Tropicália, sob o signo de escorpião
José Celso Martinez Corrêa
Caderno 2
No mesmo dia em que Caetano fazia sua entrevista de capa, muito bela como sempre, no Caderno 2 do Estadão, o Ministro Ecologista Juca Ferreira publicava uma matéria na Folha na seção Debates. Um texto extraordinariamente bem escrito em torno da cultura, como estratégia, iniciada no 1º Governo de Lula ao nomear corajosa e muito sabiamente Gilberto Gil como Ministro da Cultura e hoje consolidada na gestão atual do Ministro Juca. Hoje temos pela primeira vez na nossa história um corpo concreto de potencialização da cultura brazyleira: o Ministério da Cultura, e isso seu atual Ministro soube muito bem fazer, um CQD em seu texto. Por outro lado, meu adorado Poeta Caetano, como sempre, me surpreendeu na sua interpretação de Lula como analfabeto, de fala cafajeste, abrindo seu voto para Marina Silva.Nós temos muitas vezes interpretações até gêmeas, mas acho caetanamente bonito nestes tempos de invenção da democracia brazyleira, que surjam perspectivas opostas, mesmo dentro deste movimento que acredito que pulsa mais forte que nunca no mundo todo, a Tropicália.Percebi isso ao prefaciar a tradução em português crioulo = brazyleiro do melhor livro, na minha perspectiva, claro, escrito sobre a Tropicália: Brutality Garden, Jardim Brutalidade, de Chris Dunn, professor de literatura Brazyleira, na Tulane University de New Orleans.Acho, diferentemente de Caetano, que temos em Lula o primeiro presidente antropófago brazyleiro, aliás Lula é nascido em Caetés, nas regiões onde foi devorado por índios analfabetos o Bispo Sardinha que, segundo o poeta maior da Tropicália, Oswald de Andrade, é a gênese da história do Brazil. Não é o quadro de Pedro Américo com a 1ª Missa a imagem fundadora de nossa nação, mas a da devoração que ninguém ainda conseguiu pintar.Lula começou por surpreender a todos quando, passando por cima das pressões da política cultural da esquerda ressentida, prometeica, nomeou o Antropófago Gilberto Gil para Ministro da Cultura e Celso Amorim, que era macaca de Emilinha Borba, para o Ministério das Relações Exteriores, Marina Silva para o Meio Ambiente e tanta gente que tem conquistado vitórias, avanços para o Brasil, pelo exercício de seu poder-phoder humano, mais que humano.Phoderes que têm de sambar pra driblar a máquina perversa oligárquica, podre, do Estado brasileiro. Um estado oligárquico de fato, dentro de um Estado Republicano ainda não conquistado para a "res pública". Tudo dentro de um futebol democrático admirável de cintura. Lula não pára de carnavalizar, de antropofagiar, pro País não parar de sambar, usando as próprias oligarquias.Lula tem phala e sabedoria carnavalesca nas artérias, tem dado entrevistas maravilhosas, onde inverte, carnavaliza totalmente o senso comum do rebanho. Por exemplo, quando convoca os jornalistas da Folha de S. Paulo a desobedecer seus editores e ouvir, transmitindo ao vivo a phala do povo. A interpretação da editoria é a do jornal e não a da liberdade do jornalista. Aí , quando liberta o jornalista da submissão ao dono do jornal, é acusado de ser contra a liberdade de expressão. Brilha Maquiavel, quando aceita aliança com Judas, como Dionísios que casa-se com a própria responsável por seu assassinato como Minotauro, Ariadne. É realmente um transformador do Tabu em Totem e de uma eloquência amor-humor tão bela quanto a do próprio Caetano.Essa sabedoria filosófica reflete-se na revolução cultural internacional que Lula criou com Celso Amorim e Gil, para a política internacional. O Brasil inaugurou uma política de solidariedade internacional. Não aceita a lógica da vendetta, da ameaça, da retaliação. Propõe o diálogo com todos os diabos, santos, mortais, tendo certa ojeriza pelos filisteus como ele mesmo diz. Adoro ouvir Lula falar, principalmente em direto com o público como num teatro grego. É um de nossos maiores atores. Mais que alfabetizado na batucada da vida, lula é um intérprete dela: a vida, o que é muito mais importante que o letrismo. Quantos eruditos analfabetos não sabem ler os fenômenos da escrita viva do mundo diante de seus olhos?Eu abro meu voto para a linha que vem de Getúlio, de Brizola, de Lula: Dilma, apesar de achar que está marcando em não enxergar, nisto se parece com Caetano, a importância do Ministério da Cultura no Governo Lula. Nos 5 dedos da mão em que aponta suas metas, precisa saber mais das coisas, e incluir o binômio Cultura & Educação.Quanto a Marina Silva, quando eu soube que se diz criacionista, portanto contra a descriminalização do aborto e da pesquisa com células-tronco, pobre de mim, chumbado por um enfarte grave, sonhando com um coração novo, deixei de sequer imaginar votar nela. Fiz até uma cena na Estrela Brasyleira a Vagar - Cacilda!! para uma personagem, de uma atriz jovem contemporânea que quer encarnar Cacilda Becker hoje, defendendo este programa tétrico.Gosto muito de Dilma, como de Caetano, onde vou além do amar, vou pra Adoração, a Santa adorada dos deuses. Acho a afetividade a categoria política mais importante desta era de mudanças. "Amor Ordem e Progresso." O amor guilhotinado de nossa bandeira virou um lema Carandiru: Ordem e Progresso, só.Apreendi no livro de Chris Dunn que os americanos chamam esta categoria de laços homossociais, sem conotação direta com o homoerotismo, e sim com o amor a coisas comuns a todos, como a sagração da natureza, a liberdade e a paixão pelo amor energia, santíssima eletricidade. Sinto que nessas duas pessoas de que gosto muito, Caetano e Dilma, as fichas da importância cultural estratégica, concreta, da Arte e da Cultura, do governo Lula, ainda não caíram.A própria pessoa de Lula é culta, apesar de não gostar, ainda, de ler. Acho que quando tiver férias da Presidência vai dedicar-se a estudar e apreender mais do que já sabe em muitas línguas. Até hoje ele não pisou no Oficina. Desejo muito ter este maravilhoso ator vendo nossos espetáculos. Lula chega à hierarquia máxima do teatro, a que corresponde ao papa no catolicismo: o palhaço. Tem a extrema sabedoria de saber rir de si mesmo. Lula é um escândalo permanente para a mente moralista do rebanho. Um cultivador da vida, muito sabido, esperto. Não é à toa que Obama o considera o político mais popular do mundo.Caetano vai de Marina, eu vou de Dilma. Sei que como Lula ela também sente a poesia de Caetano, como todos nós, pois vem tocada pelo valor da criação divina dos brazyleiros. Essa "estasia", Amor-Humor, na Arte, que resulta em sabedoria de viver do brasileiro: Vida de Artista. Não há melhor coisa que exista!Lula faz política culta e com arte. Sabe que a cultura de sobrevivência do povo brasileiro não é super, é infra estrutura. Caetano sabe disso, é uma imensa raiz antenada no rizoma da cultura atual brazyleira renascente de novo, dentro de nós todos mestiços brazyleiros. Fico grato a Caetano ter me proporcionado expor assim tudo que eu sinto do que estamos vivendo aqui agora no Brasil, que hoje é um país de poesia de exportação como sonhava Oswald de Andrade, que no Pau Brasil, o livro mais sofisticado, sem igual brazyleiro canta:"Vício na fala Pra dizerem milho dizem mioPra melhor, dizem mióPara telha, dizem teiaPara telhado, dizem teiadoE vão fazendo telhado"SamPã, 6 de novembro, sob o signo de escorpião, sexo da cabeça aos pés, minha Lua de Ariano, evoéros!
José Celso Martinez Corrêa é ator, diretor e dramaturgo da Cia. Uzyna Uzona, sediada no Teatro Oficina, em São Paulo.
terça-feira, novembro 10, 2009
Ridendo castigat mores
O blog Classe Media way of life é hilário. Reproduzo esta ótima dica 4:
Tomar remédio para depressão
Uma coisa que o aspirante à Classe Média tem que saber: dizer a todos que leva uma vida difícil. Na lógica médio-classista, sofrer de estresse com o trabalho e martirizar-se pagando impostos para manter o carro e a empregada faz com que a pessoa emane respeito e admiração. Por isso, nada melhor do que tornar-se um deprimido para em seguida poder tornar pública esta condição.
A melhor maneira de mostrar a todos que você carrega o mundo nas costas é ser consumidor de antidepressivos de tarja preta. Ao comprar um destes, imediatamente você será associado a “trabalho” e “dignidade”. Os médio-classistas em volta construirão uma imagem mental de você, imaginando-o mantendo a caríssima escola dos filhos, o caríssimo curso de Yôga da esposa, a caríssima fatura do plano de saúde. E inclusive tomarão seu partido e ficarão indignados com a quantidade de impostos que você ainda tem que pagar.
Muitos médio-classistas moderados recorrem também a psicólogos. Isso ocorre quando o cidadão não tem coragem suficiente para recorrer à química, mas carrega a necessidade de gastar dinheiro para fazer a citada publicidade de sua “miséria”. Tal método com certeza atinge, de certa forma, este objetivo, mas o destemido que vai direto ao psiquiatra para buscar a receita de seu comprimido obtém ganhos muito mais expressivos em sua reputação.
É bom saber que antidepressivos também têm outra importante função, além de publicar seu sofrimento em troca de status social. O antidepressivo é uma espécie de “entorpecente legalizado”, algo como a mistura de maconha (para relaxar) com cocaína (para criar a necessidade de consumir sempre). Com ele, o médio-classista pode se drogar à vontade e, mesmo assim, continuar falando mal de traficantes e usuários das outras drogas que a lei não permite. Além do mais, se você é da Classe Média, você tem direito. Afinal, como bom observador, culto, inteligente e esclarecido que o membro da classe é, ele sabe que vida boa é a de pobre: não paga escola pros filhos, nem plano de saúde, nem prestações e manutenção de carros caros, e nem impostos. Logo, está aí uma grande justificativa pra tomar o remedinho: felicidade é coisa de pobre.
Tomar remédio para depressão
Uma coisa que o aspirante à Classe Média tem que saber: dizer a todos que leva uma vida difícil. Na lógica médio-classista, sofrer de estresse com o trabalho e martirizar-se pagando impostos para manter o carro e a empregada faz com que a pessoa emane respeito e admiração. Por isso, nada melhor do que tornar-se um deprimido para em seguida poder tornar pública esta condição.
A melhor maneira de mostrar a todos que você carrega o mundo nas costas é ser consumidor de antidepressivos de tarja preta. Ao comprar um destes, imediatamente você será associado a “trabalho” e “dignidade”. Os médio-classistas em volta construirão uma imagem mental de você, imaginando-o mantendo a caríssima escola dos filhos, o caríssimo curso de Yôga da esposa, a caríssima fatura do plano de saúde. E inclusive tomarão seu partido e ficarão indignados com a quantidade de impostos que você ainda tem que pagar.
Muitos médio-classistas moderados recorrem também a psicólogos. Isso ocorre quando o cidadão não tem coragem suficiente para recorrer à química, mas carrega a necessidade de gastar dinheiro para fazer a citada publicidade de sua “miséria”. Tal método com certeza atinge, de certa forma, este objetivo, mas o destemido que vai direto ao psiquiatra para buscar a receita de seu comprimido obtém ganhos muito mais expressivos em sua reputação.
É bom saber que antidepressivos também têm outra importante função, além de publicar seu sofrimento em troca de status social. O antidepressivo é uma espécie de “entorpecente legalizado”, algo como a mistura de maconha (para relaxar) com cocaína (para criar a necessidade de consumir sempre). Com ele, o médio-classista pode se drogar à vontade e, mesmo assim, continuar falando mal de traficantes e usuários das outras drogas que a lei não permite. Além do mais, se você é da Classe Média, você tem direito. Afinal, como bom observador, culto, inteligente e esclarecido que o membro da classe é, ele sabe que vida boa é a de pobre: não paga escola pros filhos, nem plano de saúde, nem prestações e manutenção de carros caros, e nem impostos. Logo, está aí uma grande justificativa pra tomar o remedinho: felicidade é coisa de pobre.