sábado, junho 12, 2010

O adeus de um samurai da sombra- Massao Ohno

" Músicos, poetas, pintores, artistas, no geral e no particular, insurgi-vos! O mundo não é apenas um vasto circo de variedades, de consumo frenético. Viver é um ato prodigioso, uma dádiva a ser desfrutada, segundo a segundo, até a finitude." (Massao Ohno (1936-2010)


O editor Massao Ohno morreu ontem e está sendo velado no Crematório de Vila Alpina neste sábado até as 16 horas.

Trechos de “Um Samurai da Sombra” lindo texto de Geraldo Mayrink( que também já partiu), publicado no catálogo editado por ocasião da homenagem prestada ao editor pelo Instituto Moreira Sales em 2005.



Perguntem a toda uma geração de poetas que já foram jovens quem é Massao Ohno e eles dirão: “Era Deus, no tempo em que éramos pe­quenos”. É uma licença poética exaltada e as coisas não são bem as­sim. O paulistano que editou mais de 800 livros tem mais de guru-zen do que de di­vindade. E não é popular. “É um samurai da sombra”, diz o poeta Antonio Fernando De Franceschi. “Trabalhador do invisível, luminoso nissei, esbelto que, nas horas vagas, seduzia as poetas da nossa juven­tude, bebedor de uísque e filósofo oriental”, escreve Renata Pallottini. Para Carlos Vogt, “É talvez o maior editor desorganizado que melhor contribuiu para orga­nizar a poesia brasileira jovem durante pelo menos três décadas”. José Mindlin assina e dá fé, com sua experiência de empresário:

“Ele terá sido um dos poucos que, ao decidir uma edição, não levava em conta se ela seria vendável ou não. (…) Sua obra editorial, no entanto, permanecerá”.

Filho de pais japoneses, dentista formado numa família de nove irmãos, todos en­genheiros, gostava de filosofia e letras, mas foi impe­dido de cursá-Ias pelos pais que não queriam vê-Io em uma carreira tão imaterial. “Me submeti à família”, conformou-se. Mas por pouco tempo, então tornou-se editor, com um comentário fatalista: “Minha primeira gráfica foi também a última”. Editava autores desconhecidos, na grande maioria poetas, e seu nome, para muitos deles, transformou-se numa tábua de salvação. “Minha última esperança é o Massao”, cos­tumavam dizer. E o poeta Cláudio Willer diz mesmo, até hoje: “Não sei como teria saído o meu livro Anotações para o apocalipse, em 1964, se não fosse a iniciativa dele.”

São Paulo, no começo dos anos 60, era uma cidade muito menor, onde todo mundo se conhecia. E entre os conhecidos de Massao es­tavam artistas como Manabu Mabe, Ciro Del Nero e Tide Hellmeister, logo incorporados aos projetos gráficos dos livros.

O poeta e roman­cista Álvaro Alves de Faria analisa: “Falar de Massao só será possível na linguagem da poesia. É um poeta dos livros, um monge que dedi­cou sua vida a isto. Publicou a Antologia dos novíssimos, em 1960, na velha prensa da rua Vergueiro. Ele está aí nesse meio como um Dom Quixote a combater a miséria de um tempo feito quase só de angús­tias”. Havia, naturalmente, a questão política. Massao militou, “mais no plano das idéias do que no prático”, na AP (Ação Popular), foi mui­to vigiado mas não chegou a ser preso.

Casou cin­co vezes, teve quatro filhos e sete netos. Sua vida daria um ou dois romances, que ele não escreverá.

Só ganhou “uma certa universalidade”, como diz, além das fronteiras paulistanas, quando se mudou para o Rio. Ficou quatro anos e tra­balhou com o editor Ênio Silveira, da então poderosa Civilização Bra­sileira, com quem teve o que aprender. “Foi interessante”, ele diz, no seu jeito de falar pausado e sempre econômico. ‘Ele tinha a máquina da distribuição’ , que era o meu ponto fraco, e meus livros começa­ram a chegar às livrarias”.

Na volta a São Paulo constatou que precisava se modernizar tec­nologicamente – ou se tornaria obsoleto. A modernização exigia um investimento muito grande. Trabalhou então em produtos mais em conta, como o cinema de baixo custo, e ajudou na finalização de fil­mes como Viagem ao fim do mundo (1967), de Fernando Coni Cam­pos, e o celebrado cult de Rogério Sganzerla O bandido da luz ver­melha (1968). Mas não deixou a edição de livros. E sua editada mais famosa, no restrito círculo da poesia, tornou-se Hilda Hilst, autora de peças e livros como O verdugo (1969) e Can­tares de perda e predileção (1984).

Se estava à procura de um edi­tor “das sombras”, escolheu o Ohno certo. Foram feitos um para o ou­tro.

“Além de grande amiga fraterna, era um talento desperdiçado, digamos as­sim. Acredito que seja feita justiça a seu trabalho maravilhoso. O tem­po dirá”, acredita Massao.

Apreciador de João Cabral, Jorge de Lima e Cecília Meirelles cultiva também os espanhóis do chamado século de ouro (passagem do XVI para o XVII), dominado por nomes como Cervantes, Lope de Vega e GÓngora. É ouvinte devoto de Mo­zart, Bach e Beethoven, além de jazz, “que é o supra-sumo da criação”. Por isso sabe do que está falando quando exige rigor dos seus edita­dos, orientando-os no sentido de melhorar os textos. “Alguns deixei quase perfeitos”, orgulha-se.

“Gostaria de deixar bem claro que minha atividade é maravilhosa e faria tudo de novo”, acredi­ta. “Alguma coisa deve restar de tudo isso”.

Um comentário:

  1. Obrigada por postar esse texto. Conheci Massao Ono superficialmente, mas sempre o admirei.
    Abraços, Marcia

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