Mephisto, do diretor István Szabó, com Klaus Maria Brandauer (1981).
Na Alemanha de 1930, o ator Hendrik Höfgen importa-se mais com sua ascensão do que com política,e então vende sua alma ao diabo. Começa a interpretar peças de propaganda nazista para o Reich, e logo acaba se transformando no mais popular ator da Alemanha.
Sempre que, no cotidiano, sei de casos de gente que tem preço, eu me lembro de Mephisto. Muitos e cada vez mais, têm preço: preço altissimo, médio, mixuruca. Em $$$ e em poder. Mas a verdade é que todos pagamos o preço: por ter e por não ter preço.
Lembrei desse grande filme mais uma vez a propósito de comentários na blogosfera sobre a atriz Fernanda Torres. 1- fazendo propaganda da "nova" Folha de S. Paulo.
2- escrevendo crônica para o mesmo jornal, dizendo que o político tem o dom de iludir.Uma análise rasteira, bem ao nível da despolitização mediana que nos cerca.
Um amigo, de excelente memória, me lembra que a mãe de Torres, Fernanda Montenegro, foi a responsável por um abaixo-assinado, na época da eleição de Collor, de pretenso desagravo a outra atriz, Marilia Pera, que fora vaiada por petistas em uma passeata. Pera declarara seu apoio a Collor.
E que o pretenso desagravo na verdade encobria um velado apoio àquele senhor , depois defenestrado.
Não está em questão o valor artístico dessas senhoras, mas a ética, tão pisoteada e cada vez mais por tantos setores, nowadays.
A mãe pode ser vista em inúmeras propagandas, desde a indústria de remédios até qualquer coisa. A filha, seguindo o exemplo, faz comercial de banco, que me lembre, e agora estréia a publicidade televisiva da "nova" Folha de S. Paulo. Além de inciar sua colaboração com o mesmo órgão.
A industria de remédios é apontada por aquele norte-americano que criou os Doutores da Alegria, como a praga mais devastadora de todas as indústrias (temo que ele tenha se esquecido da indústria de armamentos). Os bancos, todos sabemos, são os campeões de reclamação de qualquer Procon do país.E têm os lucros mais exorbitantes de todo o mundo, os brasileiros. E estão na Justiça há anos com o argumento que não vendem produtos e portanto, não podem ser enquadrados nas leis de defesa do consumidor...
Lembrei-me também de Paulo Autran, que não fazia publicidade alguma, e disse que colocava o preço altíssimo, para desistirem logo.
O que significa um ator conhecido ceder sua imagem para vender produtos do mercado?
Sobrevivência? Não, esse é o problema da maiorias dos atores e artistas em geral deste país, não de quem tem emprego fixo e bem remunerado na TV Globo.
Não me lembro de ter visto Glauber Rocha jamais fazendo anúncios, ou Plínio Marcos, ou Ester Goes, Renato Borghi, Gianfrancesco Guarnieri, Zé Celso Martinez Correia, Chico Buarque, Elis Regina. Alguns que me ocorrem.
Esses dias, li uma carta que Leo Lama, um dos filhos, escreveu na época da morte de Plinio Marcos. Um trecho:
Mas A novela era na Tupi. A Tupi faliu. Meu pai foi fazer novela na Rede Globo: "Bandeira 2". Mas a Globo é no Rio, o Rio tem praia, ele cabulava as gravações e ia pra praia: "Novela é chato pra caralho, porra! O direito da gente coçar o saco é sagrado.", ele dizia. Ele ia pra praia e lá ficava indignado porque naquela época a Globo não punha negros nas novelas e quando punha era nos papéis de escravo ou mordomo. Meu pai escreveu no jornal "A Última Hora" do Samuel Wainer, onde ele trabalhava, que a Globo botou a Sônia Braga dois meses tomando sol pra ficar escura, em vez de chamar uma mulata pra fazer "Gabriela". A Globo não gostou. Os "poderosos" da Rede Globo não gostaram. Fizeram ameaças, juraram de morte. Em fim, a Globo não dava mais. Quando ele tava por lá, ele bem que quis escrever novela. Afinal, eu queria dinheiro pra comprar tênis, disco, guitarra. Mas novela de puta, cafetão e cigano sem dente? Não, novela de puta, cafetão e cigano sem dente não dá. Se fosse cigano com dente, musculoso e mau ator, aí dava. Agora, cigano sem dente, pobre e fudido, não dá. Então não dá. "Na televisão brasileira, artista estrangeiro morto trabalha mais do que artista brasileiro vivo."
Vivemos em um tempo em que só podemos sentir saudades desses grandes e íntegros de se foram. E não só atores, gente de todo canto. Não se faz mais.
Porque hoje, afinal, precisam sobreviver né? Precisam ganhar $$$ para fazer suas peças idiotas, precisam trabalhar na Globo para que o público que pode pagar os altos preços das entradas vá aplaudi-los pessoalmente.
Não sei até quando tentarão enganar a todos o tempo todo. Enganam apenas os que querem ser enganados.
Não montariam Mephisto. Muito menos Pequenos Assassinatos, grande texto do cartunista Jules Feiffer, outro que me ocorre.
Mephisto
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