sábado, junho 12, 2010

Massao Ohno: Reiniciaremos tudo novamente?

Devaneio ao Crepúsculo:textos que Massao escreveu para Tide Hellmeister em 1994:

***Pois é, meu caro. Como diria Drummond, 'o primeiro amor passou, o segundo amor passou..et la vie continue'.
Trinta anos se passaram e tudo ficou muito mais caótico. Tivemos que criar técnicas mais sofisticadas de sobrevivência,perder a ternura sem endurecer,aprender a dissimular sem mentir, a responder com perguntas, a proferir sem nenhum eco em resposta. Somos os mistificadores do caos. Que os deuses nos poupem. Somos uma hipótese sem tese.Indemonstráveis , portanto".

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***Brecht aconselhava: 'Quando tudo estiver perdido,monte um bar.' Os bares proliferaram e disso nada resultou. Os bêbados é que mudaram.Não se faz mais ébrios como antigamente,sociais, brilhantes, abertos. A bebida, de dionisíaca passou a apolínea. E nada pior do que um etilista frio, individualista, calculista".
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***Músicos, poetas, pintores,artistas, no geral e no particular,insurgi-vos! O mundo não é apenas um vasto circo de variedades, de consumo frenético. Vive ré um ato prodigioso, uma dádiva a ser desfrutada, segundo a segundo, até a finitude. Á la Lispector; 'Haverá um dia, em que haverá um mês, em que haverá uma semana, em que haverá um dia, em que haverá uma hora, em que haverá um minuto, em que haverá um segundo, e dentro do segundo haverá o não-tempo sagrado da morte transfigurada. Vida.'

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***Noves fora, zero.
Reiniciaremos tudo novamente?

(De Massao Ohno para Tide, outono de 1994)

Massao Ohno: resgatar os olhos de descoberta

Tide Hellmeister

Excertos da obra Tide Hellmeister, Design Gráfico, que apresentava a expo Obras Públicas, no Sesc Pompeia, em 1994, que tive o prazer de editar e foi quando conheci o Tide e fiquei sua amiga para sempre.
Uma entrevista com Massao Ohno, sob o título 1964/1994: Resgatar os olhos de descoberta.
E um texto escrito por Massao para o Tide, Devaneio ao Crepúsculo.
A matéria longa abria assim:
"Quem ouve Massao Ohno falar sobre o panorama do país nos últimos 30 anos escuta uma inconfundível voz da década de 60, que precisa ser urgentemente resgatada no que ofereceu de melhor à História:a generosidade, a ética, a integridade.
Esta voz pode ser reconhecida em qualquer parte do mundo, e sempre dirá que o que acontece no Casaquistão lhe interessa tanto quanto o que se passa no Negromonte ou nas barrancas do Rio São Francisco.
Desta voz se ouvirão sempre histórias de amor pela arte em geral, pelo livre debate de ideias, pelas experiências de vanguarda em todas as áreas. Pois trata-se de uma voz apaixonada.
Ela te dirá que nada foi em vão. Todos os desvarios, todo o desbunde, toas as derrotas, todas as conquistas, toda a coragem, todo o medo.
Porque experiemtnou de coração abeerto o dizer de um de seus poetas mais caros: tudo vale a pena se a alma não é pequena.
E se a voz for de um fazedor de livros brasileiro; um visionário desobridor de talentos literários, plásticos, gráficos (com quem, diga-se, o Tide trabalhou no começo da carreira e a quem muito quer bem); que atravessou estas três décadas contribuindo para aumentar a beleza de sua aldeia, essa voz te dirá tudo isso e ainda mais: que este país amado pode se reconstruir, se cada um de nós tiver consciência do seu valor, do seu trabalho, de sua função social.
Principalmente os artistas, eles devem manter essa consciência acesa; que estamos à beira do maior caos, mas também da maior maravilha: que o novo milênio será florescente para a sensiblidade do homem e, portanto, para as artes.
Evoé!"
Massa Ohno disse, sobre essa travessia 1964/1994:
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"Tudo era descoberta.Havia olhos de descoberta. As pessoas se interssavam muito, coisa que foi substituída hoje por olhos de descaso, mde indiferença, d eindividualismo. As pessoas estão mais preocupadas em compra rum carro zero do que eme ler Neruda, lorca, seja lá o que for. Eu acho que a pessoa pode ter os seus devaneiso de consumo, ams não pode esquecer a outra parte, porque senão embrutece. E uma pessoa embrutecida e uma pessoa anulada, para mim são a mesma coisa.
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E concluiu, incrivelmente:

"Creio que tudo aponta, inclusive no Brasil, para um ressurgimento natural das artes, da sensibilidade brasileria. Creio que teremos um início de milênio bastante florescente. Difícil foi conservar a própria integridade física e de cabeça até agora. Essa travessia foi terrível".

O adeus de um samurai da sombra- Massao Ohno

" Músicos, poetas, pintores, artistas, no geral e no particular, insurgi-vos! O mundo não é apenas um vasto circo de variedades, de consumo frenético. Viver é um ato prodigioso, uma dádiva a ser desfrutada, segundo a segundo, até a finitude." (Massao Ohno (1936-2010)


O editor Massao Ohno morreu ontem e está sendo velado no Crematório de Vila Alpina neste sábado até as 16 horas.

Trechos de “Um Samurai da Sombra” lindo texto de Geraldo Mayrink( que também já partiu), publicado no catálogo editado por ocasião da homenagem prestada ao editor pelo Instituto Moreira Sales em 2005.



Perguntem a toda uma geração de poetas que já foram jovens quem é Massao Ohno e eles dirão: “Era Deus, no tempo em que éramos pe­quenos”. É uma licença poética exaltada e as coisas não são bem as­sim. O paulistano que editou mais de 800 livros tem mais de guru-zen do que de di­vindade. E não é popular. “É um samurai da sombra”, diz o poeta Antonio Fernando De Franceschi. “Trabalhador do invisível, luminoso nissei, esbelto que, nas horas vagas, seduzia as poetas da nossa juven­tude, bebedor de uísque e filósofo oriental”, escreve Renata Pallottini. Para Carlos Vogt, “É talvez o maior editor desorganizado que melhor contribuiu para orga­nizar a poesia brasileira jovem durante pelo menos três décadas”. José Mindlin assina e dá fé, com sua experiência de empresário:

“Ele terá sido um dos poucos que, ao decidir uma edição, não levava em conta se ela seria vendável ou não. (…) Sua obra editorial, no entanto, permanecerá”.

Filho de pais japoneses, dentista formado numa família de nove irmãos, todos en­genheiros, gostava de filosofia e letras, mas foi impe­dido de cursá-Ias pelos pais que não queriam vê-Io em uma carreira tão imaterial. “Me submeti à família”, conformou-se. Mas por pouco tempo, então tornou-se editor, com um comentário fatalista: “Minha primeira gráfica foi também a última”. Editava autores desconhecidos, na grande maioria poetas, e seu nome, para muitos deles, transformou-se numa tábua de salvação. “Minha última esperança é o Massao”, cos­tumavam dizer. E o poeta Cláudio Willer diz mesmo, até hoje: “Não sei como teria saído o meu livro Anotações para o apocalipse, em 1964, se não fosse a iniciativa dele.”

São Paulo, no começo dos anos 60, era uma cidade muito menor, onde todo mundo se conhecia. E entre os conhecidos de Massao es­tavam artistas como Manabu Mabe, Ciro Del Nero e Tide Hellmeister, logo incorporados aos projetos gráficos dos livros.

O poeta e roman­cista Álvaro Alves de Faria analisa: “Falar de Massao só será possível na linguagem da poesia. É um poeta dos livros, um monge que dedi­cou sua vida a isto. Publicou a Antologia dos novíssimos, em 1960, na velha prensa da rua Vergueiro. Ele está aí nesse meio como um Dom Quixote a combater a miséria de um tempo feito quase só de angús­tias”. Havia, naturalmente, a questão política. Massao militou, “mais no plano das idéias do que no prático”, na AP (Ação Popular), foi mui­to vigiado mas não chegou a ser preso.

Casou cin­co vezes, teve quatro filhos e sete netos. Sua vida daria um ou dois romances, que ele não escreverá.

Só ganhou “uma certa universalidade”, como diz, além das fronteiras paulistanas, quando se mudou para o Rio. Ficou quatro anos e tra­balhou com o editor Ênio Silveira, da então poderosa Civilização Bra­sileira, com quem teve o que aprender. “Foi interessante”, ele diz, no seu jeito de falar pausado e sempre econômico. ‘Ele tinha a máquina da distribuição’ , que era o meu ponto fraco, e meus livros começa­ram a chegar às livrarias”.

Na volta a São Paulo constatou que precisava se modernizar tec­nologicamente – ou se tornaria obsoleto. A modernização exigia um investimento muito grande. Trabalhou então em produtos mais em conta, como o cinema de baixo custo, e ajudou na finalização de fil­mes como Viagem ao fim do mundo (1967), de Fernando Coni Cam­pos, e o celebrado cult de Rogério Sganzerla O bandido da luz ver­melha (1968). Mas não deixou a edição de livros. E sua editada mais famosa, no restrito círculo da poesia, tornou-se Hilda Hilst, autora de peças e livros como O verdugo (1969) e Can­tares de perda e predileção (1984).

Se estava à procura de um edi­tor “das sombras”, escolheu o Ohno certo. Foram feitos um para o ou­tro.

“Além de grande amiga fraterna, era um talento desperdiçado, digamos as­sim. Acredito que seja feita justiça a seu trabalho maravilhoso. O tem­po dirá”, acredita Massao.

Apreciador de João Cabral, Jorge de Lima e Cecília Meirelles cultiva também os espanhóis do chamado século de ouro (passagem do XVI para o XVII), dominado por nomes como Cervantes, Lope de Vega e GÓngora. É ouvinte devoto de Mo­zart, Bach e Beethoven, além de jazz, “que é o supra-sumo da criação”. Por isso sabe do que está falando quando exige rigor dos seus edita­dos, orientando-os no sentido de melhorar os textos. “Alguns deixei quase perfeitos”, orgulha-se.

“Gostaria de deixar bem claro que minha atividade é maravilhosa e faria tudo de novo”, acredi­ta. “Alguma coisa deve restar de tudo isso”.