Esta não está na biografia Tinhorão, o Legendário .Aliás, se eu fosse escrever todas as histórias do Tinhorão-- tantas ele me contou depois de terminado o livro no prazo exigido pela editora, e continua contando-- teria de escrever outro, e mais outro.Ele tirou do baú, a propósito da história que lhe contei sobre a censura do parecerista da Edusp ao meu livro sobre o Suplemento Literário do Estadão, em 2003.
Em 1991 ele foi convidado para escrever em uma revista da Unicamp, mas o próprio professor que o convidou disse que as normas erram "draconianas". Segue a carta, enviada em 28 de outubro de 1991, que é mais um atestado de integridade de um intelectual correto, e um deleite, como tudo o que o Tinhorão escreve.
Trata-se , talvez, de algo considerado comum e corrente nas publicações universitárias,e em outras, mas como bem lembra Brecht, não se deve considerar nada 'normal' nestes tempos.
"Não digam nunca - Isso é natural - a fim de que nada passe por imutável."
A cartinha:
Caro professor
Acabo de receber a carta datada de 21 do corrente mês, com seu convite para colaborar com "artigo, ensaio ou resenha crítica, sempre inéditos", para a revista "Resgate", da Unicamp. O convite -- em princípio amável -- poderia ainda ser considerado honroso, não fora pelo teor mais que inaceitável, até mesmo aterrador ( pelo que traz implícito) das, por V. Sa. mesmo ,chamadas "normas draconianas para os colaboradores".
E isto porque, segundo os termos dessas pré-condições para aceitação da produção intelectual alheia dão a entender, a Universidade de Campinas demonstra não se ter libertado, anda, dos cinco lustros de autoritarismo militar que nos deslustraram a todos.
De fato, aceito como geral o princípio que reserva aos editores de quaisquer órgãos de imprensa o direito de aceitar ou não escritos assinados, não se compreende que alguém possa -- em sã e democrática consciência -- vir propor essa espécie de "capitis diminutio" da responsabilidade intelectual, constituída por "sugestões para alteração", ou "pequenas alterações no texto".
E o que é mais inquietante, se chegue a sugerir o patrocínio do poder absoluto iluminado, para o caso de "alterações substanciais... sugeridas ao autor, que fará a devida revisão".
Considerando que "alterações substanciais" significa mudança do substantivo, no sentido de sua substância -- que é a parte essencial da coisa e, portanto, lhe define a qualidade -- a aceitação de tal intromissão equivaleria à renúncia da própria integridade por parte do autor.
Ora, se se considera que os espírito histórico da Universidade é o da secularização do saber, em oposição à teologia como "ciência dos deuses", não deixa de ser lamentável que, neste final do século XX, a Unicamp venha assim restabelecer o Olimpo em terra de caboclos. E, o que é pior, submetendo Palas Atena à tutela de Zeus, depois da luta de tantos anos para nos livrarmos de Ares.
Assim, enquanto aguardo o resgate da democracia intelectual nesse jardim campineiro de Academus, firmo-me, por enquanto desinteressado do presente de grego dessa "Revista Brasileira de Cultura" .
José Ramos Tinhorão