De pé com os braços cruzados, Migué Bedé Bedé, nosso motorista da perua Rural Willys da sucursal paulista de O Globo.
Conta o Victor Passos, nosso companheiro de redação:
"Uma vez eu e Migué fomos a Assis fazer um suite sobre um reduto da Máfia do Tomaso Buschetta (que o Cid Moreira insistia em pronunciar Busqueta) desbaratado pela polícia.
Muito bem. À noite, na cidade, eu não tinha o que fazer, mas o Migué tinha e me arrastou pra zona. Eu fiquei só no bar, mas o Migué logo sumiu num quarto com uma marafa do local. Quando voltou, após afogar o ganso, exibia um sorriso feliz.
Antes de sair tive o cuidado de pedir uma notinha da despesa.
A cafetina prontamente me deu uma em papel timbrado da Pensão da Dona Antonieta
(razão social do estabelecimento) constando duas refeições.
Aí na foto a redação da sucursal paulista de O Globo, Av. Consolação, 257, 19. andar, anos 70.
Caminhando, altivo, o Fabinho, o Assis, Franciso de Assis Barbosa, caboclo potiguar, grande jornalista da área econômica, bravo que só, coração grande que só ele. Ao fundo, o repórter esportivo Cândido Garcia, também , na época da Rádio Jovem Pan.
Na frente do Assis, Etevaldo Dias. A sucursal, que reunia uma das melhores equipes com as quais tive o prazer de trabalhar, e de ficar amiga, era chefiada pelo Cândido Cerqueira Silva, Candinho, o melhor chefe que já tive. Estávamos todos felizes, fazendo matérias legais tanto quanto se podia - era a ditadura Médici- quando a direção geral mudou. Ou , acho que mandaram um pra preencher o cargo, já que a administração era de responsabilidade da dona Wanda e não havia ninguém acima.
Chegou do Rio um tipo baixinho, ligado ao IBC (Instituto Brasileiro do Café) egresso da turma do Filinto Muller, aquele chefe de polícia do Vargas. Logo foi apelidado de Cafezinho.
A primeira coisa que fez foi demitir o Candinho.
Nós , então, escrevemos uma carta de desagravo, que virou abaixo-assinado. Alguns souberam, por telefone, estavam viajando, e mandaram assinar. Carlão, o Carlos Augusto Gouveia, pediu demissão. E, um por um, todos fomos demitidos. Desmantelou-se assim uma grande redação, o que não era a primeira vez, nem infelizmente foi a última.
Conversando com Pedro Martinelli, ele me contou- eu já não lembrava- que estava na Amazônia, com os Villas-Boas, quando chegou a mensagem por rádio do preposto do cafezinho, chamado Moura Reis: "Tá demitido" Daí ele respondeu: "Então manda o Roberto Marinho vir aqui e pegar minhas máquinas, fotos e tralhas, que eu não vou levar".
Bom, como o trabalho do Pedrão era diretamente ligado à sede do jornal no Rio, foi desfeita a demissão. Mas o que eu queria contar, também, era sobre o Assis. Um dia, antes do desfecho com as demissões, chegou o tal Cafezinho, vigiando o Assis, olhando por cima dos ombros dele, que batucava na sua máquina de escrever. (Não tem coisa pior , pelo menos eu sempre achei, pra um jornalista, que um neguinho vigiando o que você escreve, coisa típica de gente autoritária.)
"Não é assim que se escreve o abre dessa matéria", disse o pequenino. E o Assis, vulcão em erupção: "Então senta e escreve" E se mandou. Pois é, época de gente de brio.Em plena ditadura. Sinto saudades. Especialmente do Assis, que já partiu há alguns anos. Do Carlão e do Cândido Garcia, que também se foram.
Do mais recente presente que a net nos dá, o blog do grande Pedrão, fotógrafo das entranhas deste país há muito
http://www.pedromartinelli.com.br/blog/
Verde e Rosa
Tres dos cinco anos que trabalhei no jornal O Globo eu passei na Amazônia, acompanhando a expedição de contato dos índios Kranhacãrore chefiada pelos irmãos Villas Boas. Na volta, meu sonho era cobrir o carnaval do Rio de Janeiro. O meu e o dos outros quarenta fotógrafos do jornal. Dos eventos com data marcada o carnaval era tão disputado pelos fotógrafos quanto um jogo de final de campeonato, um Fla-Flu no Maracanã. O jornal abria fotos imensas na primeira página e os cadernos recheados de fotos.
Fotógrafo novo faz o que o chefe manda e não dá um pio. Toda noite eu era escalado para cobrir os ensaios das escolas, nas últimas semanas que antecediam o carnaval.
Eu adorava. Na entrada da quadra da Mangueira mulheres vendiam camarões salgados em pequenos tabuleiros. Passava a noite a base de camarão e biscoito Globo, sempre próximo da bateria com o coração batendo no mesmo compasso do surdo.
Na hora de ir para a Avenida eu não era escalado ou estava fazendo algum trabalho fora do Rio.
Meu ano chegou e eu fui credenciado para a cobertura. Eu não via a hora de ver o Mestre André fazer a paradinha na bateria da Mocidade Independente de Padre Miguel ao vivo na avenida.
O desfile era na Av. Rio Branco e o meu carro estava escalado para sair do jornal ao meio-dia. Cheguei as 11,00 e ao invés de ir para a Avenida fui para o aeroporto Santos Dumond pegar uma Ponte-Aérea para São Paulo e de lá seguir para Assuncão no Paraguai. Meu chefe me mandou cobrir uma reunião da Itaipu Binacional, que estava sendo contruída na época , no gabinete do presidente Stroessner. “Paulista, tu não entende nada de samba, voce vai para o Paraguai agora mesmo, pelo menos lá a temperatura é parecida com a do Rio”.
Tres anos depois, pela revista Veja, finalmente eu cobri o carnaval do Rio de Janeiro em tempo de ver mestre André parar a bateria da Mocidade.