas, e para quem eu tive coragem de mostrá-los. Guardo até hoje seu texto sensibilissimo, numa lauda da Última Hora dizendo assim:

"Eu acho que depois de Baudelaire, F. Pessoa, Poe e Rimbaud, pouco aconteceu na poesia que não seja epigonal deles. Acho, por isso, que fazer poesia satélite é um negócio de nível inferior. Não adianta. Só pura satisfação do ego. Acredito, pois, que só uma inteira fé em seu destino leva o poeta às mais altas realizações. O que significa duas coisas: uma absoluta coerência entre o homem e o artista e uma completa e absoluta resolução frente ao mundo inabitável em que vive. A resolução de torná-lo habitável, vivendo nele para si mesmo, eis a questão primeira. O resto, para o Poeta, é a incógnita do Espírito do Homem em sua ascensão cósmica.
Concluindo: "gosto" de tua poesia por nela apressentir uma sensibilidade rara face ao cotidiano, o que por si só revela já uma imanente transcendência pessoal frente ao mundo. E isso tem jusificado a existência de muitos e grandes poetas. Mas também de muitos outros medíocres. Daí...
Bom. Só você pode acreditar em seu destino de Poeta, por só você e mais ninguém poder fazer este destino. Não há destino, há opções. De fato, so você pode optar. "

Que belos tempos em que se podia falar de poesia numa redação, e com um Poeta! E o Poeta respondia por escrito, um texto desses, de tamanha síntese. E foi tão importante para mim, que o dia em que publicar meu livro de poesias terá este prefácio.
(Mas como escrevem bem esses portugueses! Certa vez ele me mostrou uma poesia tão bela e eu perguntei: "É do Fernando Pessoa?" E ele: "Não, é minha".
De Apolinário vocês devem conhecer certamente algumas poesias musicadas pelos Secos e Molhados.)

Aqui, alguns de seus poemas reproduzidos no livro sobre Marvão:

Fraga
(1978)

Compacta e densa
Vulcânica e dura
Equilibrada
na ponta do céu
Onde nasceu
Que idade tem
O que faz aí

(Apolinário era um exilado do salazarismo e voltou ao seu país após o 25 de Abril)

Depois do exílio pode ser um grão de areia
uma nesga de céu ou uma réstea de sol
talvez mesmo uma lasca de fraga
ou o rebento da urze que se abre nela.
(1975)


Pedras & Silêncios

Uma forma infinita
Uma raiz infinita de luz
E o que me espanta
o que me assombra
é a sua infinita existência

sábado, maio 09, 2009



Cuidado com as trevas

ou

A verdadeira história da Greve dos Jornalistas de 1979



Foto Jesus Carlos


Perseu Abramo discursa na assembléia do Tuca, 22 de maio de 1979, que decretou a greve. À sua direta, em pé, de camisa escura, David de Moraes, presidente do Sindicato, e ao seu lado, Francisco Wianey Pinheiro, da diretoria.

A verdade emerge", disse o então editor do Washington Post na época do escândalo de Watergate. Trinta anos depois da greve dos jornalistas de maio de 1979, o mundo mudou, mudou a profissão, mudou a tecnologia.

Mas a História permanece e deve ser contada. Vivemos tempos em que alguns se sentem no direito de reescrever a História ao seu modo, para contemplar interesses escusos. Foi o que ocorreu com uma edição especial do jornal Unidade, do Sindicato dos Jornalistas de São Paulo, inexplicavelmente lançada em março, durante a eleição que, por 653 votos a 515, deu vitória ao presidente da chapa de situação.

Um universo de votantes de 1.168 jornalistas em todo o Estado dá bem a dimensão de a quantas anda o sindicalismo: a assembléia que decretou a greve, em 22 de maio de 1979, no Tuca, teve a participação de 1.692 jornalistas...

A edição especial do Unidade não entrevistou o então presidente David de Moraes, nem sua diretoria. David foi contatado por telefone por uma pessoa que não entendia o que ele dizia, ele indicou que o repórter consultasse suas declarações ao longo dos anos no próprio Unidade. O que não foi feito.

Mas conseguiram entrevistar os donos de jornais - Folha e Estado, inaugurando no Sindicato dos Jornalistas uma era da modernidade líquida, em que patrões são ouvidos sobre movimentos paredistas, mas não a diretoria eleita pelos trabalhadores. Entretanto, aqui vamos contar a verdadeira história daquela greve, na gestão da diretoria de um sindicato de contribuição fundamental no processo de redemocratização do país.

Não é a "nossa" História, são as nossas concepções sobre o que vimos e vivemos na greve. Lembrem-se: estávamos numa ditadura. O general Figueiredo - aquele do princípio gentil do “prendo e arrebento” - substituíra o general Geisel em 15 de março de 1979.

A diretoria da gestão David de Moraes havia sido eleita depois de passarmos pelo terror dos assassinatos de Herzog, a 25 de outubro de 1975, e do operário Manoel Fiel Filho em 17 de janeiro de 1976, ambos torturados e mortos em celas do Doi-Codi e , segundo o regime, suicidas. No mesmo ano da greve, em outubro de 1979, o líder da Oposição Sindical Metalúrgica de São Paulo, Santo Dias da Silva foi assassinado por um policial militar durante um piquete em Santo Amaro, zona sul de São Paulo.

Além de um movimento trabalhista, tratava-se de uma greve política, em meio a greves de metalúrgicos, bancários, enfim, das categorias mais organizadas do movimento sindical de então. Eu fiz parte da mesa das assembléias da greve, como secretária do presidente Quartim de Moraes, ao lado do vice-presidente Augusto Nunes e da secretaria Lucila Camargo. Também participei dos piquetes, da rádio ZYCCRR (Conselho Consultivo de Representantes de Redação), que com megafones informava e divertia os piqueteiros, vivi as dores e agruras daqueles dias agitados. Mas cheios de vibração, de vida, de ideais.

Não consigo me lembrar de muita coisa agora, prefiro louvar meus bravos companheiros, especialmente David de Moraes, que pagou um preço muito alto por sua integridade e retidão e se tornou um exemplo para todos nós.

Mas por tudo se paga um preço, a vida tem me ensinado: pela coragem ou pela covardia, pela espinha ereta ou pela genuflexão, pela ética ou a falta dela, pela omissão ou a participação, por sua alma vendida ou por não ter preço. É preferível pagar o alto preço da integridade e dormir em paz.

É em homenagem ao querido David, e a todos os bravos companheiros que enfrentaram aquela barra tão pesada de 1979, e a razzia que se seguiu – muitos ficaram anos sem conseguir emprego, outros nunca mais puderam voltar às grandes redações - que será contada aqui a história daqueles dias de maio.









"Os jornalistas e sua greve: consciência de classe e debate político"



Foto Jesus Carlos
Decretação da greve em assembléia no Tuca, 22 de maio de 1979.


Excertos do artigo de Marco Antonio Roxo da Silva, apresentado no II Encontro Nacional da Rede Alfredo de Carvalho (Florianópolis,2004) mestrado em comunicação pela Universidade Federal Fluminense em 2003 com dissertação sobre o mesmo tema.

"A greve em questão ocorreu em maio de 1979. Os jornalistas de São Paulo reivindicavam 25% de aumento salarial e imunidade para os representantes sindicais nas redações. Duas assembléias foram realizadas. A primeira, na Igreja da Consolação, no dia 17 de maio, com presença de 1.500 jornalistas. A proposta de greve, apesar de aprovada, não atingiu o quorum qualificado de dois terços dos votantes, conforme deliberado pelo Comando Geral de Mobilização. A segunda, no início da noite do dia 22 daquele mês, no teatro da PUC de São Paulo, o TUCA, contou com a presença de 1.692 jornalistas. A proposta de greve geral foi aprovada por 90% dos profissionais presentes. Não houve propostas alternativas. Somente um voto contra.

Mesmo diante dessa unanimidade, os sindicatos patronais (de jornais e revistas, rádio e televisão) não modificaram a proposta inicial de 16% de antecipação, a ser descontada na data base da categoria, em dezembro do mesmo ano. Diante do impasse, no dia 28 do mesmo mês, o Tribunal Regional do Trabalho, por unanimidade, julgou a greve ilegal. O resultado abriu espaço para a retaliação das empresas, que iniciaram um processo de demissão de mais de 200 grevistas.

(...) Perseu Abramo, rememorando a greve dez anos depois, afirmou que o movimento teve duas motivações básicas: a primeira, a luta por melhores condições de trabalho; a segunda, o clima geral do país. “Naquela época todo mundo entrava em greve”.



"Os jornalistas e sua greve: consciência de classe e debate político-II



Foto Jesus Carlos
Ao centro Fernando Morais e Ottoni Fernandes conversando com policial.

Fúlvio Abramo afirmou que a decisão de uma greve deve levar em conta o consenso de uma maioria organizada e uma análise completa da categoria frente ao patronato. Segundo ele, os jornalistas não consideraram um dado relevante: as mudanças estruturais da imprensa, que passou de atividade artesanal para uma fase industrial criando novas categorias de trabalhadores e modificando a natureza do jornal. Essa modificação era oriunda da presença de critérios administrativos, importantes para ampliar o prestígio político e empresarial do jornal.
(Diretor do Diário do Comércio na época. As opiniões do jornalista foram emitidas em debate realizado no SJPSP, em 06 de agosto de 1979, sobre a greve dos jornalistas. Participaram: Fausto Cupertino e Otonni Fernandes, da Gazeta Mercantil, Carlos Tibúrcio, membro do CCRR demitido de O Estado de S. Paulo em dezembro de 1978, trabalhou no alternativo Em Tempo, estando hoje em dia na assessoria de imprensa da Secretaria Nacional dos Direitos Humanos e Lia Ribeiro Dias, diretora do SJPSP e demitida em função da greve por O Estado de S. Paulo e atualmente empresária no ramo da comunicação. Os dados em relação ao lugar que os jornalistas ocupavam no período dos debates foram tirados do Unidade, 49, agosto de 1979, pp. 4-6.)
O jornal deixou de ser propriedade de jornalista e praticamente virou uma grande empresa, manipulada por grandes negociantes que o transformaram numa fonte de lucro, numa fonte de poder. Ainda que se oponha ao governo, o jornal não se opõe ao Estado, ao domínio de classe. Em face disso, o jornal é uma potência muito maior que no passado (Unidade, 49, agosto de 1979, p. 4.)

O velho antagonismo de classe permanece presente com o desenvolvimento empresarial dos jornais. Ele explica o controle da opinião pública. Em termos conjunturais, esses elementos se associavam ao aumento do exército de reserva alimentado pelas escolas de comunicação. Assim, em maio de 1979 não havia “clima” para uma greve, a não ser que a maioria estivesse disposta a levar adiante o movimento e suportar as suas conseqüências.

Segundo Fúlvio, não houve tempo para conscientizar a categoria sobre esses elementos. As assembléias massivas podiam indicar uma disposição espontânea para a greve, mas não uma participação consciente dos jornalistas. A falta desta levou parte das lideranças a incentivarem os piquetes. Mas o ponto central era a falta de ênfase na questão salarial. Para uma categoria de ampla diversidade ideológica, somente demandas salariais bem definidas levam à unidade. Pois os jornalistas não eram categoria de massa, de operários, em que esses interesses grupais não interferem nos objetivos gerais. Para conseguir a adesão de uma categoria dividida entre uma heterogeneidade grande de pensamento político e até do que deve ser o sindicato, nossa preparação deve ser a de conseguir uma coincidência de objetivos em torno de problemas principais. Aí é que grande parte do nosso movimento falhou. Acho que o trabalho de unificação em torno do objetivo salarial deve ser desde já. (Idem Ibidem.)

Em relação à derrota, Carlos Tibúrcio tinha a mesma opinião que David de Moraes, atribuindo a responsabilidade pelos momentos de vacilo dos grevistas a alguns jornalistas, que, prevendo uma derrota mais fragorosa, pediram recuo mais cedo do que era viável. Com isso
(Idem, p. 5.) , eles abriram espaço para endurecimento dos patrões.
Porém, quem eram esses jornalistas? Quem fez essas propostas de retorno ao trabalho? Segundo David de Moraes, eram setores numericamente inexpressivos, mas importantes do ponto de vista político, pois exerciam liderança sobre a categoria.

A nossa categoria tem um setor que está no alto, que ganha mais, que é, na falta de outra palavra, uma elite. No caso dos metalúrgicos, esse pessoal fica fora da vida do sindicato. No nosso caso essas pessoas têm vida sindical ativa. E mais, têm a veleidade, não sei se consciente, de acreditar que participam do poder, por estarem muito próximo dele... são pessoas, bons companheiros, que por exemplo, participam dos projetos dos jornais. E se integram de tal forma nesses projetos que perdem a perspectiva de que são jornalistas. Eles esquecem que aquele profissional que ganha entre Cr$ 10 a Cr$ 12 mil também é companheiro dele. Não se identifica mais com ele, pois está muito perto do poder. E se ilude. Chega uma hora que o patrão pega qualquer um. (Entrevista ao Pasquim, 6 de junho de 1979.)

Haveria, nesse sentido, uma aristocracia entre os jornalistas? Evidentemente, o nosso interesse não é classificar os jornalistas segundo o posicionamento adotado no movimento, nem fazer uma interpretação fiel dos fatos, mas investigar mais as divisões existentes na categoria, os sistemas que consagravam prestígio a esses atores e se eles tinham correspondência ou não com o ativismo sindical. Assim, não há como não fazer, através da fala de David de Moraes, uma remissão à posição de Cláudio Abramo (Folha de S. Paulo), Mino Carta (Isto É), Milton Coelho da Graça (Editora Abril) e Roberto Muller (Gazeta Mercantil), grandes reformadores de jornais de São Paulo e homens que cunharam seu prestígio jornalístico na resistência ao regime militar e na defesa de uma relativa autonomia interpretativa dos profissionais de imprensa durante esse período. Eram lideranças e exerciam influências dentro da categoria.

Esses jornalistas, todos ocupando cargos tidos como de confiança dentro das empresas, achavam que o movimento grevista não tinha perspectivas de êxito. Não sabemos em detalhes a posição do conjunto desses profissionais, mas Cláudio Abramo deixou claro que, para eles, o desenvolvimento técnico dos jornais teria exigido um outro tipo de estratégia de paralisação, que em alguns casos teria de chegar próximo aos atos de sabotagem.
(Claudio Abramo, A regra do jogo.1988.)
A avaliação que faço da greve de 1979 é que foi uma atitude muito ingênua por parte da categoria. Teria sido possível bloquear a produção dos jornais, mas para isso teria sido preciso um conhecimento técnico e eletrônico que os jornalistas não tinham. Eles não tinham nem noção disso. Teria sido possível bloquear o telex, mas seria necessário chegar quase ao nível da sabotagem. Em suma, a greve foi um suicídio.
Com essa visão, os jornalistas citados acima tentaram fazer uma mediação entre o SJPSP e os sindicatos patronais. Depois de discutirem, eles chegaram a uma proposta levada a David de Moraes. A base da proposta era: 1) estabilidade dos grevistas, por um prazo de 90 dias; 2) o pagamento dos dias parados; 3) que a imunidade dos representantes de redações fosse discutido também num prazo de 90 dias. Quanto à proposta salarial, o índice era “muito menos do que o Sindicato reivindicava. Conforme Abramo, David de Moraes não aceitou a proposta. “A greve estava perdida (Idem Ibidem.)

No olhar de Cláudio Abramo, os jornalistas tinham perdido a importância sindical em função dos salários altos, posições, vantagens e compromissos de não fazer greve, de não cruzar os braços, num diagnóstico até certo ponto similar aos anteriores. “Hoje está instituído um sistema de rivalidade interna e de predominância de uns sobre os outros nos jornais Não sabemos com precisão o período em que Abramo deu este depoimento. Acreditamos que ele esteja no conjunto de entrevistas dadas pelo jornalista a Luiz Egyto, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, entre março e maio de 1986. Cláudio Abramo, op. cit., p. 93.
De qualquer forma, sua intervenção gerou polêmica que, como vimos, foi absorvida pelo Pasquim, tachando-o de jornalista velho e ultrapassado e interpretando o gesto como nocivo ao movimento. Por outro lado, Cláudio Abramo afirmou que diversos jornalistas e pessoas do Sindicato lhe ligaram “desesperadas”, perguntando sobre a proposta do acordo. Segundo David de Moraes,

Se os sindicatos tivessem aceitado a questão da imunidade é óbvio que a gente até podia discutir um índice menor. E eles ficam por aí dizendo que nós recusamos propostas de até 6%. Eu seria estúpido se fizesse isso. Nunca foi formalizada proposta de aumento de 6 nem de 4% por cento. Se os dois sindicatos tivessem formalizado proposta de 2%, nós poderíamos ter aceitado. E terminada a greve continuaríamos as negociações
MORAES, David de. Pasquim, 06 de junho de 1979. Ressaltamos que na entrevista dada ao semanário, o ex-presidente do SJPSP não citou nomes. A articulação entre os diversos discursos sobre as negociações foi feita por mim.



Foto Jesus Carlos
Jornalistas distribuindo material de divulgação da greve perto do Estadão.


Os jornalistas e sua greve: consciência de classe e debate político” -III

(...) Paralelamente a isso, os jornalistas tinham construído uma forma superior de organização sindical e de luta, que era o CCRR (Conselho Consultivo de Representantes de Redação). Essa relação, em termos políticos, segundo Ruy Falcão, redundou numa vanguarda sindical, reunida em torno da diretoria do SJPSP e uma massa premida pela necessidade de ganhos econômicos. Por outro lado, essa massa não acreditava na ocorrência de greves, pois o movimento seria diluído pelo conjunto dos profissionais bem-sucedidos e influentes na categoria, fosse em função do cargo, do status de alguns de reformadores do jornalismo, ou de ambos.

(...) Lia Ribeiro Dias, dirigente sindical, defendeu a condução do movimento pelo SJPSP. Afirmou que as duas reivindicações da categoria estavam bem definidas. Porém, a jornalista criticou as falas que procuram explicar o fracasso do movimento pela falta de discussões sobre as novas condições de trabalho apresentadas e o papel do profissional de imprensa. Segundo Lia,

Falou-se aqui num erro da direção, em não discutir as condições da imprensa, o papel do jornalista, que não é decisivo sem o apoio de outros setores. Foi tentado um contato com grupos desses setores e não deu resultado porque o nosso processo de organização é diferente e está mais à frente dos outros dois sindicatos. A importância de uma luta é que ela consiga ser apoiada por todas as correntes políticas que compõem a categoria. Não se conseguiu o apoio de todos os setores, não quanto aos objetivos, mas quanto ao processo. Tentou-se corrigir isso com a formação do Comando, que ao invés de conduzir com agilidade, passava horas discutindo as formas de organização com posições diferentes. As assembléias, por sua vez, discutiam apenas, se a greve continuava ou não e não como levar o movimento.




Foto Jesus Carlos

Páteo de distribuição da Folha.

“Os jornalistas e sua greve: consciência de classe e debate político” –IV


Essas visões sobre a questão da consciência de classe foram problematizadas por Bernardo Kucinski. Para ele, o fracasso da greve abriu a necessidade de se discutir o papel social do jornalista e a redefinição da profissão em termos éticos e políticos. Para Kucinski, a partir do I Congresso Nacional de Liberdade de Imprensa, realizado em outubro de 1978, passou a predominar na categoria uma visão classista. O problema é que nela os jornalistas se definiam em função do assalariamento e das condições de venda da sua força de trabalho. Essa visão foi facilitada pela conjuntura, em função da retomada das lutas sindicais pelos trabalhadores. Conforme Kucinski,


a greve mostrou os limites da visão simplesmente classista da problemática jornalística [...] quatro pessoas fazem um jornal nas condições de produção existentes hoje [...] A homogeneização da notícia, com a produção em massa, com as agência de notícias (internacionais e nacionais), com os pólos de informação, com a relativa promiscuidade ou pouca definição do campo do press-release e o campo do jornalismo, aliados à predominância da concepção sindicalista sobre as lutas da categoria, levaram a que o jornalista abdicasse da luta pelo exercício de sua função crítica na sociedade, de sua identidade como personalidade pública, permitindo o esvaziamento da categoria como categoriaA frase ilustra um tipo de visão que alguns jornalistas tinham do press-release. Para eles, este não era jornalismo, mas assessoria ou publicidade, pois não exercitava a reportagem, a ida do jornalista à rua.

Com o fracasso da greve, uma outra concepção, que via o jornalismo também como uma profissão liberal, pôde ter espaço, sem que o jornalista negasse a sua condição de trabalhador. Para Kucinski, a questão da ética jornalística residia na tensão entre essas identidades jornalísticas: a do trabalhador assalariado, a da personalidade de conhecimento público e a de operador de computador.

Através de outras análises, podemos perceber que os ativistas sindicais não souberam operar nessa tensão entre os papéis. Com a hegemonia, mesmo que temporária, de um deles, a do trabalhador assalariado, a visão classista teve o predomínio na dinâmica da ação sindical gerando problemas no papel político dos jornalistas.

Conclusão

Abrimos essa conclusão com uma pergunta: como a greve dos jornalistas pode ter prejudicado a frente ampla representada pelo MDB na luta pela democracia? A questão, porém, não é tão simples. O fim da frente ampla estava relacionado a um contexto político de reorganização do quadro partidário, no qual perdurava a crença de alguns agentes, que posteriormente se agrupariam no Partido dos Trabalhadores, no avanço do movimento popular. Assim, no final dos anos 1970, havia a perspectiva de que o confronto entre classes levaria o jornalismo a ter uma conformação semelhante à de países com estruturas sociais mais estratificadas, como certos países europeus, com um modelo de jornalismo empresarial convivendo com um jornalismo partidário.

Essa conformação, para Perseu Abramo, falando em um debate no SJPSP no fim de 1979, levaria o jornalista a combinar o seu necessário aprendizado técnico nas escolas de comunicação com o exercício da prática política na vida cotidiana. Sem essa combinação, o jornalista seria um profissional qualquer, servindo de reserva especulativa no mercado de trabalho formado pelas grandes empresas. Para ele, jornalismo e política deveriam caminhar juntos.

Essa profecia não se confirmou. Boa parte dos partidos políticos brasileiros continuou a ter uma característica de frente, com uma ideologia difusa. O movimento popular e de trabalhadores também não teve um avanço crescente e o fracasso da greve dos metalúrgicos do ABC em 1980 paralisou o fluxo das greves. Não houve, portanto a criação de uma imprensa partidária ou popular que pudesse servir de contraponto à grande imprensa. Entre as perspectivas geradas pelo movimento grevista em 1979 e a conformação que o jornalismo tomou posteriormente, há pontos obscuros que não foram identificados por esse artigo.

A outra conseqüência seria no plano político. O fim do pacto de convivência existente nas redações durante o período da ditadura teria promovido o deslocamento desse conjunto chamado imprensa de uma frente política com características de centro-esquerda para a órbita de uma democracia liberal tida como conservadora. Segundo esta concepção, antes da greve, os jornais ainda possuíam espaços de debates e de disputa de idéias que podiam ser estrategicamente aproveitados pelos jornalistas engajados na luta pela redemocratização. A greve e a represália dos patrões teriam produzido o fechamento desses espaços e prejudicado a manutenção da frente ampla.

Ora, a questão é o que cada grupo entendia por liberdade de imprensa. Para os ativistas sindicais, as demandas corporativas não eram contrárias às demandas mais gerais. Havia, nesse sentido, distintas visões entre os diversos atores sobre o que era democracia.

Entre os jornalistas de esquerda, ligados aos movimentos de oposição política à ditadura, havia duas opções que podem servir de exemplo para delinear com maior clareza as disputas naquele momento do fim dos anos 1970. Uma, gradualista, colocava na ordem de prioridades o fim do autoritarismo e a consolidação da democracia “burguesa”. Era a posição mais identificada, entre outros, com o Partido Comunista Brasileiro, que defendia a hegemonia da frente pluriclassista na condução da redemocratização. A outra entendia o processo de luta como carente de ter uma definição mais precisa em termos ideológicos e de classe. A idéia era avançar a luta dos trabalhadores para além dos limites do liberalismo político, de forma a se chegar ao socialismo. Esse era o ponto de vista dos jornalistas que depois se identificaram com o Partido dos Trabalhadores.

Assim, temos uma postura que aponta para a unidade da luta contra um inimigo comum, e outra que já não entende a questão da redemocratização desta forma. No terreno específico da greve, podemos dizer que a tentativa que dos ativistas do SJPSP para obter um padrão coletivo de conduta da categoria encontrou uma série de obstáculos. Um deles era inerente às tradições existentes no jornalismo brasileiro. A heterogeneidade de posturas ideológicas, a cultura individualista, o hábito de discutir os problemas até a exaustão, a dificuldade para encaminhar soluções de consenso e a capacidade para transformar critérios de natureza política em padrões de julgamento e comportamento moral eram barreiras à adoção de uma postura que pudesse ser lida como de classe.

Vimos que entre esses fatores dispersivos residia a dificuldade operacional do Comando de Greve de compor uma frente representando todas as correntes existentes na categoria. Essas características podem ter alimentado e, ao mesmo tempo, se somado à falta de experiência dos jornalistas em lutas coletivas, identificada como um dos sintomas das dificuldades de se efetivar o CCRR.

Não vamos aqui afirmar que estes tenham sido os fatores fundamentais para a derrota do movimento de 1979. Eles se juntaram a outros de ordem estrutural, como a dificuldade de paralisar totalmente a produção. O avanço tecnológico e técnico exigia uma mão-de-obra pequena e qualificada, em termos operacionais, para produzir os jornais, ainda que com precariedade de informações. O avanço nas relações comerciais permitia, por outro lado, o tratamento das informações como negócio. Assim, jornais e agências noticiosas de outros estados forneceram matéria-prima para os órgãos de imprensa de São Paulo circularem durante a greve. Como os principais jornais de São Paulo já tinham uma dimensão e prestígios nacionais, o prejuízo maior era em relação ao noticiário local.

Essas características das empresas jornalísticas apontavam para três estratégias de greve: 1) uma, impedir de qualquer jeito a circulação dos produtos, com a ação calcada nos piquetes; 2) outra, a adoção de procedimentos conjuntos com os gráficos e funcionários do setor administrativo para a garantir a paralisação da parte industrial; 3) a greve de desgaste, de longa duração, capaz de impor prejuízos pela perda de anunciantes e a diminuição gradativa das vendas em banca.

A ação incisiva nos piquetes esbarrou em elementos da conjuntura política. Não é difícil imaginar donos de jornais pedindo a repressão policial para garantir a circulação dos jornais. Os piquetes eram um dos elementos fundamentais da luta. Tanto que eles se concentraram em frente aos principais jornais de São Paulo, a Folha e O Estado. Impedir a circulação desses dois jornais teria efeitos positivos sobre a greve. Porém, as estratégias empresariais deram certo e esses jornais circularam. O único meio de impedir que isso acontecesse seria a total paralisação dos profissionais dessas empresas, ou uma ação mais incisiva e radical, com atos de sabotagem.

A greve conjunta, por outro lado, necessitaria de um trabalho de longo prazo para aproximar categorias tão distintas quanto jornalistas e gráficos. Num dos depoimentos (Lia Ribeiro) alegou-se haver distintos graus de mobilizações entre as categorias. Por último, a greve de desgaste, para ter sucesso, exigiria um padrão homogêneo de organização para uma greve de longa duração e com o nível de divergência existente entre as vanguardas da categoria, isso seria impossível. Também é possível pensar que o julgamento da Justiça do Trabalho tenha levado a greve a um beco sem saída.

Será que essas dificuldades não foram percebidas? Olhando a conjuntura política do fim dos anos 1970, verificamos, então, haver uma polarização política que não só opunha as diversas categorias de trabalhadores ao governo militar, mas, também criava antagonismos dentro da própria oposição ao regime. Além disso, havia um esforço de algumas lideranças de romper com um padrão de análise que taxava os trabalhadores como submissos a qualquer arranjo populista. E um dos instrumentos para se livrar dessa imagem pejorativa era: fazer greve. Era essa estratégia que dava prestígio às lideranças no campo sindical. Por que os jornalistas se distanciariam dessa estratégia? Além disso, podemos perguntar: até que ponto o exercício da reportagem e cobertura de greves do ABC, naquele período, serviu como elemento de identificação de jornalistas comuns com as demais categorias de trabalhadores? O problema era como criar uma tradição de luta entre os jornalistas superando uma herança cultural que privilegiava a disputa, a inserção política e a polêmica, valores opostos à construção de uma identidade de classe.




Greves 1979


Por Branca Ferrari




Foto Jesus Carlos

Piquete da polícia militar no portão do Estadão




















Branca Ferrari, valorosa gaúcha, fazia parte da diretoria do Sindicato dos Jornalistas na gestão David de Moraes, era membro do Conselho que aprovava propostas de sindicalização.Também foi juíza classista, durante dois anos representou o Sindicato como vogal dos empregados na Justiça do Trabalho. Segundo ela conta, “cargo bem desmoralizado na época por causa dos sindicatos pelegos. Acho que atuei corretamente na função. O advogado Walter Uzzo deve se lembrar disso porque, aparecia de vez em quando na Junta da JT em que eu trabalhava. É uma longa e kafkiana história de como fui escolhida como suplente na chapa para Vogal no Sindicato o titular, mais tarde, abdicou, e depois como, surpreendentemente, o Sindicato foi escolhido e chamado pelo Tribunal Regional do Trabalho a enviar o seu vogal eleito para a 28 Junta. E aí eu acabei indo parar na Justiça do Trabalho onde nunca entrara na vida. É uma conversa para boteco, porque é hilária. Mas foi uma experiência e tanto naquele período. O que não se fazia pelo Sindicato, não é mesmo?”

Esta prática que a Branca relata era inédita no mundo trabalhista: não existia eleição para vogal, a pelegada indicava quem queria e o trabalhador nunca era bem representado nas contendas. Branca fez um excelente trabalho, pois é boa de briga, íntegra e coerente com suas idéias, que continuam as mesmas.

Acho que hoje as coisas, infelizmente, devem ter voltado ao que era antes. O Sindicato dos Jornalistas, na gestão Davi de Moraes, inovou também nesse quesito.



Greves 1979


Aquele foi o ano. Jamais será esquecido. Será? Greves varreram o país de Norte a Sul no rastilho de pólvora aceso pelos metalúrgicos do ABC paulista, abrindo caminho na marra para a democracia que viria pouco tempo depois. Cerca de 3,3 milhões de trabalhadores cruzaram os braços em 1979. Até os coveiros fizeram greve. É. Acredite.

E jornalistas de São Paulo, claro.

Pouco antes dos jornalistas de São Paulo decretarem sua greve, um fato importante ocorreu no Sindicato da Rua Rego Freitas, sede de históricos eventos em prol do progresso e da democracia, naquele período. Reunira-se ali um grupo de representantes de vários sindicatos, entre os quais o nosso, para escrever uma carta aberta aos metalúrgicos do ABC então em greve. A mão de chumbo da repressão descera com todo o seu peso sobre os sindicatos da região e sobre seus dirigentes, entre os quais, Lula. Mas os grevistas continuavam ocupando as ruas esperando orientações para o movimento. Para mantê-los informados e mobilizados, o comando de greve decidira ler em público uma carta aberta para que os grevistas continuassem firmes. Naturalmente, recaiu sobre o Sindicato dos Jornalistas a tarefa de providenciar a reunião para isso. E lá se encontraram na Rego Freitas, ao redor da mesa da diretoria, umas 20 pessoas. Parte delas jornalistas. Os debates sobre o que dizer na carta se arrastavam, uns sugeriam uma coisa, outros coisa contrária e por aí afora. De repente, o dirigente sindical Arnaldo, que representava os metalúrgicos e se mantivera quieto até então, tranquilamente pediu a palavra e, como sugestão de texto, começou a ditar uma carta objetiva, direta, combativa. E curta. Foi o texto aprovado.

Aquele episódio, que testemunhei por mero acaso, me deixou pensativa. Se jornalistas não conseguiam a necessária objetividade e unanimidade para sugerir uma carta combativa dirigida a grevistas num momento de grande tensão, conseguiriam eles fazer uma greve? Teriam o necessário desprendimento para isso? O necessário afastamento de seus compromissos com os patrões, vistos sempre como compreensivos, como amigos, quase como colegas? Jornalista nunca se sentiu um trabalhador explorado como os demais assalariados. Sempre se viu como parte de uma elite privilegiada, mesmo se assalariado, que sempre é um ser humano explorado, temos de reconhecer.

Bom, a greve foi decretada. Profissionais que trabalhavam em jornais, revistas, rádios, TVs fizeram a sua greve com combatividade e desprendimento. Durou pouco, é verdade. E não levou nada por uma série de razões. Inclusive, por total inexperiência neste tipo de ação de reivindicação direta de direitos que implica riscos para quem trabalha. Porém, os jornalistas comprometidos com o mundo do trabalho e não com a elite da mídia estavam lá, liderados pelo David de Moraes, então presidente do Sindicato.

A greve foi isso: um divisor entre os que viviam de salário nas redações e tinham clareza disso sem ilusões e os que viviam de salários nas redações, mas achavam que partilhavam da mesa farta dos patrões sem outra vantagem que o mero afago que eles costumam fazer na cabeça de seus cães fiéis. O Sindicato dos Jornalistas, hoje, infelizmente, se alinhou a esta categoria de profissionais.



Quinta-coluna em ação


Por Vicente Alessi,filho




Jesus Carlos/Imagemlatina
Redação na Foha de São Paulo no primeiro dia da greve às 16h30.

Até hoje há quem acredite que chacoalhavam os confessionários da igreja da Consolação durante os debates da primeira assembléia de nossa greve de 1979. Não, não chacoalhavam. Até hoje há quem acredite que, pelas perdas, jamais deveria ter sido decretada: seríamos fracos, seríamos massacrados, ponto de vista jogado em alguma lata de lixo por sensível constatação de Geraldo Mayrink: “Perdeu-se alguma coisa, sim. Mas ganhou-se vergonha na cara”. E há quem acredite, até hoje, que não tivemos nossa quinta-coluna.
Pois tivemos, sim. E não foram aqueles que trabalharam e ajudaram a fazer circular jornais e revistas por não concordar com a greve – estes tinham outra opinião, não outra intenção.
Na condição de, na época, militante sindicalista de base certamente não sou o mais indicado para tratar do assunto quinta-coluna. Há gente mais qualificada, como David de Moraes, José Eduardo de Faro Freire, Francisco Wianey Pinheiro. Lia Ribeiro Dias. Perseu Abramo, se estivesse vivo. Eles e alguns outros, integrantes do Comando de Greve, viveram, naqueles dias, exatamente no olho do furacão. Mas nunca se dispuseram a redigir o Livro Negro da Greve de 1979. David sempre me fala em concórdia – uma concórdia que não tenho e que tanto me admira nele, companheiro de tantas situações.
Tantos anos passados pode me falhar alguma cronologia dos fatos. Mas jamais me faltará a repulsa por grupo político que, depois de defender com ardor a criação dos CCRR, os Conselhos de Redação, e de incentivar a greve, abandonou-a imediatamente após a sua decretação.
Animar o sentimento de greve e imediatamente deixá-la à própria sorte foi tática daquele grupo político. Ou seja: a quinta-coluna aconteceu de caso pensado. O caso foi urdido dias antes da assembléia de decretação da greve.
Por aqueles dias, antes da primeira assembléia, encontrei-me, naquele conhecido boteco sujo vizinho à sede do Sindicato, com amigo recente, jornalista quase que recém-chegado do Rio, tido como muito próximo daquele grupo político. Tornamo-nos amigos durante algumas reuniões de trabalho sindical, e notava nele, hoje também morto, o distanciamento de posições típicas daquele grupo. No boteco chamou-me a um canto menos barulhento e garantiu: “A greve corre risco pois os caras já roeram a corda. Fique de olho”.
Não contou mais do que isso apesar da insistência. Comentei a, digamos, profecia, com alguns companheiros e decidimos ficar de olho. A verdade é que, durante as assembléias, chamou muito nossa atenção a força com que pessoas identificadas com o tal grupo defendiam a greve.
E a greve foi decretada. O comando reuniu-se para distribuir tarefas. Era necessário, por exemplo, identificar companheiros com alguma capacidade de organização que se responsabilizassem pela coordenação de tantos piquetes diante da sede das empresas. E companheiros que se dispusessem a integrar esses piquetes. A mim foi proposto que ficasse na sede do Sindicato, cumprindo tarefas internas e pronto para as eventualidades.
No primeiro dia de greve soa o telefone em casa, coisa de 10h30. Lia informava a primeira eventualidade. Eu deveria seguir para a porta do DCI, na Moóca: o coordenador daquele piquete telefonara anunciando forte gripe e a impossibilidade de cumprir sua tarefa. À noite, já de volta à sede do Sindicato, soube de alguns outros casos semelhantes.
Tratei de identificar o coordenador do piquete diante do DCI. Quando consultei a relação de trabalhos elaborada pelo Comando de Greve encontrei o nome de um bom amigo, cuja amizade preservo até hoje. Ligado àquela força política.
Telefonei para ele. Ocupado, ocupado. Fui até sua casa e o encontro lá, telefone fora do gancho, nenhum sinal de gripe. Minha fúria era óbvia. Pediu que me sentasse e contou a história: ele e alguns outros receberam duas ordens: apresentarem-se para coordenar piquetes e jamais aparecerem no piquete, numa ação coordenada visando ao enfraquecimento da greve.
Certamente há outras histórias semelhantes. Acredito que devam ser resgatadas por quem as viveu para fins pedagógicos: para que se conheça a verdade e para que pensemos muito bem antes de incensar quem não merece.
Vicente Alessi Filho é jornalista profissional, diplomado com a turma de 1975 da Faculdade de Comunicação Cásper Líbero. Tem a matrícula sindical 4 874, de agosto de 1975. É o diretor de redação da revista AutoData.


David (de Moraes) e sua grandeza de David (de Michelangelo)


Por Vicente Alessi, filho






Foto Jesus Carlos

Piquete na porta da Folha de S. Paulo.

(Nota da blogueira: Os dois artigos de Vicente Alessi, filho - este e o que segue-foram os únicos legíveis na edição especial do Unidade sobre a greve)





Há jornalistas que foram justiçados com rigor como conseqüência da greve de 1979, principalmente pelo seu tão óbvio, e incondicional, alinhamento aos patrões. David de Moraes, nosso presidente naqueles dias, não é um desses. A palavra que se aplica a ele é outra: injustiçado. Sacanamente injustiçado. Chamado de Jim Jones entredentes nos desvãos das escadas por gente sem coragem para qualificá-lo pessoalmente. E por gente que, por outras razões, queria ver sua gestão navegar no descrédito.

Ao longo desses anos todos a greve de 1979 foi quase que um tabu para ele, sofrimento visível – um sofrimento que remete à grandeza de outro David, aquele de Michelangelo exposto na Galleria degli Uffizi, em Florença.

Creditam ao tipo de democracia que ele sempre levou consigo, e à gestão compartilhada de sua diretoria, o pulso que faltou para que a greve, enfim, não fosse decretada. Ele ouviu de tudo, desde ser democratista inconseqüente até não passar de mais um irresponsável.

Como nosso presidente David foi até as últimas conseqüências para exercer o cargo para o qual o elegemos, primeiro em convenção cheia de nuanças e de pequenas traições e, depois, na própria eleição. Foi irrepreensível, de acordo com seu discurso de posse, cuja síntese pode ser algo parecido com aqui-todos-são-ouvidos. Com ele presidente passamos a exercitar essa prática que parecia fora de moda: ser ouvidos.

Como nosso presidente David até poderia considerar que aquele talvez não fosse o momento para que a greve fosse decretada. Mas poucos conhecem as situações de quase humilhação que o patronato armou tendo-o como ator – não aceitou nenhuma cena preparada, e sempre nos representou com íntegra dignidade. O que nem sempre acontece no meio sindical.

Das tarefas de um presidente de sindicato não consta a de ser contrário à opinião, e ao voto, da maioria. David sempre acatou as decisões, votadas em reuniões de diretoria e nas assembléias, assim como boa parte de todos nós, mesmo divergindo. Não seria diferente com a greve.

Mesmo porque David sempre foi muito parecido com ele próprio: é cidadão, e jornalista, de princípios.


Vicente Alessi Filho é jornalista profissional, diplomado com a turma de 1975 da Faculdade de Comunicação Cásper Líbero. Tem a matrícula sindical 4 874, de agosto de 1975. É o diretor de redação da revista AutoData.

No Rio de Janeiro:

A greve abortada



Victor Passos


No início de 1979, nós, jornalistas cariocas acreditávamos que iríamos deflagrar uma greve por melhores salários. Nosso dissídio era em fevereiro e no dia 31 de janeiro realizamos a maior assembléia da categoria até então. Cerca de dois mil coleguinhas lotaram o auditório da ABI no centro do Rio, a maioria deles na esperança de aprovar a proposta das redações: greve. Mas no final da longa e tumultuada sessão (teve gente que quase saiu na porrada) foi aprovado apenas um frustrante “estado de greve” que significava, absolutamente, nada!

A responsabilidade por tal inócuo resultado foi do pessoal do partidão (Partido Comunista Brasileiro) encastelado na direção do nosso sindicato e em postos de chefia nas redações. A eles não interessava greve. Politicamente tachavam-na de inoportuna, não é o momento e tal, aquele velho papo. Além disso, muitos deles, caso a parede fosse deflagrada, teriam que furá-la para, acima de tudo, manter os polpudos contracheques dos cargos de confiança que ocupavam.

Para relembrar essa história é preciso recuar até 78, quando os jornalistas do Rio conseguiram apear da presidência do sindicato o pelego José Machado, que reinava absoluto então há 12 anos. A chapa Unidade e Ação, chefiada por Carlos Alberto de Oliveira, o Cao, Argemiro Ferreira e outros era composta de representantes das diversas redações, mas controlada pelo pessoal da “igrejinha”.

Os representantes do Jornal do Brasil na diretoria eleita eram Fritz Utzeri, da Geral, e Graça Monteiro, da Economia. No fim de 78 e início de 79, a redação do JB, onde eu estava então, como repórter da Geral, era a mais mobilizada na época. Na Economia, por exemplo, além da Graça, lembro-me com carinho das “aguerridas” Ângela Santangelo, Teresinha Costa e Ana Lúcia Magalhães. Na Geral, Zé Luiz, Lima de Amorim, eu e outros.

O nosso dissídio se aproximava e a proposta a ser levada para a assembléia geral seria tirada em assembléias por redação. Coube ao JB fazer a primeira. Não desperdiçamos a oportunidade e aprovamos a proposta de greve. No dia seguinte, corremos para o sindicato e fizemos a edição do boletim Voz da Unidade, que seria distribuído à tarde nas redações: “JB propõe greve”.

Foi como um rastilho de pólvora. No dia seguinte, novo boletim: “O Globo reafirma: greve”.Depois, “UH vai à greve” e assim por diante. A categoria estava devidamente mobilizada e marchava em direção à paralisação. Os patrões estavam preocupados com tal possibilidade e já preparavam medidas para enfrentá-la.
Do nosso lado também existiam preocupações. Era preciso estabelecer contatos e conseguir apoio das sucursais, principalmente as de Brasília e São Paulo. A diretoria do Sindicato, salvo honrosas exceções, não movia uma palha sequer. Soubemos que o enviado a São Paulo para estabelecer contato, simplesmente deixou sobre uma mesa do sindicato da Rego Freitas alguns exemplares do Voz da Unidade e voltou pro Rio sem falar com ninguém.

Ricardo Gontijo era um dos poucos diretores do sindicato daqui em quem confiávamos e, a nosso pedido, resolveu nos ajudar, indo ele mesmo a São Paulo para estabelecer contato com os coleguinhas. Insisti que procurasse minha amiga, a Beth Lorenzotti. O encontro dos dois rendeu depois, na assembléia geral, o nosso melhor momento. Por inexperiência e falta de organização, não soubemos aproveitar.
A “congregação”, o partidão, também tomou suas providências e distribuiu seu pessoal pelo auditório lotado no dia 31 de janeiro de 1979, um sábado.Seus oradores inscritos falavam para embananar a sessão, como Milton Temer, que agradecia a presença de todos e falava do seu exílio (voluntário), como se todos estivessem ali por sua causa.

O nosso melhor momento chegou quando os representantes das sucursais do JB e do Globo em São Paulo subiram ao palco, onde estava instalada a mesa e declararam: “Se o JB no Rio parar, São Paulo pára”. “Se o Globo no Rio parar, São Paulo pára”. O auditório da ABI veio abaixo em aplausos. Era hora de encaminhar a votação da proposta de greve para aproveitar o momento o nosso favor.
Mas vacilamos e a “congregação mariana” que presidia a mesa foi passando a palavra ao seu pessoal estrategicamente distribuído, que com suas intervenções e questões de ordem, umas atrás das outras, foi esfriando a assembléia e virando a decisão final para um ridículo estado de greve. Para nós do JB, a redação mais mobilizada, restou, além da frustração, o epílogo do episódio. Meses depois, o jornal demitia 22 de sua redação, eu e os coleguinhas grevistas (ou carbonários como éramos chamados) entre eles.
Cuidado com as trevas ou

A verdadeira história da Greve dos Jornalistas de 1979




Perseu Abramo discursa na assembléia do Tuca, 22 de maio de 1979, que decretou a greve. À sua direta, em pé, de camisa escura, David de Moraes, presidente do Sindicato, e ao seu lado, Francisco Wianey Pinheiro, da diretoria.


A verdade emerge", disse o então editor do Washington Post na época do escândalo de Watergate. Trinta anos depois da greve dos jornalistas de maio de 1979, o mundo mudou, mudou a profissão, mudou a tecnologia.
Mas a História permanece e deve ser contada. Vivemos tempos em que alguns se sentem no direito de reescrever a História ao seu modo, para contemplar interesses escusos.
Foi o que ocorreu com uma edição especial do jornal Unidade, do Sindicato dos Jornalistas de São Paulo, inexplicavelmente lançada em março, durante a eleição que, por 653 votos a 515, deu vitória ao presidente da chapa de situação.
Um universo de votantes de 1.168 jornalistas em todo o Estado dá bem a dimensão de a quantas anda o sindicalismo: a assembléia que decretou a greve, em 22 de maio de 1979, no Tuca, teve a participação de 1.692 jornalistas...
A edição especial do Unidade não entrevistou o então presidente David de Moraes, nem sua diretoria. David foi contatado por telefone por uma pessoa que não entendia o que ele dizia, ele indicou que o repórter consultasse suas declarações ao longo dos anos no próprio Unidade. O que não foi feito.
Mas conseguiram entrevistar os donos de jornais - Folha e Estado, inaugurando no Sindicato dos Jornalistas uma era da modernidade líquida, em que patrões são ouvidos sobre movimentos paredistas, mas não a diretoria eleita pelos trabalhadores.

Entretanto, aqui vamos contar a verdadeira história daquela greve, na gestão da diretoria de um sindicato de contribuição fundamental no processo de redemocratização do país. Não é a "nossa" História, são as nossas concepções sobre o que vimos e vivemos na greve.

Lembrem-se: estávamos numa ditadura. O general Figueiredo - aquele do princípio gentil do “prendo e arrebento” - substituíra o general Geisel em 15 de março de 1979.
A diretoria da gestão David de Moraes havia sido eleita depois de passarmos pelo terror dos assassinatos de Herzog, a 25 de outubro de 1975, e do operário Manoel Fiel Filho em 17 de janeiro de 1976, ambos torturados e mortos em celas do Doi-Codi e , segundo o regime, suicidas.
No mesmo ano da greve, em outubro de 1979, o líder da Oposição Sindical Metalúrgica de São Paulo, Santo Dias da Silva foi assassinado por um policial militar durante um piquete em Santo Amaro, zona sul de São Paulo.
Além de um movimento trabalhista, tratava-se de uma greve política, em meio a greves de metalúrgicos, bancários, enfim, das categorias mais organizadas do movimento sindical de então.

Eu fiz parte da mesa das assembléias da greve, como secretária do presidente Quartim de Moraes, ao lado do vice-presidente Augusto Nunes e da secretaria Lucila Camargo.
Também participei dos piquetes, da rádio ZYCCRR (Conselho Consultivo de Representantes de Redação), que com megafones informava e divertia os piqueteiros, vivi as dores e agruras daqueles dias agitados. Mas cheios de vibração, de vida, de ideais.
Não consigo me lembrar de muita coisa agora, prefiro louvar meus bravos companheiros, especialmente David de Moraes, que pagou um preço muito alto por sua integridade e retidão e se tornou um exemplo para todos nós.
Mas por tudo se paga um preço, a vida tem me ensinado: pela coragem ou pela covardia, pela espinha ereta ou pela genuflexão, pela ética ou a falta dela, pela omissão ou a participação, por sua alma vendida ou por não ter preço.
É preferível pagar o alto preço da integridade e dormir em paz.

É em homenagem ao querido David, e a todos os bravos companheiros que enfrentaram aquela barra tão pesada de 1979, e a razzia que se seguiu – muitos ficaram anos sem conseguir emprego, outros nunca mais puderam voltar às grandes redações - que será contada aqui a história daqueles dias de maio.









sexta-feira, maio 08, 2009

Revisitando o Caso Herzog

Este artigo inicia a série Memórias/Jornalistas, que prosseguirá com a verdadeira história da greve de maio de 1979. Trinta anos é um suficiente distanciamento histórico para se refletir sobre o que realmente aconteceu.
Mas aqui lembramos da noite da morte de Herzog e de seus desdobramentos, momento trágico e de grandes lutas, a partir das quais a sociedade civil se mobilizou pela retomada da democracia.
Conversando com o colega Paulo Nogueira - jornalista que durante muitos anos editou Internacional no Estadão - nos perguntávamos sobre quando seria contada a verdadeira história daquele episódio, sem o véu de ilusões e fantasias oportunistas.
Resolvi entao pedir a ele este artigo, excelente análise daqueles dias terríveis, e que hoje são recontados ao sabor dos interesses de quem ou nunca participou, ou daqueles que não tiveram o desempenho bonitinho que querem passar para a História.
O blog, claro, está aberto a opiniões e críticas.












Revisitando o Caso Herzog
Por Paulo Eduardo Nogueira

“A verdade emerge”
(Ben Bradlee, editor-chefe do Washington Post na época de Watergate)

Por que remexer/reviver fatos ocorridos há quase 35 anos, fartamente documentados e discutidos em livros, reportagens, filmes e depoimentos? Porque muitas vezes a versão que prevalece é parcial, incompleta ou mesmo mitificadora. E porque a responsável por este blog, Elizabeth Lorenzotti, que pretende resgatar a memória histórica dos jornalistas, como a da greve de 1979, me pediu para escrever sobre um evento intensamente vivido por nossa geração – no caso, a mobilização que se seguiu ao assassinato de Vladimir Herzog, o Vlado, em 1975. Na época, ainda cursando o último ano de jornalismo na ECA-USP, eu trabalhava como revisor na Folha. Vlado foi morto no sábado, dia 25 de outubro, mas a notícia só se espalhou pelas redações, de forma viral, num domingo de plantões com equipes reduzidas. Sem e-mails, twitter ou celulares, o boca-a-boca se encarregou de informar o grosso dos jornalistas. O assassinato chocou particularmente nossa turma, pois Vlado dava aulas de Telejornalismo na ECA até ser convidado para dirigir o jornalismo da TV Cultura – tragicamente, um cargo que o exporia à sanha repressiva da ditadura e terminaria em tortura e morte.

Na segunda-feira logo cedo, nós nos reunimos na ECA para discutir como enfrentar a situação. Um dos colegas redigiu rapidamente um panfleto para distribuirmos no enterro de Vlado e o assinou em nome da Comissão Universitária (um agrupamento informal de centros acadêmicos que seria o embrião do DCE Livre, criado no ano seguinte). Não havia sequer tempo de consultar dezenas de centros acadêmicos.

Chegando ao cemitério, no fim da manhã, distribuímos o texto a algumas pessoas. Nunca li menção a este detalhe em nenhum lugar. Talvez a panfletagem tenha sido muito discreta, como exigia a época. Talvez não interessasse aos donos da versão oficial partilhar o crédito pela mobilização. Minha lembrança mais forte daquele enterro, realizado a toque de caixa para encerrar logo o assunto, é a de Hamilton Almeida Filho, o HAF, gritar “abaixo a ditadura” enquanto o caixão descia à sepultura. Uma ousadia para os padrões vigentes e uma amostra da revolta que dominava a todos. Para a diretoria do sindicato dos jornalistas da época, então acossada pelo II Exército, terminaria ali a mobilização, com o sepultamento e uma nota oficial. Espontaneamente, porém, os presentes marcavam encontros na sede do sindicato à noite, comprometendo-se a levar mais colegas. Algo mais precisava ser feito.

À tarde, fui trabalhar e as redações do Grupo Folha (que então editava sete jornais, além de manter a Agência Folhas e o setor de Revisão, com centenas de profissionais) fervilhavam de indignação. Ao anoitecer, os jornalistas que chegavam em massa ao sindicato deparavam-se com uma imensa faixa negra de luto, lacrando a porta do auditório, fechado e às escuras. Extremamente nervoso, um dos diretores argumentou que o presidente do sindicato depunha naquele momento aos militares, correndo o risco de ser preso. Qualquer mobilização soaria como provocação. Replicamos que, ao contrário, somente a mobilização máxima dos jornalistas garantiria a segurança de todos. Escaldados pela recém-cometida barbaridade, que repercutia intensamente em toda a imprensa, os militares pensariam duas vezes antes de partir para a repressão. Os fatos históricos subseqüentes deram razão a este raciocínio, de resto já aplicado inúmeras vezes no movimento estudantil (quando, um ano antes, um de nossos professores, Jair Borin, fora detido pela repressão, percorremos classe por classe da ECA denunciando o fato: quanto mais pessoas soubessem, menos possibilidades teriam de “desaparecer” com ele, libertado tempos depois. Ficar quietos para evitar “provocações” -- a palavra mais utilizada por boa parte das tendências políticas, ao lado da expressão “não é o momento” -- só ajudaria o regime militar).

Retirou-se quase na marra a tal faixa de luto, as luzes se acenderam e em instantes o auditório estava lotado. Tradicionalmente apáticos, individualistas e desarticulados enquanto categoria profissional, os jornalistas estavam irreconhecíveis naquela noite histórica. Se algum gaiato propusesse uma ação até violenta, muitos no plenário topariam sem pestanejar – o que, aí sim, seria uma provocação potencialmente desastrosa. Uma repórter da editoria de Economia da Folha de S. Paulo, brandindo uma cópia da nota oficial do sindicato, lamentou que, de tão anódina, poderia ter sido endossada pelo II Exército. Seguiram-se as decisões por todos conhecidas: assembléia permanente e um ato ecumênico na sexta-feira. A partir daí, credite-se, a diretoria do sindicato cumpriu as decisões da maioria, ancorada numa mobilização sem precedentes de uma categoria profissional desde a decretação do AI-5. Era o típico caso de uma direção que ia além de suas possibilidades, premida pela ação coletiva e pelo momento histórico.

Durante a semana, partiu-se para ampliar o movimento e obter a adesão de outras entidades da chamada “sociedade civil organizada”. Pessoas físicas e profissionais liberais aderiam com entusiasmo ao trabalho de convocação do ato ecumênico. Porém, com exceção dos sempre combativos colegas da USP (que decretaram greve de três dias) e da coragem individual de alguns líderes religiosos, como dom Paulo Evaristo Arns, a receptividade dos setores organizados foi decepcionante. Entidades da comunidade judaica, por exemplo, se omitiram desde o enterro, ao qual nenhum rabino compareceu (Henry Sobel tinha um compromisso “inadiável” no Rio e ao voltar se posicionou inicialmente contra o ato público). A CNBB igualmente ficou calada e muitos bispos se mostravam contrariados com a decisão de ceder a Catedral da Sé para a cerimônia. Na área sindical, nenhuma entidade se envolveu. O Sindicato dos Jornalistas do Rio -- importante praça jornalística – limitou-se a enviar mensagem de condolências. Os metalúrgicos de São Paulo tinham à sua frente o notório pelego Joaquinzão. Sem chance. A diretoria do sindicato de São Bernardo, presidido por Luis Inácio da Silva, não se manifestou, argumentando que o morto era jornalista e não metalúrgico. Três meses depois o II Exército matava outro preso político – um metalúrgico –, mas São Bernardo manteve-se em silêncio.

Apesar da omissão da imensa maioria de entidades, da bizarra operação do coronel Erasmo Dias para congestionar o tráfego da cidade com 380 barreiras e impedir o acesso à catedral da Sé na sexta-feira, e da onipresente ameaça de repressão, o ato ecumênico, com cerca de oito mil participantes, consagrou-se como o ponto de virada na luta pela democracia no Brasil. Hoje, muitos dos omissos da época pegam carona nesse momento histórico. Omitem que estavam bem longe dali na hora do perigo.Versões de conveniência exaltam uma mobilização de setores da sociedade que jamais ocorreu (setores que só se envolveriam na luta pela democracia após as portas abertas pelo ato ecumênico). Como diz o ditado, a derrota é órfã, mas a vitória tem muitos pais.

Agora, porém, a Internet possibilita a veiculação de depoimentos dissonantes das versões consagradas. Nas palavras de Ben Bradlee aos repórteres Woodward e Bernstein quando as apurações de Watergate não avançavam, “calma, rapazes, a verdade emerge”.

segunda-feira, maio 04, 2009

A saga de Eton, o cartunista-carteiro


Meu querido amigo Edson Dias, o Eton, que trabalhou comigo no Departamento de Imprensa do Sindicato dos Bancários e tem um curriculo ponteado de grandes colaborações como ilustrador da imprensa sindical é um ex-preso politico- foi torturado na mesma cela de Vladimir Herzog, algum tempo depois de seu assasinato. E está muito revoltado, e com razão, com sua luta pela indenização.
Ele era carteiro, liderou uma greve de carteiros em 1975, quando nem havia Sindicato, e era ligado à Frente Nacional do Trabalho. Sequestrado na Praça da Sé, ficou 15 dias sob tortura no DOI-CODI e 15 dias no Deops, de onde foi resgatado por Dom Paulo Evaristo Arns , por sua mãe e pelo coronel que entao dirigia os Correios em SP, e nem ele sabia onde tinha ido parar o carteiro com toda a correspondência a ser entregue.

Depois de muitos anos-- nós nunca soubemos dessa história --, só recentemetne ele me contou, numa madrugada aqui em casa, os horrores pelos quais passou e um dia eu contarei. Coisa inacreditável!

Eton é pessoa de poucas posses- tanto que voltou a trabalhar nos Correios, após ser anistiado, e com mais de 50 anos de idade entrega cartas pelas ruas do centro.

Um militante de coragem impar, que continua até hoje acreditando no seu ideal e coerente com ele, é também um cartunista importante e está na história da imprensa sindical.

Aqui ele conta que o confundiram com um homônimo, leiam só que história incrivel. E está revoltado, porque enquanto Ziraldos recebem seu milhão , pessoas humildes e lutadoras como ele encontram grandes dificudlades, mesmo para serem entendidos e para provar o que passaram.

Boa sorte Eton, é o mínimo que psoso desejar.

O texto que ele me enviou:


"Bom dia! Estou enviando o texto abaixo para amigos meu da imprensa e no exterior . Estaremos em Brasília nesta terça- feira, 5 de maio, uma caravana, com talvez uns 20 onibus de "injustiçados pelo Ministério da Justiça!" e por esta "Comissão", que ao contrário do que acreditávamos, depois da "Temática", não mudou um milimetro das injustiça, que pratica com os anistiados!
Primeiro, dá tratamento diferenciado aos militares, idenizações milionárias e continuadas e eles. Segundo, que começaram pagando salário mínimo para aqueles que são considerados "zé ninguém". Agora não dão idenização, salários mínimos, nem nada. Agora estão dando só diploma! Sei que à imprensa não interessam nossas injustiças, muito pelo contrário, ela acha que os "anistiados em geral, são todos iguais", coisa absurda!
Tão absurdo quanto as excrescências encontradas nos nossos processos! Estive a semana passada analisando-os, embora tendo sido tratados com tanto desleixo, como da outra vez, que estive em Brasília.
As crianças que nos atenderam, e as que compõem o escritório da anistia são despreparadas! Deviam ter pelo menos mais idade e conhecimentos para lidar com o tema, tão complexo. Desconhecem História, e suas especificidades.
Tiveram a audácia de colocar no meu processo, uma ordem de captura do Exército, para a minha pessoa, por ter fugido do quartel em 1947, com a farda e o armamento! Só faltava essa!Só faltava o exército pedir mesmo que eu devolvesse as armas! Eu nasci em 1953, tive passagem pelo exercito em 1973, servi sem nada que desabonasse, minha pessoa, fui cozinheiro, muito querido na terceira companhia do segundo batalhão de guardas no Cambuci, em São Paulo.
O fato de ser militante de esquerda não nos torna soldados, desertores nem ladrões. Isso é resultado de um preconceito (propaganda), construído ao longo do tempo, por nossos inimigos! Se tiver dúvida, é só analisar a vida de Luiz Carlos Prestes! mas... perdão, com certeza nunca ouviram o nome deste senhor.
Até porque os jovens que vão ler esta carta, talvez sejam são como os outros que me atenderam, decerto se tiverem o segundo grau, é muito. Como iriam conhecer o Prestes? Eu sabia dos descalabros aí de Brasília, mas nem pensei que chegassem a este ponto! Sem dúvida das crônicas e livros sobre Hhistória, vão constar estas palhaçada!
Meus amigos são todos escritores e jornalistas, como eu. Com certeza não deixaremos passar despercebido, isto é uma pérola para os humoristas! Pois não nos interessa a grande imprensa tripudiar sobre a anistia que vocês estão transformando em uma palhaçada! Estou mandando mais material impresso, e depoimentos de amigos da imprensa sobre minha pessoa, até porque tem gente mesmo gente que só conhece o Ziraldo, pois lê muito pouco, meus amigos jornalistas acharam que eu estava exagerando em mandar tanto material para vocês. já que quem for estudar imprensa sindical, vai ter que ler sobre minha pessoa.
Mas quando se trata de "analfabetos políticos", é preciso exagerar nas apresentações! Se quiserem podem perguntar para Angeli, Laerte, Fausto, Glauco, sobre minha pessoa, já que só lhe interessa a grande imprensa e as figurinhas carimbadas!Até terça feira dia 5 de maio! Estaremos todos os anistiados na frente do Ministério da Justiça e das comunicações tomando um cafezinho com vocês!

Email mandado, para os blog dos cartunistas e jornalistas em São Paulo

Bira! Estarei viajando pra Brasilia, em protesto! Com mais uns 300 companheiros anistiados, faremos um tumulto frente ao Ministério da Justiça!Vim de Brasilia quinta feira! Fui no congresso, fazer lobby para a decisão do governo de julgar os vetos, (projetos vetados, pelo FHC), coincidência ou não, os mesmos vetos de Fernando Henrique serão endossados pelo Lula. O que deixa transparecer a semelhança nas prioridades de quem governa, como se diz: farinha do mesmo saco!
Fui até a Comissão de Anistia que julga os processos, examinar o meu, qual o meu espanto! Apareceram uns homens de verde oliva dizendo: "Devolva as armas!"
Eu disse: que armas! não tenho arma nenhuma! O que quer dizer isso? Tão me confundindo! Você não é o Edson Dias? Eu disse: Sou! Responderam: "Pois é, tem uma ordem de captura para Edson Dias, e você tem que devolver as armas que levou em 1947 do quartel. Aliás saiu fardado e desertou levando tudo!"

Pois é Bira! de fato, lendo o meu processo, descobri que tinha mesmo esta ordem de captura, tudo no meu nome, mas esqueceram de ler a data do meu nascimento, e do outro Edson Dias! Quando tudo se acalmou eu disse: pelo menos alguém deveria olhar na data do meu nacimento, pois como eu poderia ter roubado um quartel e desertado se eu não tinha nascido?Pois é assim na Comissão de Anistia, eles não lêm nada, vão levando as coisas assim na barriga, e é esse povo que deu um milhão e meio de idenização para o Ziraldo, só porque ele é conhecido, e para mostrar serviço! E eu, Edson Dias que fui militante jonalista, preso e torturado, confundem com um zé mané com o mesmo nome que eu em 1947, e ainda querem que eu devolva, ou fuzis, roubados!
Tô vendo um dia que eles vão cobrar uns trocos nossos, por termos sido demitidos e torturados na época da ditadura!"

Como a ditadura asfixiou a imprensa alternativa

Do Blog do Nassif

Belíssimo levantamento do Estadão, mostrando como a “ditabranda” asfixiou a imprensa alternativa da época, em pleno governo Geisel e com a concordância do Ministro da Fazenda Mário Henrique Simonsen, valendo-se da Receita Federal (clique aqui).

"Uma operação secreta de uso da Receita Federal para exterminar a imprensa alternativa foi desencadeada entre 1976 e 1978 pelo governo Ernesto Geisel (1974-1979), mostram documentos sigilosos da extinta Divisão de Segurança e Informações do Ministério da Justiça (DSI-MJ) obtidos pelo Estado.

Embora notabilizado pela suspensão da censura a jornais, pelo fim da tortura de presos políticos e pela distensão “lenta, segura e gradual”, o general, penúltimo ditador do ciclo militar de 1964, autorizou a ofensiva contra os pequenos veículos em despachos com o então ministro da Justiça, Armando Falcão. O ministro da Fazenda, Mário Henrique Simonsen, concordou com a ação, proposta pelo II Exército - hoje Comando Militar do Sudeste, de São Paulo.

A autorização de Geisel para um ataque fiscal ao jornal Versus está documentada em ofício de 1º de setembro de 1978. Nele, o chefe de gabinete do Ministério da Justiça, Walter Costa Porto, transmite pedido da Polícia Federal para liberar a ação. A resposta vem manuscrita. “Confidencial. Conversei, no despacho de hoje, com o Exmo. Sr Presidente da República, que aprovou a medida”, escreve Falcão. “Prepare-se, assim, o competente expediente ao Sr. Ministro de Estado da Fazenda. Em 11.9.1978. A. Falcão.” Uma lista com Versus e outras 41 publicações que deveriam sofrer o mesmo processo da Receita, entre elas O Pasquim e Movimento, integra o dossiê."

domingo, maio 03, 2009

"Os jornalistas e sua greve: consciência de classe e debate político-2"




Foto Jesus Carlos

Decretação da greve em assembleia no Tuca, 22 de maio de 1979.





Excertos do artigo de Marco Antonio Roxo da Silva, apresentado no II Encontro Nacional da Rede Alfredo de Carvalho (Florianópolis,2004) mestrado em comunicação pela Universidade Federal Fluminense em 2003 com dissertação sobre o mesmo tema.


"A greve em questão ocorreu em maio de 1979. Os jornalistas de São Paulo reivindicavam 25% de aumento salarial e imunidade para os representantes sindicais nas redações. Duas assembléias foram realizadas. A primeira, na Igreja da Consolação, no dia 17 de maio, com presença de 1.500 jornalistas. A proposta de greve, apesar de aprovada, não atingiu o quorum qualificado de dois terços dos votantes, conforme deliberado pelo Comando Geral de Mobilização. A segunda, no início da noite do dia 22 daquele mês, no teatro da PUC de São Paulo, o TUCA, contou com a presença de 1.692 jornalistas. A proposta de greve geral foi aprovada por 90% dos profissionais presentes. Não houve propostas alternativas. Somente um voto contra.

Mesmo diante dessa unanimidade, os sindicatos patronais (de jornais e revistas, rádio e televisão) não modificaram a proposta inicial de 16% de antecipação, a ser descontada na data base da categoria, em dezembro do mesmo ano. Diante do impasse, no dia 28 do mesmo mês, o Tribunal Regional do Trabalho, por unanimidade, julgou a greve ilegal. O resultado abriu espaço para a retaliação das empresas, que iniciaram um processo de demissão de mais de 200 grevistas.


(...) Perseu Abramo, rememorando a greve dez anos depois, afirmou que o movimento teve duas motivações básicas: a primeira, a luta por melhores condições de trabalho; a segunda, o clima geral do país. “Naquela época todo mundo entrava em greve”.

Principal liderança do Teatro de Arena de São Paulo nos anos 1960. Criador do Teatro do Oprimido, metodologia internacionalmente conhecida que alia teatro a ação social.



Tem vários livros teóricos sobre o seu fazer teatral: O Teatro do Oprimido e Outras Políticas Poéticas, 1975; 200 Exercícios para Ator e o Não-Ator com Vontade de Dizer Algo através do Teatro, 1977; Técnicas Latino-Americanas de Teatro Popular, 1979; Stop: C'est Magique, 1980; Teatro de Augusto Boal, , vol. 1 e 2, 1986 e 1990; Jogos para Atores e Não Atores, 1988; Teatro Legislativo, 1996. Escreve dois textos autobiográficos, Milagre no Brasil, em 1977, e Hamlet e o Filho do Padeiro, em 2000.

Alguns prêmios no exterior: Officier de l'Ordre des Arts et des Lettres, outorgado pelo Ministério da Cultura e da Comunicação da França, em 1981, Medalha Pablo Picasso, atribuída pela Unesco em 1994. Em 2009, é nomeado embaixador mundial do teatro pela Unesco.

Disse o crítico Yan Michalski: " Até o golpe de 1964, a atuação de Augusto Boal à frente do Teatro de Arena foi decisiva para forjar o perfil dos mais importantes passos que o teatro brasileiro deu na virada entre as décadas de 1950 e 1960. Uma privilegiada combinação entre profundos conhecimentos especializados e uma visão progressista da função social do teatro conferiu-lhe, nessa fase, uma destacada posição de liderança. Entre o golpe e a sua saída para o exílio, essa liderança transferiu-se para o campo da resistência contra o arbítrio, e foi exercida com coragem e determinação. No exílio, reciclando a sua ação para um terreno intermediário entre teatro e pedagogia, ele lançou teses e métodos que encontraram significativa receptividade pelo mundo afora, e fizeram dele o homem de teatro brasileiro mais conhecido e respeitado fora do seu país".



Chico para Boal




Indicado ao Nobel da Paz em 2008



Imagens do projeto Teatro do Oprimido nas Escolas desenvolvido pelo CTO-Rio em 2006 e 2007