terça-feira, fevereiro 02, 2010
Dois de fevereiro, dia de Iemanjá, Odó Iyá !
Do meu amigo Jorge, jornalista e editor que viveu em Portugal:
Beth,
É de um poeta português muito conhecido, que escreveu o poema depois de ter tido uns problemas cardíacos. Ele não conhecia nada do sincretismo brasileiro, e ficou espantado depois que a Maria Bethânia gravou o poema.
Se não estou errado, é de 1998.
Mas lê só para veres como é belíssimo, não foi no dia 2 de fevereiro, mas todo dia é dia de poesia.
*Senhora das Tempestades* _de Manuel Alegre
Senhora das tempestades e dos mistérios originais
quando tu chegas a terra treme do lado esquerdo
trazes o terramoto a assombração as conjunções fatais
e as vozes negras da noite Senhora do meu espanto e do meu medo.
Senhora das marés vivas e das praias batidas pelo vento
há uma lua do avesso quando chegas
crepúsculos carregados de presságios e o lamento
dos que morrem nos naufrágios Senhora das vozes negras.
Senhora do vento norte com teu manto de sal e espuma
nasce uma estrela cadente de chegares
e há um poema escrito em página nenhuma
quando caminhas sobre as águas Senhora dos sete mares.
Conjugação de fogo e luz e no entanto eclipse
trazes a linha magnética da minha vida Senhora da minha morte
teu nome escreve-se na areia e é uma palavra que só Deus disse
quando tu chegas começa a música Senhora do vento norte.
Escreverei para ti o poema mais triste
Senhora dos cabelos de alga onde se escondem as divindades
quando me tocas há um país que não existe
e um anjo poisa-me nos ombros Senhora das Tempestades.
Senhora do sol do sul com que me cegas
a terra toda treme nos meus músculos
consonância dissonância Senhoras das vozes negras
coroada de todos os crepúsculos.
Senhora da vida que passa e do sentido trágico
do rio das vogais Senhora da litúrgia
sibilação das consoantes com seu absurdo mágico
de que não fica senão a breve música.
Senhora do poema e da oculta fórmula da escrita
alquimia de sons Senhora do vento norte
que trazes a palavra nunca dita
Senhora da minha vida Senhora da minha morte.
Senhora dos pés de cabra e dos parágrafos proibidos
que te disfarças de metáfora e de soprar marítimo
Senhora que me dóis em todos os sentidos
como um ritmo só ritmo como um ritmo.
Batem as sílabas da noite na oclusão das coronárias
Senhora da circulação que mata e ressuscita
trazes o mar a chuva as procelárias
batem as sílabas da noite e és tu a voz que dita.
Batem os sons os signos os sinais
trazes a festa e a despedida Senhora dos instantes
fica o sentido trágico do rio das vogais
o mágico passar das consoantes.
Senhora nua deitada sobre o branco
com tua rosa-dos-ventos e teu cruzeiro do sul
nascem faunos com tridentes no teu flanco
Senhora de branco deitada no azul.
Senhora das águas transbordantes no cais de súbito vazio
Senhora dos navegantes com teu astrolábio e tua errância
teu rosto de sereia à proa de um navio
tudo em ti é partida tudo em ti é distância.
Senhora da hora solitária do entardecer
ninguém sabe se chegas como graça ou como estigma
onde tu moras começa o acontecer
tudo em ti é surpresa Senhora do grande enigma.
Tudo em ti é perder Senhora quantas vezes
Setembro te levou para as metrópoles excessivas
batem as sílabas do tempo no rolar dos meses
tudo em ti é retorno Senhora das marés vivas.
Senhora do vento com teu cavalo cor de acaso
tua ternura e teu chicote sobre a tristeza e a agonia
galopas no meu sangue com teu cateter chamado Pégaso
e vais de vaso em vaso Senhora da arritmia.
Tudo em ti é magia e tensão extrema
Senhora dos teoremas e dos relâmpagos marinhos
batem as sílabas da noite no coração do poema
Senhora das tempestades e dos líquidos caminhos.
Tudo em ti é milagre Senhora da energia
quando tu chegas a terra treme e dançam as divindades
batem as sílabas da noite e tudo é uma alquimia
ao som do nome que só Deus sabe Senhoras das tempestades.
(Senhora das tempestades, Publicações Dom Quixote,Lisboa, 1998 P. 25.
Manuel Alegre,1936. Manuel de Melo Duarte Alegre nasceu em 1936 em Águeda. Estudou na Faculdade de Direito de Coimbra onde fundou o CITAC (Centro de Iniciação Teatral da Academia de Coimbra) e participou no TEUC (Teatro de Estudantes da Universidade de Coimbra). Voz inconformada e inconformista destacou-se em vários géneros literários mas é na poesia que o seu nome é bem conhecido.
Bengaladas bem dadas
Mas não é mesmo inqualificável essa gente que rouba vagas de idosos e deficientes? Muito bem fez a Regina Helena de Paiva Ramos , deu nas cartas do jornal.
No filme Tomates verdes fritos, a maravilhosa atriz passa pelo mesmo problema. Duas garotas dizem que ela é velha e entram no supermercado. Ela diz: "mas o meu seguro é maior do que o de vocês.Towandaaaaa"!
E bate várias vezes no carro das peruas.
"Aconteceu há alguns dias: estava saindo da vaga de idosos de um shopping de São Paulo quando um carro estacionou numa vaga de deficientes e dele sairam dois alegres jovens de cerca de 17 ou 18 anos. Parei perto e perguntei se não tinham vergonha de ocupar vagas de deficientes. Um deles riu na minha cara depois de me chamar de velha, acrescentando adjetivos impróprios para publicação. Não esperei para reagir. Saí do meu carro com a minha bengala - estou usando bengala provisoriamente, enquanto me refaço de uma cirurgia para colocação de prótese no joelho - e dei uma bengalada no que estava mais próximo de mim, enquanto o outro fugia. Refeita do aborrecimento, com o coração saindo pela boca de tanta raiva - o que certamente faz mal aos meus 78 anos! -, comecei a pensar e desejaria repartir minhas reflexões com os leitores do Estadão. Rapazes como esses - que ocupam vagas de deficientes físicos e xingam uma velhinha indefesa (reconheço que nem tanto, afinal, eu tinha a minha bengala...), certamente, se eleitos para qualquer cargo - vereador, deputado, senador ou presidente -, farão exatamente aquilo que temos visto: receberão gordos pacotes de dinheiro sem sequer se levantarem do sofá, enfiarão dinheiro na cueca, no bolso, na bolsa, nas meias, e tudo com a maior naturalidade do mundo! É de pequeno que se torce o pepino. Se a educação não começa em casa, dentro da família, não é mais tarde - lá na Assembleia ou no Congresso - que irão se corrigir. Farão o que aprenderam - ou o que não aprenderam - em casa. Só há um caminho certo para o combate à corrupção e à safadeza e esse começa numa educaçãozinha básica em casa, com introdução de valores éticos e cívicos. Como não é isso que tem acontecido neste país, preparemo-nos para uma desgraça total. Quase ninguém educa os filhos como deveria. São preparados para vencer a todo custo, doa a quem doer. O negócio é tentar enricar. Há casos até em que os filhos são elogiados pelos pais como verdadeiros "Ronaldinhos". Dá no que dá. Finalmente, acho que não vou mais abandonar minha bengala, mesmo quando a prótese não me exigir isso. Se essa gentinha não recebe educação em casa, certamente receberá minhas bengaladas. Neste caso acertei no ombro, da próxima vez prometo acertar na cabeça."
Regina Helena de Paiva Ramos
No filme Tomates verdes fritos, a maravilhosa atriz passa pelo mesmo problema. Duas garotas dizem que ela é velha e entram no supermercado. Ela diz: "mas o meu seguro é maior do que o de vocês.Towandaaaaa"!
E bate várias vezes no carro das peruas.
"Aconteceu há alguns dias: estava saindo da vaga de idosos de um shopping de São Paulo quando um carro estacionou numa vaga de deficientes e dele sairam dois alegres jovens de cerca de 17 ou 18 anos. Parei perto e perguntei se não tinham vergonha de ocupar vagas de deficientes. Um deles riu na minha cara depois de me chamar de velha, acrescentando adjetivos impróprios para publicação. Não esperei para reagir. Saí do meu carro com a minha bengala - estou usando bengala provisoriamente, enquanto me refaço de uma cirurgia para colocação de prótese no joelho - e dei uma bengalada no que estava mais próximo de mim, enquanto o outro fugia. Refeita do aborrecimento, com o coração saindo pela boca de tanta raiva - o que certamente faz mal aos meus 78 anos! -, comecei a pensar e desejaria repartir minhas reflexões com os leitores do Estadão. Rapazes como esses - que ocupam vagas de deficientes físicos e xingam uma velhinha indefesa (reconheço que nem tanto, afinal, eu tinha a minha bengala...), certamente, se eleitos para qualquer cargo - vereador, deputado, senador ou presidente -, farão exatamente aquilo que temos visto: receberão gordos pacotes de dinheiro sem sequer se levantarem do sofá, enfiarão dinheiro na cueca, no bolso, na bolsa, nas meias, e tudo com a maior naturalidade do mundo! É de pequeno que se torce o pepino. Se a educação não começa em casa, dentro da família, não é mais tarde - lá na Assembleia ou no Congresso - que irão se corrigir. Farão o que aprenderam - ou o que não aprenderam - em casa. Só há um caminho certo para o combate à corrupção e à safadeza e esse começa numa educaçãozinha básica em casa, com introdução de valores éticos e cívicos. Como não é isso que tem acontecido neste país, preparemo-nos para uma desgraça total. Quase ninguém educa os filhos como deveria. São preparados para vencer a todo custo, doa a quem doer. O negócio é tentar enricar. Há casos até em que os filhos são elogiados pelos pais como verdadeiros "Ronaldinhos". Dá no que dá. Finalmente, acho que não vou mais abandonar minha bengala, mesmo quando a prótese não me exigir isso. Se essa gentinha não recebe educação em casa, certamente receberá minhas bengaladas. Neste caso acertei no ombro, da próxima vez prometo acertar na cabeça."
Regina Helena de Paiva Ramos