Quinta-coluna em ação
Por Vicente Alessi,filho
Jesus Carlos/Imagemlatina
Redação na Foha de São Paulo no primeiro dia da greve às 16h30.
Até hoje há quem acredite que chacoalhavam os confessionários da igreja da Consolação durante os debates da primeira assembléia de nossa greve de 1979. Não, não chacoalhavam. Até hoje há quem acredite que, pelas perdas, jamais deveria ter sido decretada: seríamos fracos, seríamos massacrados, ponto de vista jogado em alguma lata de lixo por sensível constatação de Geraldo Mayrink: “Perdeu-se alguma coisa, sim. Mas ganhou-se vergonha na cara”. E há quem acredite, até hoje, que não tivemos nossa quinta-coluna.
Pois tivemos, sim. E não foram aqueles que trabalharam e ajudaram a fazer circular jornais e revistas por não concordar com a greve – estes tinham outra opinião, não outra intenção.
Na condição de, na época, militante sindicalista de base certamente não sou o mais indicado para tratar do assunto quinta-coluna. Há gente mais qualificada, como David de Moraes, José Eduardo de Faro Freire, Francisco Wianey Pinheiro. Lia Ribeiro Dias. Perseu Abramo, se estivesse vivo. Eles e alguns outros, integrantes do Comando de Greve, viveram, naqueles dias, exatamente no olho do furacão. Mas nunca se dispuseram a redigir o Livro Negro da Greve de 1979. David sempre me fala em concórdia – uma concórdia que não tenho e que tanto me admira nele, companheiro de tantas situações.
Tantos anos passados pode me falhar alguma cronologia dos fatos. Mas jamais me faltará a repulsa por grupo político que, depois de defender com ardor a criação dos CCRR, os Conselhos de Redação, e de incentivar a greve, abandonou-a imediatamente após a sua decretação.
Animar o sentimento de greve e imediatamente deixá-la à própria sorte foi tática daquele grupo político. Ou seja: a quinta-coluna aconteceu de caso pensado. O caso foi urdido dias antes da assembléia de decretação da greve.
Por aqueles dias, antes da primeira assembléia, encontrei-me, naquele conhecido boteco sujo vizinho à sede do Sindicato, com amigo recente, jornalista quase que recém-chegado do Rio, tido como muito próximo daquele grupo político. Tornamo-nos amigos durante algumas reuniões de trabalho sindical, e notava nele, hoje também morto, o distanciamento de posições típicas daquele grupo. No boteco chamou-me a um canto menos barulhento e garantiu: “A greve corre risco pois os caras já roeram a corda. Fique de olho”.
Não contou mais do que isso apesar da insistência. Comentei a, digamos, profecia, com alguns companheiros e decidimos ficar de olho. A verdade é que, durante as assembléias, chamou muito nossa atenção a força com que pessoas identificadas com o tal grupo defendiam a greve.
E a greve foi decretada. O comando reuniu-se para distribuir tarefas. Era necessário, por exemplo, identificar companheiros com alguma capacidade de organização que se responsabilizassem pela coordenação de tantos piquetes diante da sede das empresas. E companheiros que se dispusessem a integrar esses piquetes. A mim foi proposto que ficasse na sede do Sindicato, cumprindo tarefas internas e pronto para as eventualidades.
No primeiro dia de greve soa o telefone em casa, coisa de 10h30. Lia informava a primeira eventualidade. Eu deveria seguir para a porta do DCI, na Moóca: o coordenador daquele piquete telefonara anunciando forte gripe e a impossibilidade de cumprir sua tarefa. À noite, já de volta à sede do Sindicato, soube de alguns outros casos semelhantes.
Tratei de identificar o coordenador do piquete diante do DCI. Quando consultei a relação de trabalhos elaborada pelo Comando de Greve encontrei o nome de um bom amigo, cuja amizade preservo até hoje. Ligado àquela força política.
Telefonei para ele. Ocupado, ocupado. Fui até sua casa e o encontro lá, telefone fora do gancho, nenhum sinal de gripe. Minha fúria era óbvia. Pediu que me sentasse e contou a história: ele e alguns outros receberam duas ordens: apresentarem-se para coordenar piquetes e jamais aparecerem no piquete, numa ação coordenada visando ao enfraquecimento da greve.
Certamente há outras histórias semelhantes. Acredito que devam ser resgatadas por quem as viveu para fins pedagógicos: para que se conheça a verdade e para que pensemos muito bem antes de incensar quem não merece.
Vicente Alessi Filho é jornalista profissional, diplomado com a turma de 1975 da Faculdade de Comunicação Cásper Líbero. Tem a matrícula sindical 4 874, de agosto de 1975. É o diretor de redação da revista AutoData.
Pois tivemos, sim. E não foram aqueles que trabalharam e ajudaram a fazer circular jornais e revistas por não concordar com a greve – estes tinham outra opinião, não outra intenção.
Na condição de, na época, militante sindicalista de base certamente não sou o mais indicado para tratar do assunto quinta-coluna. Há gente mais qualificada, como David de Moraes, José Eduardo de Faro Freire, Francisco Wianey Pinheiro. Lia Ribeiro Dias. Perseu Abramo, se estivesse vivo. Eles e alguns outros, integrantes do Comando de Greve, viveram, naqueles dias, exatamente no olho do furacão. Mas nunca se dispuseram a redigir o Livro Negro da Greve de 1979. David sempre me fala em concórdia – uma concórdia que não tenho e que tanto me admira nele, companheiro de tantas situações.
Tantos anos passados pode me falhar alguma cronologia dos fatos. Mas jamais me faltará a repulsa por grupo político que, depois de defender com ardor a criação dos CCRR, os Conselhos de Redação, e de incentivar a greve, abandonou-a imediatamente após a sua decretação.
Animar o sentimento de greve e imediatamente deixá-la à própria sorte foi tática daquele grupo político. Ou seja: a quinta-coluna aconteceu de caso pensado. O caso foi urdido dias antes da assembléia de decretação da greve.
Por aqueles dias, antes da primeira assembléia, encontrei-me, naquele conhecido boteco sujo vizinho à sede do Sindicato, com amigo recente, jornalista quase que recém-chegado do Rio, tido como muito próximo daquele grupo político. Tornamo-nos amigos durante algumas reuniões de trabalho sindical, e notava nele, hoje também morto, o distanciamento de posições típicas daquele grupo. No boteco chamou-me a um canto menos barulhento e garantiu: “A greve corre risco pois os caras já roeram a corda. Fique de olho”.
Não contou mais do que isso apesar da insistência. Comentei a, digamos, profecia, com alguns companheiros e decidimos ficar de olho. A verdade é que, durante as assembléias, chamou muito nossa atenção a força com que pessoas identificadas com o tal grupo defendiam a greve.
E a greve foi decretada. O comando reuniu-se para distribuir tarefas. Era necessário, por exemplo, identificar companheiros com alguma capacidade de organização que se responsabilizassem pela coordenação de tantos piquetes diante da sede das empresas. E companheiros que se dispusessem a integrar esses piquetes. A mim foi proposto que ficasse na sede do Sindicato, cumprindo tarefas internas e pronto para as eventualidades.
No primeiro dia de greve soa o telefone em casa, coisa de 10h30. Lia informava a primeira eventualidade. Eu deveria seguir para a porta do DCI, na Moóca: o coordenador daquele piquete telefonara anunciando forte gripe e a impossibilidade de cumprir sua tarefa. À noite, já de volta à sede do Sindicato, soube de alguns outros casos semelhantes.
Tratei de identificar o coordenador do piquete diante do DCI. Quando consultei a relação de trabalhos elaborada pelo Comando de Greve encontrei o nome de um bom amigo, cuja amizade preservo até hoje. Ligado àquela força política.
Telefonei para ele. Ocupado, ocupado. Fui até sua casa e o encontro lá, telefone fora do gancho, nenhum sinal de gripe. Minha fúria era óbvia. Pediu que me sentasse e contou a história: ele e alguns outros receberam duas ordens: apresentarem-se para coordenar piquetes e jamais aparecerem no piquete, numa ação coordenada visando ao enfraquecimento da greve.
Certamente há outras histórias semelhantes. Acredito que devam ser resgatadas por quem as viveu para fins pedagógicos: para que se conheça a verdade e para que pensemos muito bem antes de incensar quem não merece.
Vicente Alessi Filho é jornalista profissional, diplomado com a turma de 1975 da Faculdade de Comunicação Cásper Líbero. Tem a matrícula sindical 4 874, de agosto de 1975. É o diretor de redação da revista AutoData.
São relatos como este que se tornam cruciais para o conhecimento do que realmente ocorreu antes, durante e depois da última greve dos jornalistas. Os bastidores sórdidos mostram como agem os oportunistas de toda espécie... É importante resgatá-los para apurar a verdadeira história e não a que circula por aí.
ResponderExcluiré... algum antropólogo com tara por escavações quem sabe algum dia, perca tempo tentando restabelecer a verdade dos fatos.
ResponderExcluirMaria Helena, nesta série de artigos há um bom material para essas escavações.
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