Do jornalista, geógrafo e amigo da cidade Mouzar Benedito
"Estive em São Luís do Paraitinga na segunda-feira, dia 4. É um cenário de guerra. Parece um filme daqueles catastróficos.
Fora as casas derrubadas, como se tivessem sido bombardeadas, havia muita gente pasma, depois de perder tudo o que tinha. Ninguém acreditava que a água podia subir tanto. De repente tiveram que sair depressa, com água no joelho, sem tempo de pegar nada. Era preciso subir o morro e ficar em lugar seguro. Muitos amigos ficaram com a roupa do corpo. Mas não tem faltado solidariedade. No tempo em que fiquei lá tentando entrar na cidade com amigos, levando roupas e alimentos, e a Defesa “Civil” impedindo, chegavam (e eram barradas) muitas pessoas de outras cidades, com sacolas de comida e roupa. De vez em quando chegava uma caminhonete com água, leite, material de limpeza etc. e também tinha que parar. Algumas coisas eram colocadas em caminhonetes de pessoas que podiam entrar na cidade e levadas para as pessoas.
O motivo da proibição de entrar lá nem a pé era que um poste ameaçava cair sobre a ponte – único meio de acesso atualmente – e atingir alguém. E também a parede de um casarão podia desabar logo depois da ponte. Estranho era que autoridades passavam direto por ali. Será que poste não cai em cabeça de autoridade?
Apesar de tudo, das perdas e do trauma, a população parece disposta a reconstruir a cidade e suas vidas. Mas é preciso identificar as causas de uma enchente tão volumosa. Em 1996 houve uma – até antes desta última, recordista – em que a água chegou até a praça, mas não destruiu nada. Depois, ficou-se sabendo que uma represa abriu as comportas sem avisar ninguém.
Agora, uma enchente dezenas de vezes maior, a imprensa não procura saber as causas, fica tudo por conta da chuva. Será que não houve sangramento de represas? Será que a monocultura do eucalipto não tem nada com isso? Lá, em vez de fazer curvas de nível, as plantações de eucalipto fazem uma rua morro abaixo, de maneira que a água que cai corre toda para baixo, levando barro e nutrientes da terra. E tem a ocupação exagerada de certas margens.
Finalmente quero dizer que ouvi muita gente e todos disseram a mesma coisa: é mentira que o governo do estado está presente lá desde o início. Os bombeiros chegaram muito tarde, com um único bote inflável motorizado, demoraram horas para inflar e depois perceberam que não levaram combustível. Fizeram só duas viagens, enquanto os rapazes do rafting tiravam as pessoas da enchente em botes a remos. Todos dizem que se não fossem eles – e portanto se dependesse do governo do estado – haveria umas 400 mortes.
Defesa Civil, bombeiros e militares, segundo disseram, têm cometido muitas trapalhadas. Ainda sobra ironia para alguns moradores dizerem quando eles se aproximam: “Lá vêm os Trapalhões”.