terça-feira, outubro 05, 2010

Clínica Tobias Blues

Noite ocidental

(Pensando em Roberto Piva)

Um poema está escrito no lençol que voa do armário no caminhão de mudanças
Da Gare de Lyon até Santa Cecília é noite no Ocidente
Na hora sem estrela o poeta flana
Madrugada de ecos
“Oh cidade de lábios tristes e trêmulos onde encontrar
Asilo na tua face?”
Não é de plumas seu discurso
É canino pontiagudo.
Heterodoxo e numinoso
Sangra a carne no Restaurante Brasileiro
Brada o poeta gesticulando
ecoa Hölderlin
“e para que ser poeta em tempos de penúria”?
Enquanto seus coturnos pisam corações desavisados
Predador voraz de décadas
Caçador de ovos azuis e coxas sem celulite

A vida sempre foi andar

Na hora sem estrela o poeta flana
cidade de pedras e luz
esconderijos escancarados

nem pai, nem mãe, nem mestre
quando o rouxinol gorjear será a hora
dos garotos que passam e de esticar o olho esquerdo

poetas bêbados confraternizam na madruga
estalando línguas
escorre do caminhão de lixo um livro de poemas sujos.

São Paulo, 4 de outubro de 2010