João do Rio e Lima Barreto: almas encantadoras das ruas cariocas
Meu amigo e colega jornalista Gutemberg Medeiros defendeu ontem, 14 de abril, na ECA-USP sua excelente tese de doutorado “Urbanidade e metajornalismo nas matrizes da Modernidade: memória textual nas produções de Lima Barreto e João do Rio no início do século XX". Durou mais de 4 horas, com intervenções preciosas dos professores da banca. O trabalho foi orientado pela professora Terezinha Tagé, de cujo grupo de pesquisa fazemos parte, e já falei aqui: Textos da Cultura em Mídias Diferenciadas, na pós-graduação em Ciências da Comunicação.
Como cheguei atrasada, peguei a discussão interesantissima, já pelo meio. E o alentado trabalho do Gutemberg abre as considerações finais com o verso do Paulinho da Viola "A vida não cabe num samba curto".
Trata de dois mulatos cariocas: Lima Barreto, o do Memórias do Escrivão Isaias Caminha, roman à clef sobre o Correio da Manhã, pelo qual foi expurgado do jornal até depois da morte - e quem descobriu que seu nome era impublicável foi o jornalista Sergio Augusto, que trabalhou lá no suplemento de cultura nos anos 1960.
E João do Rio, o daquela Alma Encantadora das Ruas, que, esperto, resolveu sair da exclusão via um acordo com a influente colônia portuguesa no Rio: criou a revista Atlântica, patrocinada pelo DIP de Vargas e pela ditadura de Salazar.
Mas, lembra Gutemberg, tinha maravilhosos artigos de gente como Graciliano Ramos e que tais.
Quando ele morreu, os portugas, donos das frotas de táxi, abriram seus carros gratuitamente para o povo, e muitos cariocas andaram de táxi pela primeira vez.
Claro que a tese do Gutemberg é muito mais que isso, aqui dei apenas um gostinho. E quando for publicada eu aviso que não é coisa chata de ler, as teses desse grupo são preciosos aportes à comunicação e sua visão de mundo é ampla.
“O mundo é uma ilha de edição”
Disse a professora Jerusa de Carvalho Pires Ferreira, na banca, citando seu conterrâneo baiano, o poeta Wally Sailormoon, ou Salomão, sugerindo a publicação da tese, claro, com uma boa edição.
Ensaísta e professora de Literatura e Comunicação Social, Jerusa é um dos grandes nomes dessa área, atualmente na PUCSP, onde coordena há mais de 10 anos o Centro de Estudos da Oralidade e onde organizou mais de dez colóquios e seminários internacionais. Lembrou também que Odorico Mendes, tradutor maranhense de Homero, disse uma vez: “Só Deus é original”.
E lembrou de seu trabalho, uma pesquisa no que chamamos de periferia, a Cultura das Bordas, que levou mais de 20 anos-e foi publicada na França, mas aqui ainda não-, e entre elas aquela sobre os editores Fittipaldi, sim, do mesmo ramo dos automobilistas. Saverio Fittipaldi chegou ao Rio em 1913, depois voltou para a Itália na guerra, depois retornou ao Rio e foi ser vendedor de jornais. Adorava o jornal O Pais e as crônicas de João do Rio. Certo dia, aparece o próprio na sua frente. Ele o descreve vestido como “um centurião romano”- era um dândi o João. E o jornalista e escritor diz: “Há muitos anos eu precisava de um vendedor de jornais capacitado como você”. Naquele momento criou-se a Editora João do Rio (1921-1937).
Mais tarde, em São Paulo, Saverio criou a Editora das Américas, que publicou clássicos como Dante, Virgilio, Tolstoi, Victor Hugo.
A grande matriz de Saverio e de João, entretanto, era a imprensa. Uma das histórias que pessoas sérias e entusiasmadas da academia, como Jerusa, descobrem para nós.