Devemos temer os jornalistas
Elizabeth Lorenzotti
Encontrei no baú este meu artigo escrito em 15 de outubro de 1996 para a Folha de S. Paulo, na seção Opinião.
"A notícia dizia que, ao cumprir sua pauta sobre como é fácil roubar bebês de um hospital, uma jornalista de Brasília sequestrou um bebê e foi presa, juntamente com a fotógrafa. A Fenaj (Federação Nacional dos Jornalistas) partiu para a defesa da repórter, argumentando que ela "não teve a intenção".
A princípio, acredita-se que exista diferença entre intenção e gesto. Por exemplo, podemos frequentemente ter a intenção de arrancar o fígado do próximo, mas não cumprimos o gesto.
A jornalista em questão e a Fenaj, entretanto, inauguram uma nova maneira de ver o mundo e o jornalismo. Se eu não tenho a intenção de arrancar o fígado do próximo, mas vou lá e o arranco, existem bons motivos e os fins justificam os meios.
Hoje, quando vivemos sob o domínio do medo - de sequestradores, ladrões, estupradores, das crianças no faróis, da polícia, etc.- , hoje, também devemos temer os jornalistas.
Se, em 1996, sequestra-se um bebê para comprovar a falta de segurança que nos cerca, talvez em breve nos tornemos "serial killers" para escrever com sangue a verdadeira história da psicopatologia.
O talento, a técnica, a seriedade, o equilíbrio e, acima de tudo, a ética profissional passam ao largo desse tipo de jornalismo.
Mudou o mundo, mudou o jornalismo, mudamos nós, é claro, tudo que é vivo está em constante mutação. Mas perdemos algo precioso e que precisamos urgentemente resgatar, em nome dos ecos de uma talvez já longínqua história, que nos deu bravos exemplos de íntegros jornalistas - e como nos lembramos neste momento de Perseu Abramo --, de tantas corajosas lutas sindicais - e como nos lembramos daquela noite de outubro, há 21 anos, quando ao menos 300 jornalistas invadiram o auditório do sindicato de São Paulo para não permitir que o assassinato de Vladimir Herzog fosse relegado ao domínio do medo.
Eu, jornalista, me envergonho mais uma vez, e uma sacrossanta ira me atropela, em nome dessa profisão que me sustenta, em nome de companheiros vivos e mortos por ideais, em nome dos cidadãos que nos lêem e não esperam ser sequestrados ou roubados por nós, mas informados decentemente, em nome de entidades sindicais que já viveram dias mais gloriosos e dignos, em nome de editores e donos de jornais e das faculdades, que têm o dever de ensinar, de formar, de mandar para as ruas, atrás da notícia, jornalistas que não cheguem para aumentar o caos em que estamos atolados, mas para jogar um pouco de luz nessa escuridão".
Jornalistas estão virando despachantes, meros preenchedores de espaço. O jornalismo está no fim.
ResponderExcluirEdu, no jornalismo da grande midia sim, concordo, mas acho que existe uma esperança na blogosfera independente. Eu, ao menos, me informo por lá, onde posso responder na hora e co-participar da coisa.
ResponderExcluirUma forma coletiva de fazer jronalismo no futuro? Quem sabe? Mas na França o Sarkozy lá tem um projeto de controlar o jornalismo na net, restringindo-o apenas a jornalistas. Não sei como conseguirá.
E também deu uma grana para a midia escrita: o que isso signficará de mais controle?
Enquanto nao encontarem um meio de controlar a net, que acho dificil, mas possivel, acho que há esperanças.
Já quanto à sobrevivência dessa profissão como foi até hoje, em termos de profissão mesmo, mercado de trabalho, etc, sei não
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