domingo, maio 17, 2009
Da Vila de Marvão, fronteira com a Espanha
São 21 horas de domingo e toca o sino de uma das igrejas de Marvão.
Daqui do alto, mais de 8OO metros, se enxerga as terras do Alentejo e da Espanha.
Num belo livro sobre a Vila, editado por Domingos Bucho (Marvão Palavras e Olhares) diz Saramago:
"De Marvão ve-se a terra toda... Compreende-se que neste lugardo alto da torre de menagem do castelo de Marvão, o viajante murmure respeitosamente:
Que grande é o mundo!"
Primeira referência a Marvão em crônicas árabes, no século X: " O Monte de Amaia,conhecido hoje por Amaia de Ib n Maruán, é um monte alto e inexpugnável, a leste da cidade de Amaia-das-Ruínas, sobre o rio Sever."
Estou aqui, numa das casas da comunidade de 120 habitantes !
Silenciosa.
É a bela casa da professora Maria Luiza Vasconcelos (Marvão é a sua ilha no espaço, ela diz) , viúva de meu amigo, o grande poeta e jornalista português João Apolinário Teixeira Pinto, igualmente um grande crítico de teatro da Ultima Hora nos anos 60 e 70 e meu chefe de reportagem na sucursal de O Globo.
Sobre a casa, ele escreveu: "Olho-a e sinto a alegria de dizer: é a minha casa, o meu lar. Mais: é o meu sonho de fugir do Mundo quase realizado".
Foi este poeta quem primeiro fez uma apreciação dos meus poemas, e para quem eu tive coragem de mostrá-los. Guardo até hoje seu texto sensibilissimo, numa lauda da Última Hora dizendo assim:
"Eu acho que depois de Baudelaire, F. Pessoa, Poe e Rimbaud, pouco aconteceu na poesia que não seja epigonal deles. Acho, por isso, que fazer poesia satélite é um negócio de nível inferior. Não adianta. Só pura satisfação do ego. Acredito, pois, que só uma inteira fé em seu destino leva o poeta às mais altas realizações. O que significa duas coisas: uma absoluta coerência entre o homem e o artista e uma completa e absoluta resolução frente ao mundo inabitável em que vive. A resolução de torná-lo habitável, vivendo nele para si mesmo, eis a questão primeira. O resto, para o Poeta, é a incógnita do Espírito do Homem em sua ascensão cósmica.
Concluindo: "gosto" de tua poesia por nela apressentir uma sensibilidade rara face ao cotidiano, o que por si só revela já uma imanente transcendência pessoal frente ao mundo. E isso tem jusificado a existência de muitos e grandes poetas. Mas também de muitos outros medíocres. Daí...
Bom. Só você pode acreditar em seu destino de Poeta, por só você e mais ninguém poder fazer este destino. Não há destino, há opções. De fato, so você pode optar. "
Que belos tempos em que se podia falar de poesia numa redação, e com um Poeta! E o Poeta respondia por escrito, um texto desses, de tamanha síntese. E foi tão importante para mim, que o dia em que publicar meu livro de poesias terá este prefácio.
(Mas como escrevem bem esses portugueses! Certa vez ele me mostrou uma poesia tão bela e eu perguntei: "É do Fernando Pessoa?" E ele: "Não, é minha".
De Apolinário vocês devem conhecer certamente algumas poesias musicadas pelos Secos e Molhados.)
Aqui, alguns de seus poemas reproduzidos no livro sobre Marvão:
Fraga
(1978)
Compacta e densa
Vulcânica e dura
Equilibrada
na ponta do céu
Onde nasceu
Que idade tem
O que faz aí
(Apolinário era um exilado do salazarismo e voltou ao seu país após o 25 de Abril)
Depois do exílio pode ser um grão de areia
uma nesga de céu ou uma réstea de sol
talvez mesmo uma lasca de fraga
ou o rebento da urze que se abre nela.
(1975)
Pedras & Silêncios
Uma forma infinita
Uma raiz infinita de luz
E o que me espanta
o que me assombra
é a sua infinita existência