terça-feira, junho 11, 2013
Gripe? O conselho de Sonia Hirsch
Existem comidas milagrosas, sim, e a canja de galinha
é uma delas. A melhor que tomei na vida foi em
Minas, num hotel de Cambuquira, muitos anos atrás.
Cheguei lá com dor de cabeça, o rosto congestionado,
uma sensação de gripe encostando, apetite nenhum.
A dona do hotel me convenceu a tomar um
prato de canja. Tomei dois. Dia seguinte era outra
pessoa, feliz e bem disposta.
A canja de galinha tem a felicidade de combinar
sabor e textura agradabilíssimos com uma poderosa
ação medicinal. É conhecida no mundo inteiro por
suas propriedades benéficas para adoentados e convalescentes.
Chegou ao Brasil com os marinheiros
portugueses que vinham da Ásia, ainda no século
XVI; daí ter virado um prato tradicional brasileiro.
Canja vem do kanji indiano e do congee chinês,
papas ralas de arroz longamente fervido. Na China a
pessoa acorda e vai à lanchonete comer congee. Escolhe
e coloca numa tigela pedacinhos de vegetais,
carnes, peixes e ovos, todos crus, que vão receber
por cima o caldo de arroz pelando que os deixa
semicozidos: fáceis de digerir, mas sem perda de
enzimas e vitaminas. Há muitas opções entre os complementos,
inclusive medicinais.
Nos mosteiros Zen o congee se chama okaio. O
arroz cozinha a noite inteira em fogo baixo e é servido
no desjejum, acompanhado por uma pequena
porção de verduras como repolho ou couve-chinesa,
refogadas em óleo de gergelim com um pouquinho
de shoyu. Gersal e salsa por cima. Um pedaço de
nabo em conserva é a sobremesa, e uma taça de chá
encerra o serviço. É comida suave, para ajudar a esvaziar
a mente.
O longo tempo de cozimento torna as papas de
arroz muito fáceis de digerir e absorver. Acalmam o
trato intestinal e limpam os rins. O leite de arroz, que
se obtém passando a papa na peneira, é uma bebida
deliciosa e altamente nutritiva. Pode ser dado na mamadeira
aos bebês já no início do desmame, após os
6 meses. Também é alimento ideal para pessoas muito
idosas, que segundo a medicina chinesa podem comer
papas o dia inteiro, a qualquer hora, para se
manterem fortes mas sem sobrecarga.
Buda, no Livro da Disciplina, enaltece os poderes
da papa de arroz, que comia com leite fresquinho
e mel: “Dá dez coisas aos que a comem – vida e
beleza, facilidade e força. Dissipa fome, sede e vento.
Limpa a bexiga. Digere a comida. É louvada pelo
bem-aventurado.”
A papa de arroz se faz com uma parte de arroz
integral ou branco e oito a dezesseis partes de água.
Lave o arroz e deixe de molho na véspera para
ir transformando os grãos. Panela grossa é importante.
Se não tiver, coloque uma chapa de ferro ou pedra
por baixo, ou um bom dispersor de calor. No
fogão: reduzir a chama ao mínimo assim que ferver e
cozinhar por três horas ou mais. No forno: em caçarola
tampada, por três ou quatro horas, também em
fogo baixo. Na panela elétrica slow cooker: 8 horas
na temperatura mínima.
Em caso de gripe ou resfriado, a canja de galinha
– arroz cozido longamente com uma galinha inteira
em bastante água – ajuda a vítima a melhorar
mais rápido porque é rica em cisteína, um aminoácido
que ajuda a expelir o muco dos pulmões. Mas tem
que ser galinha caipira, criada sem antibióticos nem
substâncias químicas, ou seja: comendo minhoca e
namorando o galo até ficar bem velhinha e generosa.
Quem se resfriou com frio ou vento pode tomar
a canja bem quente e apimentada, pois o calor e a
pimenta vão ajudar a mover os fluidos para fora e
expectorar. A pimenta-vermelha pode ser usada ao
natural, em conserva ou em pó, para um resultado
antibiótico, antiviral e altamente suadouro, que expulsa
o fator externo da gripe e faz a energia circular.
Já para fraqueza pós-parto, a canja deve ser muito
mais santa: começa com uma galinha inteira, fervida
até desmanchar. Coe, deixe esfriar, retire a gordura
com papel-toalha e reserve o caldo. Faça a papa normalmente
com arroz e água. Quando estiver quase
pronta, junte o caldo de galinha, cozinhe mais um
minuto e sirva.
Considerem-se com fraqueza pós-parto todos os
que assim o desejarem.
Crônica do livro Amiga Cozinha
http://correcotia.com/amigacozinha,
com galinhas de estimação da Celina Gusmão