"Saudades de um tempo que não vivi"
Com a frase acima Elizabeth Lorenzotti sintetiza sua pesquisa sobre o "Suplemento Literário", ora publicada
JOÃO POMBO BARILE
Quanto tempo o leitor médio ainda gasta lendo jornais? Qual deve ser o tamanho de uma reportagem para que ele não desista de ler uma matéria? Perguntas que ouço há pelo menos 20 anos, quando trabalhava como redator na editora Nova Cultural e que confesso: ainda hoje não tenho uma resposta. "Parágrafo curto, menino. Com no máximo quatro linhas", era a dica que cansei de ouvir dos meus primeiros editores. O conselho vinha na onda da grande moda que arrastou o jornalismo a partir dos anos 80. E que instituiu os famigerados manuais de redação nos diários brasileiros. A panacéia funcionaria bem até o advento da Internet. Até aquele momento, todo mundo se informava mesmo era lendo jornal. Mas aí veio o jornalismo on-line. E a informação, pura e simples, passou a ser função da web. E os jornais, desde então, patinam em infindáveis tentativas para terem seus infiéis leitores de volta. Segundo o professor da Universidade de São Paulo (USP) Carlos Eduardo Lins da Silva, até mesmo o diário norte-americano "USA Today", que nos seus primórdios tentava aparentar-se a uma televisão no papel, com a difusão da Internet mudou de estratégia. E resolveu editar textos mais longos e aprofundados. "Aparentemente convencido de que o público dos veículos impressos nunca mais irá crescer e exige material de qualidade superior", escreveu o professor em um artigo recente. Para quem ainda duvida do óbvio ululante, a leitura do relatório "Sumário Estatístico dos Estados Unidos: 2007" pode ser a pá de cal no assunto. O documento, publicado na terra do tio Sam no início de 2008, indicou que, no ano passado, pela primeira vez na história, o tempo gasto per capita na Internet foi maior que o tempo dedicado à leitura de jornais. Todas essas questões me ocorreram enquanto olhava para a diagramação de uma página do suplemento literário do jornal "O Estado de S.Paulo" que está reproduzida no livro "Suplemento Literário - que Falta Ele Faz", da professora e jornalista Elizabeth Lorenzotti. O alentado estudo, que conta a história de um dos momentos mais importantes da imprensa nacional, pode servir de bússola para quem ainda se interessa pelos rumos do ofício de se fazer jornalismo cultural no país. Ao registrar a profunda mudança ocorrida nos jornais tupiniquins, a partir da história do suplemento que circulou entre os decênios de 1950 a 1970, Lorenzotti explicita como nossos jornais foram se voltando cada dia mais para o imediatismo e o registro rápido. Concebido pelo mestre Antonio Candido, e dirigido primeiro pelo crítico teatral Décio de Almeida Prado e mais tarde pelo jornalista Nilo Scalzo, o caderno cultural foi um dos frutos do projeto da elite paulista que, alguns anos antes, já tinha fundado a USP. Com o suplemento, a intelligentzia, surgida a partir do novo ambiente universitário paulistano, pôde mostrar sua cara. Durante várias décadas, leitores puderam se deliciar com ensaios do próprio Candido, além de textos de autores como Décio de Almeida Prado, Paulo Emílio Salles Gomes e Lourival Gomes Machado. Chico Na sessão dedicada à publicação de contos - alguma coisa absolutamente inconcebível para os jornais de hoje -, Francisco Buarque de Holanda publicava sua primeira incursão no gênero, um texto chamado "Ulisses". Já conhecido por causa do sucesso da canção "A Banda", Chico mostrava, pela primeira vez, seus dotes literários. Muitíssimo bem documentado, o livro da professora Lorenzotti traz ainda o plano do "Suplemento Literário e Artístico d’O Estado de S.Paulo". O documento, que estava perdido há décadas, foi cedido por Candido para a publicação no livro. Nele, em um rascunho dos vários planos de pauta, encontramos, por exemplo, artigos encomendados que deveriam ter 28 laudas! No mês passado, em conversa com o professor Sergio Paulo Rouanet, ele me contava que estava atrás de um artigo da crítica e escritora Lúcia Miguel Pereira para um ensaio que está preparando. "O artigo foi publicado no Suplemento do Estadão", dizia Rouanet. Depois da conversa com o embaixador, fiquei pensando se algum dia, sei lá, daqui a 50 anos, algum ensaísta como o Rouanet vai se interessar por um artigo publicado em qualquer suplemento de cultura brasileiro produzido nos dias de hoje. Confesso que não tenho a resposta.
AGENDA - "Suplemento Literário - que Falta Ele Faz!", de Elizabeth Lorenzotti. Editora Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 208 págs., R$ 40
Parabéns, Professora Lorenzotti! Seu livro é mesmo um sucesso. Bj!
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