"Os jornalistas e sua greve: consciência de classe e debate político-II
Fúlvio Abramo afirmou que a decisão de uma greve deve levar em conta o consenso de uma maioria organizada e uma análise completa da categoria frente ao patronato. Segundo ele, os jornalistas não consideraram um dado relevante: as mudanças estruturais da imprensa, que passou de atividade artesanal para uma fase industrial criando novas categorias de trabalhadores e modificando a natureza do jornal. Essa modificação era oriunda da presença de critérios administrativos, importantes para ampliar o prestígio político e empresarial do jornal.
(Diretor do Diário do Comércio na época. As opiniões do jornalista foram emitidas em debate realizado no SJPSP, em 06 de agosto de 1979, sobre a greve dos jornalistas. Participaram: Fausto Cupertino e Otonni Fernandes, da Gazeta Mercantil, Carlos Tibúrcio, membro do CCRR demitido de O Estado de S. Paulo em dezembro de 1978, trabalhou no alternativo Em Tempo, estando hoje em dia na assessoria de imprensa da Secretaria Nacional dos Direitos Humanos e Lia Ribeiro Dias, diretora do SJPSP e demitida em função da greve por O Estado de S. Paulo e atualmente empresária no ramo da comunicação. Os dados em relação ao lugar que os jornalistas ocupavam no período dos debates foram tirados do Unidade, 49, agosto de 1979, pp. 4-6.)
O jornal deixou de ser propriedade de jornalista e praticamente virou uma grande empresa, manipulada por grandes negociantes que o transformaram numa fonte de lucro, numa fonte de poder. Ainda que se oponha ao governo, o jornal não se opõe ao Estado, ao domínio de classe. Em face disso, o jornal é uma potência muito maior que no passado (Unidade, 49, agosto de 1979, p. 4.)
O velho antagonismo de classe permanece presente com o desenvolvimento empresarial dos jornais. Ele explica o controle da opinião pública. Em termos conjunturais, esses elementos se associavam ao aumento do exército de reserva alimentado pelas escolas de comunicação. Assim, em maio de 1979 não havia “clima” para uma greve, a não ser que a maioria estivesse disposta a levar adiante o movimento e suportar as suas conseqüências.
Segundo Fúlvio, não houve tempo para conscientizar a categoria sobre esses elementos. As assembléias massivas podiam indicar uma disposição espontânea para a greve, mas não uma participação consciente dos jornalistas. A falta desta levou parte das lideranças a incentivarem os piquetes. Mas o ponto central era a falta de ênfase na questão salarial. Para uma categoria de ampla diversidade ideológica, somente demandas salariais bem definidas levam à unidade. Pois os jornalistas não eram categoria de massa, de operários, em que esses interesses grupais não interferem nos objetivos gerais. Para conseguir a adesão de uma categoria dividida entre uma heterogeneidade grande de pensamento político e até do que deve ser o sindicato, nossa preparação deve ser a de conseguir uma coincidência de objetivos em torno de problemas principais. Aí é que grande parte do nosso movimento falhou. Acho que o trabalho de unificação em torno do objetivo salarial deve ser desde já. (Idem Ibidem.)
Em relação à derrota, Carlos Tibúrcio tinha a mesma opinião que David de Moraes, atribuindo a responsabilidade pelos momentos de vacilo dos grevistas a alguns jornalistas, que, prevendo uma derrota mais fragorosa, pediram recuo mais cedo do que era viável. Com isso
(Idem, p. 5.) , eles abriram espaço para endurecimento dos patrões.
Porém, quem eram esses jornalistas? Quem fez essas propostas de retorno ao trabalho? Segundo David de Moraes, eram setores numericamente inexpressivos, mas importantes do ponto de vista político, pois exerciam liderança sobre a categoria.
A nossa categoria tem um setor que está no alto, que ganha mais, que é, na falta de outra palavra, uma elite. No caso dos metalúrgicos, esse pessoal fica fora da vida do sindicato. No nosso caso essas pessoas têm vida sindical ativa. E mais, têm a veleidade, não sei se consciente, de acreditar que participam do poder, por estarem muito próximo dele... são pessoas, bons companheiros, que por exemplo, participam dos projetos dos jornais. E se integram de tal forma nesses projetos que perdem a perspectiva de que são jornalistas. Eles esquecem que aquele profissional que ganha entre Cr$ 10 a Cr$ 12 mil também é companheiro dele. Não se identifica mais com ele, pois está muito perto do poder. E se ilude. Chega uma hora que o patrão pega qualquer um. (Entrevista ao Pasquim, 6 de junho de 1979.)
Haveria, nesse sentido, uma aristocracia entre os jornalistas? Evidentemente, o nosso interesse não é classificar os jornalistas segundo o posicionamento adotado no movimento, nem fazer uma interpretação fiel dos fatos, mas investigar mais as divisões existentes na categoria, os sistemas que consagravam prestígio a esses atores e se eles tinham correspondência ou não com o ativismo sindical. Assim, não há como não fazer, através da fala de David de Moraes, uma remissão à posição de Cláudio Abramo (Folha de S. Paulo), Mino Carta (Isto É), Milton Coelho da Graça (Editora Abril) e Roberto Muller (Gazeta Mercantil), grandes reformadores de jornais de São Paulo e homens que cunharam seu prestígio jornalístico na resistência ao regime militar e na defesa de uma relativa autonomia interpretativa dos profissionais de imprensa durante esse período. Eram lideranças e exerciam influências dentro da categoria.
Esses jornalistas, todos ocupando cargos tidos como de confiança dentro das empresas, achavam que o movimento grevista não tinha perspectivas de êxito. Não sabemos em detalhes a posição do conjunto desses profissionais, mas Cláudio Abramo deixou claro que, para eles, o desenvolvimento técnico dos jornais teria exigido um outro tipo de estratégia de paralisação, que em alguns casos teria de chegar próximo aos atos de sabotagem.
(Claudio Abramo, A regra do jogo.1988.)
A avaliação que faço da greve de 1979 é que foi uma atitude muito ingênua por parte da categoria. Teria sido possível bloquear a produção dos jornais, mas para isso teria sido preciso um conhecimento técnico e eletrônico que os jornalistas não tinham. Eles não tinham nem noção disso. Teria sido possível bloquear o telex, mas seria necessário chegar quase ao nível da sabotagem. Em suma, a greve foi um suicídio.
Com essa visão, os jornalistas citados acima tentaram fazer uma mediação entre o SJPSP e os sindicatos patronais. Depois de discutirem, eles chegaram a uma proposta levada a David de Moraes. A base da proposta era: 1) estabilidade dos grevistas, por um prazo de 90 dias; 2) o pagamento dos dias parados; 3) que a imunidade dos representantes de redações fosse discutido também num prazo de 90 dias. Quanto à proposta salarial, o índice era “muito menos do que o Sindicato reivindicava. Conforme Abramo, David de Moraes não aceitou a proposta. “A greve estava perdida (Idem Ibidem.)
No olhar de Cláudio Abramo, os jornalistas tinham perdido a importância sindical em função dos salários altos, posições, vantagens e compromissos de não fazer greve, de não cruzar os braços, num diagnóstico até certo ponto similar aos anteriores. “Hoje está instituído um sistema de rivalidade interna e de predominância de uns sobre os outros nos jornais Não sabemos com precisão o período em que Abramo deu este depoimento. Acreditamos que ele esteja no conjunto de entrevistas dadas pelo jornalista a Luiz Egyto, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, entre março e maio de 1986. Cláudio Abramo, op. cit., p. 93.
De qualquer forma, sua intervenção gerou polêmica que, como vimos, foi absorvida pelo Pasquim, tachando-o de jornalista velho e ultrapassado e interpretando o gesto como nocivo ao movimento. Por outro lado, Cláudio Abramo afirmou que diversos jornalistas e pessoas do Sindicato lhe ligaram “desesperadas”, perguntando sobre a proposta do acordo. Segundo David de Moraes,
Se os sindicatos tivessem aceitado a questão da imunidade é óbvio que a gente até podia discutir um índice menor. E eles ficam por aí dizendo que nós recusamos propostas de até 6%. Eu seria estúpido se fizesse isso. Nunca foi formalizada proposta de aumento de 6 nem de 4% por cento. Se os dois sindicatos tivessem formalizado proposta de 2%, nós poderíamos ter aceitado. E terminada a greve continuaríamos as negociações
MORAES, David de. Pasquim, 06 de junho de 1979. Ressaltamos que na entrevista dada ao semanário, o ex-presidente do SJPSP não citou nomes. A articulação entre os diversos discursos sobre as negociações foi feita por mim.
Ao centro Fernando Morais e Ottoni Fernandes conversando com policial.
Fúlvio Abramo afirmou que a decisão de uma greve deve levar em conta o consenso de uma maioria organizada e uma análise completa da categoria frente ao patronato. Segundo ele, os jornalistas não consideraram um dado relevante: as mudanças estruturais da imprensa, que passou de atividade artesanal para uma fase industrial criando novas categorias de trabalhadores e modificando a natureza do jornal. Essa modificação era oriunda da presença de critérios administrativos, importantes para ampliar o prestígio político e empresarial do jornal.
(Diretor do Diário do Comércio na época. As opiniões do jornalista foram emitidas em debate realizado no SJPSP, em 06 de agosto de 1979, sobre a greve dos jornalistas. Participaram: Fausto Cupertino e Otonni Fernandes, da Gazeta Mercantil, Carlos Tibúrcio, membro do CCRR demitido de O Estado de S. Paulo em dezembro de 1978, trabalhou no alternativo Em Tempo, estando hoje em dia na assessoria de imprensa da Secretaria Nacional dos Direitos Humanos e Lia Ribeiro Dias, diretora do SJPSP e demitida em função da greve por O Estado de S. Paulo e atualmente empresária no ramo da comunicação. Os dados em relação ao lugar que os jornalistas ocupavam no período dos debates foram tirados do Unidade, 49, agosto de 1979, pp. 4-6.)
O jornal deixou de ser propriedade de jornalista e praticamente virou uma grande empresa, manipulada por grandes negociantes que o transformaram numa fonte de lucro, numa fonte de poder. Ainda que se oponha ao governo, o jornal não se opõe ao Estado, ao domínio de classe. Em face disso, o jornal é uma potência muito maior que no passado (Unidade, 49, agosto de 1979, p. 4.)
O velho antagonismo de classe permanece presente com o desenvolvimento empresarial dos jornais. Ele explica o controle da opinião pública. Em termos conjunturais, esses elementos se associavam ao aumento do exército de reserva alimentado pelas escolas de comunicação. Assim, em maio de 1979 não havia “clima” para uma greve, a não ser que a maioria estivesse disposta a levar adiante o movimento e suportar as suas conseqüências.
Segundo Fúlvio, não houve tempo para conscientizar a categoria sobre esses elementos. As assembléias massivas podiam indicar uma disposição espontânea para a greve, mas não uma participação consciente dos jornalistas. A falta desta levou parte das lideranças a incentivarem os piquetes. Mas o ponto central era a falta de ênfase na questão salarial. Para uma categoria de ampla diversidade ideológica, somente demandas salariais bem definidas levam à unidade. Pois os jornalistas não eram categoria de massa, de operários, em que esses interesses grupais não interferem nos objetivos gerais. Para conseguir a adesão de uma categoria dividida entre uma heterogeneidade grande de pensamento político e até do que deve ser o sindicato, nossa preparação deve ser a de conseguir uma coincidência de objetivos em torno de problemas principais. Aí é que grande parte do nosso movimento falhou. Acho que o trabalho de unificação em torno do objetivo salarial deve ser desde já. (Idem Ibidem.)
Em relação à derrota, Carlos Tibúrcio tinha a mesma opinião que David de Moraes, atribuindo a responsabilidade pelos momentos de vacilo dos grevistas a alguns jornalistas, que, prevendo uma derrota mais fragorosa, pediram recuo mais cedo do que era viável. Com isso
(Idem, p. 5.) , eles abriram espaço para endurecimento dos patrões.
Porém, quem eram esses jornalistas? Quem fez essas propostas de retorno ao trabalho? Segundo David de Moraes, eram setores numericamente inexpressivos, mas importantes do ponto de vista político, pois exerciam liderança sobre a categoria.
A nossa categoria tem um setor que está no alto, que ganha mais, que é, na falta de outra palavra, uma elite. No caso dos metalúrgicos, esse pessoal fica fora da vida do sindicato. No nosso caso essas pessoas têm vida sindical ativa. E mais, têm a veleidade, não sei se consciente, de acreditar que participam do poder, por estarem muito próximo dele... são pessoas, bons companheiros, que por exemplo, participam dos projetos dos jornais. E se integram de tal forma nesses projetos que perdem a perspectiva de que são jornalistas. Eles esquecem que aquele profissional que ganha entre Cr$ 10 a Cr$ 12 mil também é companheiro dele. Não se identifica mais com ele, pois está muito perto do poder. E se ilude. Chega uma hora que o patrão pega qualquer um. (Entrevista ao Pasquim, 6 de junho de 1979.)
Haveria, nesse sentido, uma aristocracia entre os jornalistas? Evidentemente, o nosso interesse não é classificar os jornalistas segundo o posicionamento adotado no movimento, nem fazer uma interpretação fiel dos fatos, mas investigar mais as divisões existentes na categoria, os sistemas que consagravam prestígio a esses atores e se eles tinham correspondência ou não com o ativismo sindical. Assim, não há como não fazer, através da fala de David de Moraes, uma remissão à posição de Cláudio Abramo (Folha de S. Paulo), Mino Carta (Isto É), Milton Coelho da Graça (Editora Abril) e Roberto Muller (Gazeta Mercantil), grandes reformadores de jornais de São Paulo e homens que cunharam seu prestígio jornalístico na resistência ao regime militar e na defesa de uma relativa autonomia interpretativa dos profissionais de imprensa durante esse período. Eram lideranças e exerciam influências dentro da categoria.
Esses jornalistas, todos ocupando cargos tidos como de confiança dentro das empresas, achavam que o movimento grevista não tinha perspectivas de êxito. Não sabemos em detalhes a posição do conjunto desses profissionais, mas Cláudio Abramo deixou claro que, para eles, o desenvolvimento técnico dos jornais teria exigido um outro tipo de estratégia de paralisação, que em alguns casos teria de chegar próximo aos atos de sabotagem.
(Claudio Abramo, A regra do jogo.1988.)
A avaliação que faço da greve de 1979 é que foi uma atitude muito ingênua por parte da categoria. Teria sido possível bloquear a produção dos jornais, mas para isso teria sido preciso um conhecimento técnico e eletrônico que os jornalistas não tinham. Eles não tinham nem noção disso. Teria sido possível bloquear o telex, mas seria necessário chegar quase ao nível da sabotagem. Em suma, a greve foi um suicídio.
Com essa visão, os jornalistas citados acima tentaram fazer uma mediação entre o SJPSP e os sindicatos patronais. Depois de discutirem, eles chegaram a uma proposta levada a David de Moraes. A base da proposta era: 1) estabilidade dos grevistas, por um prazo de 90 dias; 2) o pagamento dos dias parados; 3) que a imunidade dos representantes de redações fosse discutido também num prazo de 90 dias. Quanto à proposta salarial, o índice era “muito menos do que o Sindicato reivindicava. Conforme Abramo, David de Moraes não aceitou a proposta. “A greve estava perdida (Idem Ibidem.)
No olhar de Cláudio Abramo, os jornalistas tinham perdido a importância sindical em função dos salários altos, posições, vantagens e compromissos de não fazer greve, de não cruzar os braços, num diagnóstico até certo ponto similar aos anteriores. “Hoje está instituído um sistema de rivalidade interna e de predominância de uns sobre os outros nos jornais Não sabemos com precisão o período em que Abramo deu este depoimento. Acreditamos que ele esteja no conjunto de entrevistas dadas pelo jornalista a Luiz Egyto, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, entre março e maio de 1986. Cláudio Abramo, op. cit., p. 93.
De qualquer forma, sua intervenção gerou polêmica que, como vimos, foi absorvida pelo Pasquim, tachando-o de jornalista velho e ultrapassado e interpretando o gesto como nocivo ao movimento. Por outro lado, Cláudio Abramo afirmou que diversos jornalistas e pessoas do Sindicato lhe ligaram “desesperadas”, perguntando sobre a proposta do acordo. Segundo David de Moraes,
Se os sindicatos tivessem aceitado a questão da imunidade é óbvio que a gente até podia discutir um índice menor. E eles ficam por aí dizendo que nós recusamos propostas de até 6%. Eu seria estúpido se fizesse isso. Nunca foi formalizada proposta de aumento de 6 nem de 4% por cento. Se os dois sindicatos tivessem formalizado proposta de 2%, nós poderíamos ter aceitado. E terminada a greve continuaríamos as negociações
MORAES, David de. Pasquim, 06 de junho de 1979. Ressaltamos que na entrevista dada ao semanário, o ex-presidente do SJPSP não citou nomes. A articulação entre os diversos discursos sobre as negociações foi feita por mim.
OI BETH,COMO VAI!? já fiz as correções, estou testando os comentários!! abração e tudo de magnífico pra vc!! abração forte! Nadia
ResponderExcluirOI BETH!! é esta a postagem que está dando problemas!? até
ResponderExcluir