Pequeno roteiro sentimental pelas quebradas do centro de Sampa
Eu sei dos pingos da goteira
Batucando no passado
E sei que as cinzas da fogueira
não recomporão os galhos
Dia sim e dia não
Dói a minha solidão
Eu tô ficando aperreado
São trinta copos de chopp
São trinta homens sentados
Trezentos desejos presos
Trinta mil sonhos frustrados
No bar "Savoy" na Sertã
No "Luna" bar no Leblon
Vejo a tristeza do gado
Há um tempo atrás escrevi aqui Não te amo mais, antideclaração por esta cidade onde minha mãe veio pra que eu nascesse na Maternidade Matarazzo, porque em Poços de Caldas não havia muita condição. E voltamos para Poços, onde passei a infância entre as queridas montanhas das Minas, indo e voltando a São Paulo, porque ora havia emprego aqui, ora lá para meu pai, cantor de linda voz que teve de virar escriturário.
Esta cidade que me fez adolescente e adulta.
Naquela primeira crônica eu voltava ao Brás, de minhas raízes maternas.
“É preciso correr se ainda se quer ver as coisas”, dizia Susan Sontag atrás da linda foto dos povos indígenas do Rio Soltério,em Rondônia, cartão de visita da Imagem Latina do meu amigo Jesus Carlos.Estava na mesa dele, ontem, que linda foto com meia dúzia de representantes indígenas, cada um de uma tribo, belos, com seus instrumentos de trabalho: aqui um abraçando um cãozinho e um pássaro,ali, outro com um pintinho no ombro esquerdo.
Depois fomos andar pela Praça Roosevelt, Rua Martins Fontes, tomamos uma canja no Planeta’s. Na década de 1980 eu morei no prédio em frente ao restaurante, incrivelmente ainda cuidado pelo mesmo zelador português daquela época, e com a mesma cara, eu o vi dia desses, não me lembro de seu nome. Sinto ainda o cheiro do CO2 dos escapamentos dos carros invadindo minhas narinas quando acordava...
A praça de concreto já era horrível, mas ainda nem tanto, havia um supermercado e pessoas passeando sempre. Era, naquela região, o nosso pedaço, de jornalistas que se cruzavam a todo o momento, de dia nas reportagens, à noite nos bares e restaurantes: Planeta’s, Piolim, Gigetto, Mutamba, Redondo, e no cine Bijou , e no Arena, e no Sindicato dos Jornalistas, na Rego Freitas. As redações do Estadão, na Major Quedinho, sucursal de O Globo, na esquina da São Luiz com Consolação, Gazeta Mercantil,, que já dançou, Rádio Eldorado, Istoé, sucursal do Jornal do Brasil, que acaba de extinguir sua edição em papel.
Tinha razão a Sontag, pensadora e fotógrafa, é preciso correr se ainda se quer ver as coisas. Pois vimos os mesmos prédios, muito mudados, cheios de grades, e os teatros da Roosevelt, tristes no domingo de inverno. As padarias/restaurantes ao lado da Delegacia Regional do Trabalho, que servem café de coador bom, diz Jesus, eu não arrisco. Famílias com crianças no Planeta’s, era cedo ainda, flanelinhas pedindo 2 reais, homens solitários. Lembro de Solibar, Alceu Valença, quando chegou ao Rio de Janeiro, vindo da tão cálida Olinda:”No Luna Bar, no Leblon,vejo a tristeza do gado”.
Ai.
Os lumpens pelas ruas, um deles nos cumprimenta sorridente e eu penso que isso nos salva, ainda, como nação e como humanidade.
Não sei se não te amo mais, cidade.
As metrópoles, as metrópoles, mais vasto é nosso coração?