quarta-feira, setembro 16, 2009

Paula Brito, 200 anos, vale a pena conhecer

Ipanema 1902
Marc Ferrez
Foto do ótimo Blog do Bueno



Já que tudo está mesmo uma merda, vamos ter saudades do que não vivemos. Como o Rio de Janeiro de 1900. Assim, preto e branco. Assim, Ipanema com algumas casinhas. Estive lá semana passada para a expo do saudoso Tide Hellmeister.

Sempre amei o Rio de Janeiro, sempre nas minhas retinas. Desta vez, entretanto, senti algo estranho no ar, algo diferente, algo, sei lá, um tanto triste. Talvez as histórias do cotidiano que me contaram, ali mesmo, em Ipanema.

Mas a vista lá de cima, de Santa Tereza, por exemplo, continua encantadora.

Estive também no centro, que não conhecia. Almoçamos num restaurante do Arco do Teles onde, dizem, morou Carmem Miranda. Depois, virando à esquerda, na rua do Ouvidor, 37, encontrei a simpaticissima livraria Folha Seca, homenagem ao talento do jogador Didi. Especializada em Rio de Janeiro, futebol, cultura popular, espaço caloroso com o espírito das antigas livrarias cariocas, que eram pontos de encontro de escritores, músicos, e tantos.

Rodrigo Ferrari, o dono, está programando o resgate de Francisco de Paula Brito, que tinha sua livraria lá pelos anos de 1830, na então Praça da Constituição, hoje Tiradentes. Ficava numa esquina e era chamada Loja do Canto, e foi o primeiro ponto de reunião de intelectuais da época.

Verdadeiro multimidia, o mulato Brito era poeta, dramaturgo, comerciante,tipógrafo, jornalista,escritor e autor de lundus e no dia 2 de dezembro de 2009 faria 200 anos. Este o evento que Rodrigo quer promover, o Ano Paula Brito na Folha Seca. Ele conta que esse grande brasileiro foi o primeiro a conseguir furar o monopólio estrangeiro na venda de livros no Rio de Janeiro, primeiro também a publicar um artigo de Machado de Assis (que aliás, teve como primeiro emprego um cargo de auxiliar de tipógrafo na loja do homenageado).

Achei a livraria a cara do Tinhorão e falei com o Rodrigo da minha biografia do polêmico jornalista e pesquisador que está no prelo-- e já tarda! Entao ele me trouxe um xerox de um artigo do próprio, na revista Cultura, de 1978, afirmando que " a música popular, entendida como obra de músicos e letristas conhecidos, e produzida inicialmente para divulgação sob forma escrita é contemporânea do aparecimento das primeiras gerações de poetas românticos no Rio de Janeiro".

Tinhorão cita a livraria de Paula Brito como "um local em que escritores e artistas se encontravam para conversar num clima que não era mais o das academias clássicas, mas o dos bate-papos literários, políticos e mundanos da tradição dos cafés européus, estilo Café procope, de Londres, ou do Café de la Régence, de Paris".

Lá foi criada a Sociedade Petalógica, a palavra peta quer dizer mentira. Machado a classficava como uma agremiação "lítero humorística". Os româticos todos do Rio se reuniam lá, que maravilha hein?

Tinhorão diz que Paula Brito tinha tudo para assumir o papel de mediador entre a cultura popular e a da elite dos anos de transição para o Segundo Império. "Um papel tão bem representado, desde logo, pelo emprego da arte poética na criação de versos destinados a simples lundus cheios de segundas intenções, como seu famoso "A marrequinha de Iaiá", de 1853."

Rodrigo quer a partitura da Marrequinha, pra tocar no evento, e Tinhorão disse que vai buscar, ver se por acaso foi digitalizada, no seu acervo no Instituto Moreira Sales.
O "lundu para piano"de Brito fazia jogo de palavras, malicioso como os lundus eram, entre uma parte do vestuáriodas moças ( que servia para alargar os quadris) e "alguma outra particularidade anatômica sexualmente apetecivel".

Se dançando à brasileira
Quebra o corpo a iaiazinha
Com ela brinca pulando
Sua bela marrequinha
Iaiá não teime
Solte a marreca
Se não eu morro
Leva-me a breca
Quem a vê terna e mimosa
Pequenina e redondinha
Não diz que conserva presa
Sua bela marrequinha.
Cita Tinhorão outros dois lundus de Brito: Ponto Final e Viva São João.E acredit que ele deva ter composto muitos outros, mas até 1978 era o que se conhecia desta atividade de Brito, que não é citada por seus biógrafos.

Taí um pedaço do Rio de Janeiro que continua, sempre ,valendo a pena: o cultivo de sua rica cultura. E gente como Rodrigo Ferrari, disposto à tarefa.