quinta-feira, setembro 25, 2008

Sertão

Foto António José Ribeiro


Tudo será
esquecido


Tudo será
aprendido


Tudo terá
se fingido


Tudo sertão

quarta-feira, setembro 17, 2008

HERÓI. MORTO. NÓS.



Lourenço Diaféria nasceu no Brás e era um grande cronista da cidade. Da gente humilde, anônima, desta São Paulo de tão escondidos encantos.
Achei lindo o titulo de seu último livro
"Mesmo a noite sem luar tem lua".

Soube há pouco que ele se foi, aos 75 anos(
28 de agosto de 1933/ 16 de Setembro de 2008, sob o signo de Virgem)
Em 1 de setembro de 1977 publicou estra crônica na Folha, que lhe valeu a demissão, a prisão e um processo pela Lei de Segurança Nacional. (A estátua de Caxias fica lá, perto da Folha).
Era um homem de bem, um jornalista decente, um grande cronista. Tudo o que nos faz falta.Estes últimos meses têm nos levado muitos dos bons, insubstituíveis.
Mas mesmo a noite sem luar tem lua...

Herói. Morto. Nós


"Não me venham com besteiras de dizer que herói não existe. Passei metade do dia imaginando uma palavra menos desgastada para definir o gesto desse sargento Sílvio, que pulou no poço das ariranhas, para salvar o garoto de catorze anos, que estava sendo dilacerado pelos bichos.

O garoto está salvo. O sargento morreu e está sendo enterrado em sua terra.

Que nome devo dar a esse homem?

Escrevo com todas as letras: o sargento Silvio é um herói. Se não morreu na guerra, se não disparou nenhum tiro, se não foi enforcado, tanto melhor.

Podem me explicar que esse tipo de heroísmo é resultado de uma total inconsciência do perigo. Pois quero que se lixem as explicações. Para mim, o herói -como o santo- é aquele que vive sua vida até as últimas consequências.

O herói redime a humanidade à deriva.

Esse sargento Silvio podia estar vivo da silva com seus quatro filhos e sua mulher. Acabaria capitão, major.

Está morto.

Um belíssimo sargento morto.

E todavia.

Todavia eu digo, com todas as letras: prefiro esse sargento herói ao duque de Caxias.

O duque de Caxias é um homem a cavalo reduzido a uma estátua. Aquela espada que o duque ergue ao ar aqui na Praça Princesa Isabel -onde se reúnem os ciganos e as pombas do entardecer- oxidou-se no coração do povo. O povo está cansado de espadas e de cavalos. O povo urina nos heróis de pedestal. Ao povo desgosta o herói de bronze, irretocável e irretorquível, como as enfadonhas lições repetidas por cansadas professoras que não acreditam no que mandam decorar.

O povo quer o herói sargento que seja como ele: povo. Um sargento que dê as mãos aos filhos e à mulher, e passeie incógnito e desfardado, sem divisas, entre seus irmãos.

No instante em que o sargento -apesar do grito de perigo e de alerta de sua mulher- salta no fosso das simpáticas e ferozes ariranhas, para salvar da morte o garoto que não era seu, ele está ensinando a este país, de heróis estáticos e fundidos em metal, que todos somos responsáveis pelos espinhos que machucam o couro de todos.

Esse sargento não é do grupo do cambalacho.

Esse sargento não pensou se, para ser honesto para consigo mesmo, um cidadão deve ser civil ou militar. Duvido, e faço pouco, que esse pobre sargento morto fez revoluções de bar, na base do uísque e da farolagem, e duvido que em algum instante ele imaginou que apareceria na primeira página dos jornais.

É apenas um homem que -como disse quando pressentiu as suas últimas quarenta e oito horas, quando pressentiu o roteiro de sua última viagem- não podia permanecer insensível diante de uma criança sem defesa.

O povo prefere esses heróis: de carne e sangue.

Mas, como sempre, o herói é reconhecido depois, muito depois. Tarde demais.

É isso, sargento: nestes tempos cruéis e embotados, a gente não teve o instante de te reconhecer entre o povo. A gente não distinguiu teu rosto na multidão. Éramos irmãos, e só descobrimos isso agora, quando o sangue verte, e quanto te enterramos. O herói e o santo é o que derrama seu sangue. Esse é o preço que deles cobramos.

Podíamos ter estendido nossas mãos e te arrancando do fosso das ariranhas -como você tirou o menino de catorze anos- mas queríamos que alguém fizesse o gesto de solidariedade em nosso lugar.

Sempre é assim: o herói e o santo é o que estende as mãos.

E este é o nosso grande remorso: o de fazer as coisas urgentes e inadiáveis -tarde demais.

sexta-feira, setembro 12, 2008

Longa é a arte



"Em homenagem ao poeta Paulo Leminski, Rubens Jardim cravou Herrar é Umano --transferência de um código verbal gasto para um código visual inovador", diz a legenda da foto no interessantíssimo site do poeta

http://www.rubensjardim.com

falando sobre os trabalhos apresentados na I Bienal Internacional de Poesia de Brasília, realizada de 3 a 7 de setembro.
Ele diz:

"Coloco aqui esta mensagem com o intuito de mostrar minha admiração pelos critérios democráticos que nortearam a realização da l Bienal Internacional de Poesia de Brasília. A minha participação é a prova mais cabal disso. Afinal, não pertenço a nenhum grupo, não me tornei celebridade em nenhuma área, não sou parente dos irmãos Campos, não tenho poesia traduzidas para o francês, não é meu hábito puxar o saco de ninguém, e nem recebi premiação em nenhum concurso. Sou apenas mais um poeta –já meio velho--mas incansável na luta honesta e diária com as palavras."

Rubens Jardim fez parte do movimento Catequese Poética, liderado pelo poeta catarinense Lindolf Bell.
http://www.lindolfbell.com.br/home.php
Belissimo site

Bell ia ao nosso colégio estadual, na zona norte de São Paulo, declamar, como declamava pelas ruas e viadutos.
Eu me lembro, eu me lembro:

"Eu sou da geração das crianças traídas"

Nós tínhamos um grupo chamado "Roda de Poesia", não sei se antes ou depois dele, e nos apresentávamos em colégios da região.
Uma roda, um violão, garotas e rapazes declamando seus poemas.
Preciso contar essa história melhor dia desses, porque tenho o roteiro de uma dessas apresentações, e poemas de uns e de outras.

Ao Rubens Jardim, que é um grande poeta, e trava sua" luta honesta e diária com as palavras", agradeço por me lembrar dessas coisas tão boas.

Não é fácil lutar com as palavras em qualquer tempo, nada fácil em tempos tão atravessados e oblíquos como estes.

Entro na página de Lindolf Bell, pontuada por poemas que faíscam e concordo:

"Nada é em vão, embora pareça o contrário".














quinta-feira, setembro 11, 2008

Qué es Bolívia?

Não nos conhecemos, povos , poetas e escritores da América Latina.

Aqui, o poeta e cineasta boliviano Alfonso Gumucio Dagron

Test

¿Qué es Bolivia?

¿Un conglomerado de cadáveres?
¿Un colectivo lleno de militares?
¿Una masa enorme de tierra silenciosa?
¿Una planicie de rostros terrosos?
(Impasibles miradas cansadas de esperar)
¿Una altitud de cartón-piedra?
¿Una caída vertical de la pobreza a la nada?
¿Un grupo de niños pijes de anchas corbatas?
¿Una cadena de resentimientos y mentiras?
¿Un puñado de crímenes detrás de la basura?
¿Un niño muerto en una caja de zapatos?
¿Un libro de poemas que arde porque sí?
(Porque invade la sangre de quien lo lee)
¿Un escritorio, dos escritorios, tres escritorios?
¿Una tienda de campaña?
¿Una lluvia pasajera?
¿Un costal de títeres quemados?
¿Un periodista que siempre cae parado?
(Como trípode con un rollo de dólares
que le alegra el ano)
¿Una página menos, siempre tan lejos
de la historia?
¿Un grupo de universitarios confundidos?
¿Un poema, dos poemas, este poema?
Escoja solamente diecinueve respuestas.

Ni una menos.



Bolívia, 11 de setembro








Santiago do Chile, março de 1973

Foto Elizabeth Lorenzotti


















Reuters/Terra Magazine -Bolivia, 11 de setembro de 2008


Em março de 1973, em Santiago do Chile, que enfrentava prolongada greve de caminhoneiros e e intervenções dos EUA nos bastidores contra o governo socialista de Salvador Allende, manifestações de rua tentavam defender o governo eleito contra as tramas do golpe.

Em 11 de setembro de 1973, o bombardeio de La Moneda, a morte de Allende , as prisões e assassinatos iniciavam o periodo de trevas regido pelo general Pinochet, que hoje o mundo todo sabe quem foi e o que fez .

No mesmo dia,35 anos depois, a Bolivia estuda decretar estado de sítio contra uma série de atentados terroristas e parece que, mais uma vez, a Historia se repete. Tomara que não.
Sabotagem de gasodutos, invasão de prédios públicos, conflitos nas ruas.

O Cônsul-geral da Bolívia em Mato Grosso - estado que faz fronteira com o departamento de Santa Cruz de La Sierra, Victor Cuba faou ao Terra Magazine que há setores descontentes com a vitória do presidente Evo Morales nas urnas, que "financiam" os protestos contra a nova proposta de Constituição:

- Há interesses. A nova Constituição não muda muitas coisas, mas toda em um problema básico: a questão das terras. E não é o pobre que tem a terra na Bolívia - afirma."

Hoje, o Terra Magazine, em matéria de Diego Salmen, entrevista o deputado Florisvaldo Fier, o Dr. Rosinha, presidente do Parlamento do Mercosul. Que compara:

"Naquela ocasião foi financiada pelos Estados Unidos, e agora novamente os Estados Unidos estão por trás de todo esse processo - acusa Rosinha, que também é deputado na Câmara federal pelo PT paranense."

"O presidente do Parlasul levanta, em entrevista a Terra Magazine, a possibilidade de o governo dos Estados Unidos ter "um dedo" no conflito boliviano. Ele propõe que o Grupo de Amigos da Bolívia (Brasil, Colômbia e Argentina) se reúna para discutir a crise no país.

Rosinha também critica a elite boliviana, que segundo ele mantém vínculos com as ditaduras militares que já governaram o país.

- Para você ter uma idéia: 50 anos atrás, essa maioria (indígena) era proibida de entrar na praça Murillo, que é a praça em frente ao palácio do governo. Quer dizer, imagina que elite é essa."

Ouvi de um amigo uma vez o relato de entrevista com uma miss boliviana, loira tinta, que comentava com o repórter :

"Nem todos os habitantes da Bolívia são índios, como você está vendo".






quarta-feira, setembro 10, 2008

A rolinha e seu ninho

Foto blog Liperama

Minha querida amiga Maria Inez, uma pessoa de grande sensibilidade e força interior me conta essa linda historinha.
Coisas que continuam a ocorrer com harmonia na natureza, enquanto nós, os homens...


"No meu jardinzinho na frente da casa tem um arbusto de uns 3 metros de altura...sabemos que sempre há ninho de passarinho mas nunca flagramos ovos ou bebês. Eis que há 25 diasmais ou menos vimos uma rolinha sentadinha sobre um ninho arquitetonicamente construído...ela ficou todo esse tempo quieta, imóvel sobre o ninho e depois que nasceram 2 filhotes continua lá cumprindo sua missão até o "desmame". que disciplina!!!!!!!!!!já choveu, ventou, fez calor e ela lá. O macho se encarrega de alimentá-la e a família está em paz. Será que alguém ensinou o que fazer?"

sábado, setembro 06, 2008

Machado, escritor e vidente

O que o meu amigo Antonio Romane achou num livro de Lucia Miguel-Pereira sobre Machadão jornalista, aos 20 e poucos anos




terça-feira, setembro 02, 2008

Candido: O direito à literatura

Foto Jornal da Unicamp


Escrevi esta matéria para a edição de agosto da revista Panorama Editorial

Ele é um dos maiores intelectuais do país e completou 90 anos no dia 24 de julho. Embora afirme que “quase nonagenário, não posso dizer coisas novas”, acompanhar a linha de pensamento deste professor de tantas e tantas gerações é sempre um exercício enriquecedor e esclarecedor.

Escolhido para receber o troféu Juca Pato de Intelectual do Ano de 2007, Antonio Candido de Mello e Souza foi considerado "uma das inteligências mais completas e influentes da cultura brasileira contemporânea" e "autor de várias obras de análise, interpretação e avaliação crítica do principal acervo literário do Brasil e da herança européia”.
Mas para além de sua grande obra, Candido é um homem simples e generoso, bem humorado e humano. Um mineiro nascido no Rio, ele mesmo se define-criado em Cássia e em Poços de Caldas onde seu pai, o médico Aristides de Mello e Souza, foi o primeiro diretor das Termas Antonio Carlos.

Nasceu e cresceu em casas cheias de livros, o pai e a mãe tinham bibliotecas separadas, não só de medicina, mas de literatura, história, filosofia. Em 1989, Candido e seus irmãos Roberto e Miguel doaram 3.528 livros à Biblioteca Central da Unicamp, mediante o pedido de que a coleção ganhasse o nome do pai. A maioria dos livros pertencia ao professor.

Quando era criança, o pai costumava ler e explicar todas as noites, depois do jantar, certos textos em português ou francês que julgava oportunos. Entre 13 e 14 anos Candido ouviu o pai ler muito de Os Sertões, na primeira edição que possuía.

Ele aponta a estadia em Paris- para onde o pai foi se aperfeiçoar, entre 1928 e 1929 e a ida, em 1930, para Poços de Caldas “que contava com uma livraria excelente, com livros franceses e ingleses além dos nacionais”, como pontos importantes de sua formação. Cândido tornou-se freguês assíduo. Conta o professor que “foi ela a única, em toda a minha vida, onde vi à venda o raríssimo Serafim Ponte Grande, de Oswald de Andrade, cuja tiragem foi mínima e quase não circulou”.

Com acontecia muito naquela época, Candido não freqüentou escola regular no primário, apenas três meses. A mãe o ensinou em casa: a ler, a escrever, aritmética, geografia, história, um pouco de francês. Em Poços fez o quinto ano primário, chamado "curso de admissão" ao ginásio.

Além de sua mãe e de uma professora na França, houve outra pessoa que muito ensinou o jovem Candido: dona Teresina Carini Rocchi, de quem escreveu a biografia no livro Teresina e etc. (Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1980).

A velha militante anarquista era amiga da mãe de Candido. “Ela me iniciou no mundo da cultura italiana além de contribuir para o meu interesse pelo socialismo. Cantávamos juntos canções e trechos de ópera, ela me fez ler muitos autores italianos cujos livros me dava e em geral falava italiano comigo”.

O pai queria que ele fosse médico, mas segundo ele mesmo, “graças a Deus”, foi reprovado nos exames para a Faculdade de Medicina. Em 1939 entrou no vestibular para as faculdades de Direito e Filosofia. Não terminou o curso de Direito, porque foi nomeado professor-assistente de Filosofia e casou-se com sua companheira da vida inteira, Gilda de Mello e Souza, falecida em 2005. Ela fazia parte do grupo de colegas, também amigos da vida inteira, desde os bancos da faculdade, com os quais fundou a revista Clima, na época da Segunda Guerra.

Era uma revista de cultura, feita por jovens universitários, praticamente a mesma equipe que depois fundou e colaborou com o Suplemento Literário do jornal O Estado de S. Paulo e tornou-se conhecida como a primeira geração de críticos saídos da USP. Ele conta: “Nós temos consciência de nos termos formado uns aos outros: Antônio Branco Lefèvre, estudante de medicina e depois jovem médico naquela altura, que se tornou um dos maiores neuropediatras do Brasil, foi crítico de música da revista; Lourival Gomes Machado era professor de política e ao mesmo tempo crítico de artes plásticas, tendo reorganizado a Faculdade de Arquitetura como diretor; Décio de Almeida Prado, ensinava filosofia no Colégio Universitário e era crítico de teatro; Rui Coelho, que tinha um saber universal, era especialista em personalidade e cultura, professor de sociologia, praticante do teste de Rorscharch, mas escreveu um livrinho sobre Proust e foi crítico de cinema. A nossa turma era assim”.

Um dos seus mais belos e importantes textos chama-se O direito à literatura, em Vários Escritos (São Paulo, Duas Cidades, 1995). Ele a coloca entre os direitos fundamentais.

O professor fala, no texto, sobre o poder universal dos grandes clássicos, “que ultrapassam a barreira da estratificação social e de certo modo podem redimir as distâncias impostas pela desigualdade econômica, pois têm a capacidade de interessar a todos e devem ser levados ao maior número”.

“Lembro de ter conhecido na minha infância, em Poços de Caldas, o velho sapateiro italiano Crispino Caponi, que sabia o Inferno completo e recitava qualquer canto que se pedisse, sem parar de bater as suas solas”.

Para Candido, a literatura “humaniza em sentido profundo, porque faz viver”.

E o que entende ele por humanização?“ O processo que confirma no homem aqueles traços que reputamos essenciais, como o exercício da reflexão, a aquisição do saber, a boa disposição para com o próximo, o afinamento das emoções, a capacidade de penetrar nos problemas da vida, o senso de beleza, a percepção da complexidade do mundo e dos seres, o cultivo do humor. A literatura desenvolve em nós a quota de humanidade na medida em que nos torna mais compreensivos e abertos para a natureza, a sociedade, o semelhante”.

O Brasil é feliz por contar com Antônio Candido.




Candido: O prazer de ler

Eu perguntei ao professor o que recomendaria para despertar o gosto pela leitura em um adolescente de hoje, não muito interessado pelas letras. Ele respondeu:
“No meu tempo eu saberia indicar, hoje eles gostam de Harry Potter, que nem sei o que é, e tenho medo de parecer bobo”.
Mas não parecerá bobo jamais quem recomenda clássicos universais para os jovens.
Na época da Segunda Guerra, Candido foi professor de um colégio alemão que se desnasificava. “Eu conquistei os alunos com As Minas do Rei Salomão, do inglês, Henry Rider Haggard, traduzido por Eça de Queiroz. (Livros Horizonte, Lisboa, 2000) Eles resistiam à leitura e adoraram. Tudo depende da forma como se apresenta o livro”, afirma.
Sim, e como lembra a ex-aluna Telê Ancona Lopez, Candido ensinava a importância fundamental do texto, valorizando a imaginação crítica, a cultura. “Quando se estuda a literatura brasileira, se vê ao mesmo tempo as correlações com as artes, a música. A literatura não se isola”. Esta é uma grande forma de despertar nas pessoas o prazer de ler.
Livros de aventuras despertam o prazer da leitura, diz o professor que, quando moço adorava a coleção Terra, Mar e Ar, com Kipling, Mark Twain, as aventuras de Tarzan, de Tom Sawyer, A Volta ao mundo em 80 dias, e tantas outras.
Ele indica todos os livros de Alexandre Dumas, de Os três mosqueteiros e O Conde de Monte Cristo, a Vinte anos depois.
E lembra-se do método que o pai usava para aproximar os filhos da leitura: “Por exemplo: um belo dia, quando eu tinha mais ou menos nove anos, meu irmão do meio, sete, e o caçula, seis, ele nos deu os dois volumes alentados do Larousse universal, dizendo: "brinquem com isto". E nós começamos a brincar, a ver as pranchas coloridas com mapas, uniformes, mamíferos, répteis, borboletas, peixes etc. Depois de passar um ano colorindo perucas de personagens históricos, pondo bigodes em imperadores romanos, cavanhaque em Luís XIV e coisas assim, tínhamos adquirido bastante familiaridade com muitos verbetes e aprendido um pouco de francês, reforçado pelas lições de minha mãe com o método Berlitz”.
Antonio Candido não é pessimista em relação à moderna cultura do audiovisual. Acentua que na nossa maior fonte cultural, a civilização grega, as obras eram feitas para serem ditas ou cantadas, o registro escrito vinha depois. Talvez a imagem e a oralidade possam imperar nesta terceira revolução industrial, mas ele não consegue imaginar.
Entretanto, afirma que uma coisa é certa: “Não é possível haver sociedade humana sem arte e sem literatura, pois o homem tem necessidade quotidiana, imperiosa e inadiável de satisfazer a fantasia, desde as formas mais modestas, como a anedota e os grafitos, até as mais altas, como o poema organizado e a estátua. Mas em nosso tempo de crise das normas, a mistura de tudo parece ter gerado a dissolução dos parâmetros, de modo que numa exposição de arte, por exemplo, ficamos sem saber se um trator em cima de um monte de jornais pode ser avaliado como se avalia um quadro de Picasso ou uma estátua de Moore”.

Candido:“Sou essencialmente um professor”

“Se me perguntassem o que sou essencialmente, eu diria, grifando, que sou professor. Ensinei sociologia, ensinei literatura, mas antes de ser professor disso ou daquilo, não sei se me faço entender, sou visceralmente professor,grifado. Tenho gosto e vocação para transmitir aos outros o que sei, e como costumava dizer Antônio de Almeida Júnior, o professor não é obrigado a criar saber, mas sim a transmiti-lo. Esta foi a tarefa que sempre me atribuí. (.) Repito: o que gosto mesmo é de dar aula. Se possível, sem ser interrompido”.
(Antonio Candido em entrevista concedida em junho de 1993 a Gilberto Velho e Yonne Leite, do Museu Nacional da UFRJ).

Antonio Candido formou várias gerações de estudantes de Letras em 36 anos de docência em Teoria Literária e Literatura Comparada na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP. Quando se viaja pelo país, por exemplo, participando de algum evento nesta área, encontra-se sempre alunos formados por ele na graduação, no mestrado, no doutorado, ou em cursos de especialização. Alguns, por exemplo, daqui de São Paulo, como Roberto Schwarz, Telê Ancona Lopes, Vera Chalmers, Marisa Lajolo, Davi Arrigucci Jr, Walnice Nogueira Galvão, entre outros.
Marisa Lajolo, atualmente na Universidade Mackenzie e professora colaboradora da Unicamp foi sua sua aluna da graduação, nos anos 1960, quando a disciplina Teoria Literária recém havia ingressado no currículo de Letras. Depois foi sua orientanda na pós-graduação, Mestrado e Doutorado, já nos anos 1970.
Para Marisa, “Antonio Cândido é um grande professor. Mestre, no sentido maior do termo. A mim - além dos conteúdos- ensinou sobretudo respeito pelos alunos e interesse sincero por suas questões. Ele jamais humilhou nenhum aluno apesar de sua infinita sabedoria. Dava aulas de forma simples, comentava os trabalhos de cada um assinalando o que de melhor tínhamos. E - como faz até hoje- temperava tudo isso com um humor fino e inteligente”.
“É meu professor por toda a vida, sinalizou rumos no meu trabalho com a literatura”, afirma outra ex-aluna, Telê Ancona Lopez, igualmente graduada, mestrada e doutorada na USP com Antonio Candido como orientador. “Um professor que principalmente mostra em cada passo dele a valorização da ética,
a importância do intelectual-cidadão, interessado nos rumos do país, preocupado com o seu desempenho enquanto professor, enquanto critico”.
O tema de pesquisa de Telê, professora titular da USP é Mário de Andrade, de cujo arquivo é curadora no Instituto de Estudos Brasileiros, (IEB). E, claro, esse tema veio das aulas de Candido. “Eu fazia um curso de especialização em Teoria Literária com o professor, e ele começou a nos dar o poema Louvação da Tarde, contando que existia uma marginália fantástica de Mário de Andrade na Bilioteca. Eu levantei a mão e disse: “Quero fazer nas férias de julho!Imagine, estou fazendo até hoje...”
O papel do intelectual-cidadão também é destacado por Vera Chalmers, professora convidada da Unicamp: ”“Antonio Candido é um mestre no sentido pleno da palavra, um formador de pessoas a quem ensina a buscar a verdade, ainda que difícil”.
Ele formou não só grandes intelectuais e professores. Como sempre acontece, muitos de seus ex-alunos de Letras seguiram outras profissões, mas levaram seus ensinamentos pela vida afora. Como a assessora de moda Sonia Montana, sua aluna de graduação na década de 1970: “O professor me ensinou coisas que usei na educação de meus três filhos”.

segunda-feira, setembro 01, 2008