terça-feira, outubro 04, 2011

Occupy Wall Street: um belo manifesto


O pessoal do Ocupe Wall Street me lembra a utopia hippie, a utopia anarquista, várias utopias. Mas, quem vive sem utopias? Como diz o professor Antonio Candido, aos 93 anos ( disse isso aos 90, em 2008):

"Mas o que importa não é que os alvos ideais sejam ou não atingíveis concretamente na sua sonhada integridade. O essencial é que nos disponhamos a agir como se pudéssemos alcançá-los, porque isso pode impedir ou ao menos atenuar o afloramento do que há de pior em nós e em nossa sociedade. E é o que favorece a introdução, mesmo parcial, mesmo insatisfatória, de medidas humanizadoras em meio a recuos e malogros. Do contrário, poderíamos cair nas concepções negativistas, segundo as quais a existência é uma agitação aleatória em meio a trevas sem alvorada."


http://www.commondreams.org/view/2011/09/30-0


Já não há desculpas. Ou você se une à revolta que cresce contra Wall Street e nos distritos financeiros de outras cidades nos EUA, ou você está do lado errado da história.

Ou você obstrui, pela única via que nos resta – a via da desobediência civil – o saque de que são agentes os criminosos reunidos em Wall Street, a classe que acelerou a destruição do ecossistema que sustenta nossa espécie humana, ou você será fator passivo que faz crescer um mal monstruoso.

Ou você saboreia, fareja, sente, conhece a embriaguês da liberdade e da revolta, ou você afunda no pântano do desespero e da apatia. Ou você é rebelde ou é escravo.

Ser declarado inocente nos EUA, onde a lei já nada significa, onde já somos vítimas do golpe das grandes empresas, onde os pobres e os trabalhadores, homens e mulheres, já estão reduzidos à miséria e à fome, onde a guerra, a especulação financeira e o estado policial são as únicas reais atividades do Estado, onde já não existe nem o habeas corpus, onde você, como cidadão ou cidadã, já nada é além de produto de compra e venda para o sistema das empresas no poder, coisa que se usa e se descarta, é ser cúmplice nesse absoluto mal feito.

Manter-se à parte e declarar “sou inocente” é exibir a marca de Caim; é nada fazer para tentar salvar-se e ajudar os mais fracos, os oprimidos e os que sofrem. Ser inocente, nos tempos que se vivem nos EUA é exatamente igual a ser criminoso. Perguntem a Tim DeChristopher.

Escolha. Mas escolha depressa. O estado e as forças empresariais estão decididos a nos atropelar. Não esperarão, não lhe darão tempo para safar-se. Estão aterrorizados, em pânico, com medo de que a coisa se espalhe. Eles têm suas falanges de motocicletas, suas fileiras de soldados que caçam você pelas ruas com redes de plástico alaranjado e sprays de pimenta. Eles têm suas barricadas de escudos de metal montadas em cada rua que leve ao distrito financeiro em New York, onde os mandarins, em ternos caríssimos usam o dinheiro que roubaram de você, para jogar e especular e fartarem-se, ao mesmo tempo em que uma em cada quatro crianças do outro lado dos escudos de metal depende de bônus distribuídos pelo estado, para comer.

No século 17, a especulação era crime. Agiotas e especuladores eram enforcados. Hoje, governam países, controlam estados e os mercados financeiros. Disseminam mentiras que poluem a imprensa, os jornais, a internet.

Eles sabem, melhor que você, a extensão da corrupção. Sabem que todos roubam. Sabem que o jogo do sistema é jogado contra você.

Sabem que as empresas já implantaram no poder uma magra classe oligárquica e um quadro servil de políticos, jornalistas e juízes que vivem em seu pequeno Versailles blindado, enquanto seis milhões de norte-americanos são despejados da casa onde moram – em pouco tempo, haverá 10 milhões de despejados nos EUA – , um milhão de norte-americanos param de poder pagar as contas da subsistência e de médicos e remédios, e 45 mil norte-americanos morrem por ano por falta de tratamento adequado para suas doenças, quando o desemprego real já está acima de 20%, onde os cidadãos, inclusive os estudantes, consomem a vida tentando pagar financiamentos impagáveis, trabalhando em subempregos, quando conseguem algum emprego! Em mundo no qual já não há esperança. Num mundo de senhores e escravos.

A única palavra que essas empresas conhecem é ‘mais’. Estão destripando todos os últimos programas de assistência que ainda são financiados pelos impostos dos cidadãos dos EUA, de educação pública à segurança social, porque querem para eles o dinheiro de todos. Os doentes? Que morram. Os pobres? Que passem fome. As famílias? Que durmam ao relento. Os desempregados? Que se danem. As crianças, nas grandes cidades e no interior do país? Que nada aprendam, que vivam ou morram, tanto faz, na miséria e no medo. Que os jovens adultos saiam das universidades para um mundo que não lhes oferece nem chance nem trabalho nem esperança de trabalho. Que as prisões – os EUA têm o maior sistema prisional do planeta! – inchem, para poderem engolir todos os dissidentes e revoltados em potencial. Tortura? Que torturem! Que professores, policiais, bombeiros, empregados do serviço postal e trabalhadores sociais reúnam-se, mas só nas listas de desempregados. Que estradas, pontes, barragens, usinas, estradas de ferro, metrôs, transporte urbano, escolas e bibliotecas caiam, em ruínas, ou fechem. Que a temperatura do planeta suba, que os furacões, as inundações, os tornados matem aos milhares. A calota polar, que derreta, a água que continue a ser envenenada, que o ar seja cada vez mais poluído, até que a espécie humana se torne inviável.

Quem, diabos, dá bola p’rá isso? Se as ações da ExxonMobil ou da indústria do carvão ou do banco Goldman Sachs estão em alta, a vida é bela. Lucro. Lucro. Lucro. Só conhecem essa palavra, a mesma que cantam por trás da barricada dos escudos de metal da polícia. Estão com os dentes cravados fundo na sua jugular. Se você não os arrancar daí, eles acabarão com você. E acabarão com o planeta, condenando também os seus filhos e netos. Eles são cegos, estúpidos demais para ver que morrerão também, como os mais pobres já estão morrendo.

Por tudo isso, se você não se mexer e começar a lutar para derrotá-los, se você não fizer tudo o que possa para desmantelar o estado-empresa, para criar um mundo de sanidade, um mundo no qual já não sejamos obrigados a nos ajoelhar ante a ideia absurda de que os mercados financeiros poderiam governar a vida humana, todos continuaremos, como até aqui, a ser empurrados para o matadouro.